Os socialistas admitem avançar com uma alteração legislativa no sentido de obrigar o Banco de Portugal a justificar a sua política de provisões. PS e Bloco de Esquerda acreditam que o banco regulador está “sobrecapitalizado” e, como tal, essas verbas poderiam ser aplicadas para ajudar a financiar o Estado.

A hipótese foi avançada pelo deputado João Galamba durante a apresentação do relatório sobre a “Sustentabilidade das Dívidas Externa e Pública”​, que juntou representantes do Governo, PS e Bloco de Esquerda no mesmo ​grupo de trabalho. Para o socialista, o Banco de Portugal “está sobrecapitalizado de forma injustificada” e a reter “recursos públicos fundamentais” que seriam “úteis a outras áreas, como a Saúde e a Educação”.

Mesmo salvaguardando que o PS entende que há, no atual enquadramento jurídico, margem para que o Banco de Portugal tenha uma outra política de distribuição dividendos, João Galamba não excluiu a hipótese de o PS avançar com uma alteração legislativa que, no fundo, obrigaria o banco supervisor a entregar mais dinheiro ao Estado.

Desafiado a esclarecer se uma alteração legislativa dessa natureza não seria considerada como mais uma declaração de guerra ao governador do Banco de Portugal, Carlos Costa — atendendo à relação tensa entre Governo e governador –, João Galamba foi taxativo: “O Banco de Portugal não legisla. Quem legisla é a Assembleia da República”.

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A posição do socialista foi secundada por Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, que classificou a política de provisões do Banco de Portugal como “contracíclica” e “prejudicial” para os interesses do país.

Como explicava aqui o Observador, a revisão da política de distribuição de dividendos do Banco de Portugal é a primeira medida do relatório sobre a sustentabilidade da dívida preparado por Governo, PS e Bloco de Esquerda. Os membros do grupo de trabalho entendem que o Banco de Portugal tem feito provisões contra riscos gerais excessivas e pretendem que estas sejam reduzidas para que o regulador entregue mais dinheiro ao Estado e, assim, melhore a receita das administrações públicas. Isto aconteceria através da distribuição de dividendos, que seriam contabilizados não só como tal, mas, também, como receita de IRC, paga sobre a parcela dos lucros entregues aos cofres públicos.

A proposta do grupo de trabalho é a de que sejam mudadas as regras que permitem ao Banco de Portugal constituir provisões elevadas, que têm sido justificadas com a necessidade de a instituição se prevenir contra riscos da compra de dívida pública que o Banco de Portugal tem levado a cabo em nome do programa de compra de ativos do BCE.

Assim, o Banco de Portugal faria menos provisões (que servem para cobrir eventuais perdas que o banco central venha a ter) e e entregaria o dinheiro ao Estado. Nas contas do grupo de trabalho, esta mudança daria uma receita para o Estado de 450 milhões de euros já em 2017, valor que desceria para 195 milhões de euros em 2018. Na prática, o Governo faz com que o Banco de Portugal tenha de fundamentar e justificar todas as provisões para riscos gerais que faça, tornando, assim, mais difícil fazer este tipo de reservas.

Governo reitera que não está vinculado ao relatório

Antes das intervenções de João Galamba e Pedro Filipe Soares, foi a vez de João Leão, secretário de Estado do Orçamento, fazer um comentário — sem direito a perguntas dos jornalistas presentes — sobre o relatório da dívida. Recorde-se que apesar de ter feito parte do grupo de trabalho que preparou o documento, o Governo preferiu não se vincular oficialmente ao relatório.

De resto, foi essa a principal mensagem de João Leão: apesar de reconhecer que o relatório “espelha o esforço de compromisso” entre as personalidades que se dedicaram a estudar o tema, o secretário de Estado explicou que o documento “não reflete em alguns aspetos a política do Governo” em matéria de dívida.

