Anisakis simplex. É este o nome de um parasita (uma larva) muito comum presente no peixe de mar e que, quando ingerido pelos humanos, pode provocar uma infeção (anisakis) que em casos extremos leva à morte. O peixe cru e mal cozinhado é um fator de risco, alertam especialistas, que aconselham a congelação ou a cozedura do pescado antes de ser consumido.
A agência norte-americana que regula os alimentos e os medicamentos (FDA) recomenda que se cozinhe o peixe do mar a uma temperatura sempre superior a 63º C ou que se congele o peixe durante sete dias se a temperatura rondar os -20ºC; por 24 horas se congelado a -35ºC e armazenado a -20ºC ou por 15 horas se congelado e conservado a -35ºC.
Para a investigadora do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), Maria João Gargaté, a “temperatura ideal de cozedura é a fervura”, ou seja, os 100ºC, ou então a congelação. “Os parasitas só são inviabilizados, só morrem, ou com congelação ou com fervura”, afirmou ao Observador, chamando a atenção para os riscos do sushi, mas também da tradicional sardinha assada.
O assado ou grelhado ‘mal passado’ é sempre um fator de risco. Atenção que fumado também”, rematou a responsável pelo laboratório nacional de referência de infeções parasitárias e fúngicas do INSA.
Assim, a especialista refere que a forma mais segura de comer sushi é se o peixe tiver sido previamente congelado. Mas será essa uma prática comum nos restaurantes que servem esta iguaria?
“Normalmente servimos o peixe o mais fresco possível. Sabemos que existe uma regra que é congelar o peixe antes de ser servido, mas que eu saiba ninguém faz isso. Perde-se muita qualidade no processo de congelação, ficam muito aguados”, defendeu o sushiman Aron Vargas, que tem dois restaurantes em Lisboa (S. Sebastião e Picoas).
Quanto ao dito parasita, Aron garante que “dá para ver logo” quando está presente no peixe, “sobretudo nos carapaus, na sardinha e nas cavalas, mais do que no salmão e no atum”. “Quando conseguimos ver as bolinhas brancas a olho nú, deitamos logo o peixe fora.”
Além disso, acrescentou o sushiman, “aconselhamos a comer o sushi com wasabi porque é antibacteriano”.
Também Císero Costa serve peixe fresco no Aya Bistrôt, na Cova da Piedade, em Almada. “A tradição dita que o sushi tem de ser com peixe fresco. O sabor do peixe congelado não é igual”, explica o sushiman ao Observador, adiantando que apenas congela o atum quando compra um peixe inteiro. Nesse caso, usa uma arca especial, que mandou vir da Austrália, e que congela a 80 graus negativos. “É o congelamento automático de laboratório.” Não a usa para congelar peixe mais pequeno (carapau, sardinha, cavala, entre outros) porque a arca tem capacidade para 500 quilos e “gastaria muito dinheiro em consumo energético” para congelar apenas poucos quilos de peixe.
A solução que apresenta para contrariar eventuais parasitas é a mesma de Aron: wasabi.
De resto, diz que “não é possível ver os pontos brancos no peixe”. A única coisa que admite fazer é “olhar para a tripa do peixe que vem ainda com as vísceras e se vir vermes na tripa deito o peixe fora. Mas nem todos vêm com a tripa”.
Anna Lins, do Miss Jappa, no Príncipe Real, em Lisboa, também não trabalha com congelação, “em geral”. Mas o atum e o espadarte compra-os a um fornecedor dos Açores que os congela depois de os pescar. Em relação ao salmão, diz que “o que se compra é todo de aquacultura, e com ficha técnica. O que vem do Alasca, vem congelado”.
No resto do peixe usado no sushi, que são os peixes mais pequenos e brancos, a garantia da segurança que apresenta baseia-se na formação que dá a quem trabalha com ela. “Aprendemos a identificar o Anisakis nas vísceras do peixe. Quando isso acontece cozinhamos o peixe ou congelamo-lo.”
