O Governo vai avançar para a criação de uma nova entidade independente para a supervisão macroprudencial — isto é, da estabilidade do sistema financeiro — e para a resolução bancária, substituindo o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros e o Conselho Nacional de Estabilidade Financeira. Na prática, esta alteração orgânica vai traduzir-se na retirada de poderes ao Banco de Portugal, que deixará de ser o responsável direto por tutelar os bancos ou veículos que resultam de resoluções bancárias, como o Novo Banco ou a Oitante (ex-Banif).

A saída das competências de resolução bancária, e posterior venda dos bancos de transição ou dos seus ativos, da esfera do Banco de Portugal já tinha sido colocada em cima da mesa no ano passado quando foi anunciada a intenção de rever o sistema de supervisão financeira, que está aliás no programa do Governo. Vai também no sentido do que já defendeu o governador, Carlos Costa e voltou a ser noticiada esta quinta-feira pelo Jornal de Negócios.

Banco de Portugal vai deixar de vender bancos

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O ministro das Finanças aproveitou o debate no Parlamento sobre regulação e supervisão financeira, agendado pelo CDS, para revelar algumas alterações previstas nas linhas gerais da reforma da supervisão financeira que foram já entregues por um grupo de trabalho liderado por Carlos Tavares, ex-presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Esta proposta será colocada em discussão pública.

Segundo Mário Centeno, esta nova “entidade deverá ser dotada de personalidade jurídica e de estatuto de independência”. O novo órgão terá na sua administração autoridades de supervisão setorial, “mas será dirigida por personalidades independentes, garantido assim em simultâneo a participação e responsabilização plena de todas as autoridades de supervisão nas matérias de prevenção do risco de sistémico, mas sendo também atribuída a esta entidade a capacidade analítica e técnica de supervisionar o conjunto do sistema”.

Esta nova entidade terá como missão “assegurar a troca vinculativa de informações e a coordenação da atuação das autoridades de supervisão”. Para o ministro, a colaboração entre as três entidades de supervisão financeira — Banco de Portugal, Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (antigo Instituto de Seguros de Portugal) e CMVM — foi uma das fragilidades detetadas no modelo português de supervisão, como aliás foi assinalado no caso do Banco Espírito Santo. Vários desenvolvimentos e intervenções do Banco de Portugal antes da resolução não foram previamente comunicadas a outros reguladores que também tinham a missão de monitorizar o grupo BES/GES.

A mudança do modelo de supervisão financeira estava na calha desde a comissão parlamentar de inquérito ao BES, que apresentou várias recomendações nesse sentido.

Com esta alteração orgânica, entende Mário Centeno, Portugal ficará finalmente “dotado de uma autoridade de cúpula do sistema de supervisão nacional, com uma visão global dos riscos sistémicos, transversais a todo o sistema financeiro, ao seus agentes e às ameaças trazidas por novos produtos, serviços e práticas de mercado”.

O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, já tinha defendido que não era aconselhável o Banco de Portugal fosse responsável pela gestão dos ativos resultantes de resoluções, ao mesmo tempo que tem responsabilidades de supervisor para a totalidade do sistema financeiro.

António Costa, o primeiro-ministro, também já defendeu que a situação atual “coloca o BdP numa posição de dupla função que, de todo em todo, não devia ter. Porque é difícil que, com aquelas funções, possa ter a independência que necessita para cumprir a sua missão principal”.

Sem nunca falar em nomes, o ministro das Finanças apontou “falhas e deficiências” ao atual modelo ao nível do funcionamento interno, governação, método, instrumentos e coerência no relacionamento entre supervisores. Mário Centeno lembrou ainda que as alterações da supervisão bancária verificadas nos últimos anos acrescentaram camadas de competências ao supervisor da banca, sem que tenha sido realizada uma reflexão sobre o modelo de supervisão e regulação em Portugal.

CDS denuncia aquilo diz ser “processo de partidarização em curso” no Banco de Portugal

O debate sobre supervisão bancário fora pedido pelo CDS e os democratas-cristãos não perderam a oportunidade de explorar politicamente a guerra surda que se vai mantendo entre Governo e Banco de Portugal no que diz respeito aos futuros administradores do banco central. Para o partido liderado por Assunção Cristas está em curso “processo de partidarização” no Banco de Portugal.