Quanto ao resto, João Leão assumiu que o Governo vai tomar “nota das conclusões do relatório” e estudar as propostas feitas, reiterando, no entanto, que o Executivo mantém o mesmo entendimento de sempre: a reestruturação da dívida deve ser debatida num quadro europeu e “não deve ser colocada e levantada de forma unilateral”. :

Se dúvidas restassem, o secretário de Estado do Orçamento ainda acrescentaria: o Governo vai manter uma “política interna responsável que respeite o compromisso com os portugueses e com a Europa” e este relatório “não é obviamente um documento oficial do governo”. Depois da intervenção inicial, João Leão deixou o Centro de Acolhimento ao Cidadão, na Assembleia da República, onde decorria a apresentação do relatório.

Sessenta anos para pagar à Europa, dívida ao Banco de Portugal é “para sempre”

PS não esclarece redução das maturidades. Governo não se compromete

No relatório apresentado esta sexta-feira, e que cuja análise pode ler detalhadamente aqui, é também defendido que o IGCP — Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública reduza a maturidade média dos empréstimos do Estado dos atuais 6,6 anos para 4,9 anos, isto excluindo os empréstimos do resgate de 2011 a pagar aos credores oficiais europeus e ao FMI. A avançar esta redução, o Estado pouparia cerca de 390 milhões de euros em juros em 2018, um valor que aumentaria para perto de 1.300 milhões de euros em 2023.

Desafiado a explicar se o Governo vai aplicar esta estratégia, João Galamba, o único representante socialista no painel que apresentava o relatório dada a ausência do representante do Governo, lembrou que essa é uma competência do Ministério das Finanças e não do grupo parlamentar do PS.

De resto, Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, que acompanhou a apresentação do documento na fila da frente ao lado de Francisco Louçã, chegou a improvisar algumas palavras durante a sessão de esclarecimento sempre que João Galamba era confrontado com alguma questão da área de competências do Governo socialista. A mensagem foi uma: “Obviamente que não estamos vinculados enquanto Governo”.

Quanto ao resto, o secretário de Estado dos Assunto Parlamentares fez questão de assegurar que o Executivo “vai ter muita atenção e fazer uma análise apurada” das propostas vertidas no relatório.

Bloco elogia trabalho feito, mas não esconde ceticismo

Da parte do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do partido, elogiou o facto de este relatório agora divulgado “propor medidas que o Governo português pode tomar por iniciativa própria”, além de permitir dotar o Executivo socialista “de ferramentas e instrumentos para negociar no quadro europeu, já que essa era a posição de partida do PS no arranque deste grupo de trabalho”.

Sem deixar de assumir que estas medidas não resolvem de forma definitiva o problema da dívida, e garantindo repetidamente que o Bloco não alterou a sua posição de princípio — a dívida tem de ser renegociada nos seus prazos, montantes e juros –, o líder parlamentar bloquista sublinhou o facto de este documento questionar o que “ninguém antes questionou”, nomeadamente a política de provisões do Banco de Portugal ou a redução das maturidades médias da dívida pública.

Ficou por esclarecer uma questão essencial: traçado o diagnóstico, como pretende o Governo levar discussão sobre a renegociação da dívida pública para o quadro europeu? A pergunta foi colocada durante a apresentação do relatório e foi Paulo Trigo Pereira, deputado socialista e um dos membros deste grupo de trabalho, a sugerir, por exemplo, que esta discussão fosse colocada em fóruns académicos. Sem mais detalhes.

E foi precisamente sobre este último (mas decisivo) ponto que Pedro Filipe Soares não deixou de demonstrar algum ceticismo. Se no plano interno o Governo socialista tem agora caminho aberto a responder a alguns dos desafios identificados no relatório — sobretudo, de gestão normal da dívida — no quadro europeu essa discussão será mais difícil, sugeriu Pedro Filipe Soares. “O Bloco não tem uma posição tão otimista como o PS tem”, rematou o bloquista.