Além disso, “todos os peixes de risco passam por dois processos: primeiro, 20 minutos com sal por cima e por baixo e depois uma hora num preparado de água com vinagre de arroz (sujime). Se houver algum parasita Anisakis sai. Já vimos isso a acontecer várias vezes”.
Além do sushi, este parasita pode também ser encontrado no arenque holandês, no ceviche na América do Sul ou nas anchovas em conserva, por exemplo.
O Anisakis simplex é transmitido ao humano através do consumo do peixe ou crustáceos que, por sua vez, ficaram contaminados após ingerirem as larvas que estão na água do mar depois de serem libertadas pelos ovos defecados por mamíferos marinhos como baleias, golfinhos, ou leões marinhos. O ciclo de vida deste parasita ocorre em águas marinhas, daí que haja uma maior probabilidade dos peixes “de mar” estarem parasitados.
É um parasita muito comum? Porque não se ouve falar muito dele?
Na semana passada, um artigo publicado no British Medical Journal com assinatura portuguesa (quatro especialistas de gastroenterologia do Hospital Egas Moniz e do Hospital da Luz) chamou a atenção para este problema de saúde. Basicamente, o documento relatava o caso de um homem de 32 anos que deu entrada num hospital (sem referir qual) com um quadro de dor de estômago grave, vómitos e febre ligeira, depois de ter comido sushi. Uma endoscopia alta permitiu perceber que tinha uma larva alojada no estômago, que foi logo removida. Mais tarde veio a confirmar-se tratar-se de Anisakis simplex. Aquele homem tinha desenvolvido uma infeção (anisakiasis) por conta desse parasita.
Os sintomas mais comuns são dor de barriga forte, náuseas e vómitos, sangramento digestivo, obstrução do intestino e, em casos mais graves, perfuração e peritonite ou anafilaxia, que podem conduzir à morte.
O primeiro caso de anisakiasis foi notificado na década de 60, na Holanda. Como esse doente tinha comido arenque salgado, a infeção foi, na altura, batizada de “doença do verme do arenque”. Mais tarde veio-se a perceber que não era exclusivamente atribuída ao consumo daquele peixe. A anisakiasis é mais comum no Japão, mas os casos têm crescido no Ocidente.
A investigadora do INSA, Maria João Gargaté, assegura que a presença de Anisakis no peixe é muito comum e, à CNN, também a médica portuguesa Joana Carmo disse que a presença desta larva nos peixes “é provavelmente mais frequente do que pensávamos”. “Um estudo mostrou que o Anisakis simplex (a espécie mais comummente associada a infeções humanas) foi encontrado em 39,4% da cavala fresca examinada em diferentes mercados de peixes em Granada, Espanha”. E, ainda em Espanha, um outro estudo revelou que perto de 56% do peixe azul vendido em cinco cadeias de supermercados revelava a presença desse parasita.
O Observador contactou a ASAE para saber se encontraram este parasita em muitos restaurantes de sushi mas ainda não obteve resposta.
Devido a alterações nos hábitos alimentares, a anisakiasis é uma doença crescente nos países ocidentais”, lê-se no artigo publicado no BMJ. Os autores do estudo estavam a referir-se ao consumo crescente de sushi.
Mas se este parasita é tão comum porque é que raramente se ouvem casos de infeções provocadas pelo Anisakis? A bióloga do Instituto Ricardo Jorge avança com duas explicações: “Nós precisamos de alguma quantidade de parasitas para desenvolver a infeção e mesmo assim o nosso sistema imunitário pode eliminá-los e não chegar a criar uma infeção. Por outro lado, como esta doença não é de declaração obrigatória, pode ficar perdida nas estatísticas, subnotificada“, arriscou. A especialista acrescenta ainda o facto de se poderem confundir os sintomas desta infeção com outro problema de saúde, resultando num subdiagnóstico. Daí que o baixo número de casos notificados ao INSA nos últimos anos não permita concluir que tem havido poucos casos de portugueses infetados por este parasita.
A única forma de tratar esta infeção é removendo a larva (que pode atingir os dois centímetros no estômago dos humanos) e há casos em que os doentes tomam um antiparasitário nos 21 dias seguintes.