“O Governo e os partidos que o apoiam têm tentado transformar aquilo que deve ser uma discussão de soluções numa mera controvérsia de nomes. Depois da novela das nomeações para a Caixa Geral de Depósitos, começamos agora a assistir ao folhetim das nomeações para o Banco de Portugal”, defendeu a vice-presidente do CDS e deputada Cecília Meireles.

Na abertura de uma interpelação ao Governo sobre supervisão bancária, e na presença do ministro das Finanças, Cecília Meireles declarou: “Aquilo a que assistimos nos últimos dias, e que já parece mais um processo de partidarização em curso do Banco de Portugal contará, da parte do CDS, com uma oposição firme e resoluta”.

A democrata-cristã aproveitou o debate para criticar abertamente a atuação de Vítor Constâncio, ex-governador do Banco de Portugal (2000-2010), relacionando-o com a partidarização do supervisor. “Não aceitaremos jamais um regresso ao passado – ao passado da supervisão de Vítor Constâncio”, afirmou, argumentando que essa é a supervisão que existiu “pela mão do PS, e a que o BE parece querer hoje emprestar o braço, através da nomeação do seu antigo presidente, Francisco Louçã [nomeado para o Conselho Consultivo do Banco de Portugal].

A deputada apresentou os projetos que os centristas irão formalizar, começando pela proposta de nomeação das entidades administrativas independentes, como o Banco de Portugal, pelo Presidente da República, por proposta do Governo, e com audição no parlamento.

PSD acusa Governo de estar a preparar um ataque à independência dos reguladores e dos supervisores

O debate acabou por ficar igualmente marcado pelas críticas da direita — sobretudo do PSD — àquilo que diz ser um “ataque à independência dos reguladores e dos supervisores” do sistema financeiro.

A primeira crítica veio pela voz do deputado do PSD António Leitão Amaro que levantou as “maiores reservas” sobre a autonomização do poder resolução. Em causa, argumentam os sociais-democratas, está uma eventual “captura do sistema financeiro por práticas destrutivas que já vimos no passado e não permitir que os bancos sejam meios de influência política”.

Para o PSD, alterações preparadas pelo Governo “não podem permitir uma fragmentação da ainda escassa capacidade instalada e massa critica nos reguladores nacionais” nem “causar tão elevados custos de transição que perturbariam a estabilização do sistema financeiro”.

Duarte Pacheco, também deputado do PSD, voltaria ao tema para acusar o Governo de estar a pôr em prática um plano de “subordinação política dos reguladores e supervisores” ao Executivo.

O social-democrata comentava assim as palavras de Mário Centeno que, momentos antes, em resposta a uma interpelação, tinha argumentado que existe “uma certa confusão” entre “independência” dos reguladores e a ideia de “desresponsabilização”. “O responsável pela estabilidade financeira é o Governo é o ministro das Finanças”, lembrou Centeno.

Ora, para Duarte Pacheco esta ideia do ministro das Finanças reflete uma convicção profunda que atravessa o Governo socialista: “Quer dar uma nova roupagem a uma frase com alguns anos: quem se meter com a geringonça leva. Têm de estar dependentes de nós e quem nos criticar leva”. Uma ideia, concluiu Duarte Pacheco, “altamente preocupante para o Estado democrático”.

Seguiu-se mais uma troca de acusações sobre quem de facto contribuiu para a partidarização das instituições, com referências à nomeação de Sérgio Monteiro — antigo secretário de Estado dos Transportes de Pedro Passos Coelho nomeado para representar Banco de Portugal na venda do Novo Banco — ou de Elisa Ferreira — ex-ministra socialista nomeada para administração do Banco de Portugal.

No final do debate, Mário Centeno anunciou ainda dois projetos que devem harmonizar as regras dos fundos de investimento e do financiamento colaborativo. Além disso, o Executivo socialista vai apresentar ainda iniciativas legislativas quanto ao crédito hipotecário, aos intermediários de crédito, à supervisão dos índices financeiros, à atividade de autoria e aos seguros”.

*Com Lusa