Socialistas, bloquistas e comunistas chegaram a um acordo o sobre o novo pacote de reforma florestal à 25ª hora. Depois de sucessivos adiamentos e alterações às propostas do Governo, a maioria de esquerda conseguiu acertar um conjunto de medidas legislativas ainda antes das férias parlamentares — tal como tinha exigido Marcelo Rebelo de Sousa. Mas não sem uns quantos acidentes de percurso: os diplomas sobre as sociedades de gestão florestal e sobre os benefícios fiscais, matéria em que PS e Bloco não conseguiram chegar a acordo, foram atirados para o outono. E o acordo entre socialistas e comunistas sobre as terras sem dono — e que desbloqueou as conversações — ficou sem efeito depois de o Bloco de Esquerda se ter juntado à direita para chumbar a proposta. A votação global de quarta-feira destes diplomas pode estar em risco, deixando a reforma florestal pensada pelo Governo reduzida ao mínimo.

A maratona de votações na comissão de Agricultura e Mar começou de forma, no mínimo, atribulada. Durante a manhã, o PCP adiou de forma potestativa a votação de todos os diplomas em discussão para a reunião da tarde, já depois de o Bloco de Esquerda ter pedido o adiamento para próxima sessão legislativa dos diplomas referidos.

Adiada a discussão para a tarde, Governo e PCP aproveitaram esse período para limar as últimas arestas. Os comunistas opunham-se à proposta do Executivo socialista de incluir no cadastro e no banco de terras as matérias respeitantes às terras sem donos sem que antes existisse uma avaliação prévia do regime. Os socialistas aceitaram os argumentos do PCP e comprometeram-se a regular a questão por decreto-lei e apenas daqui a um ano, altura em que será possível avaliar o projeto piloto de reflorestação em curso.

O braço de ferro entre Governo e PCP prolongou-se para lá do início dos trabalhos da comissão, agendado para as 15 horas. João Ramos, deputado comunista com a pasta da reforma florestal, chegou atrasado à reunião e, sabe o Observador, as negociações com o Governo, asseguradas pelo líder parlamentar do PCP (João Oliveira), ainda decorriam quando o deputado entrou na sala da comissão parlamentar.

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Do lado do Bloco, que durante a noite de segunda-feira esteve numa maratona de negociações com o Governo, a atuação do PCP causou mal-estar, com os bloquistas a questionarem as súbitas exigências negociais dos comunistas.

Mais: a apresentação de propostas de alteração em catadupa — minutos após o arranque dos trabalhos parlamentares — causou a perplexidade entre os vários deputados. Os trabalhos da comissão tiveram mesmo de ser interrompidos até que os deputados estudassem as alterações apresentadas.

O primeiro a dar nota disso foi Maurício Marques, deputado do PSD, garantido ter recebido por e-mail propostas de alteração às 14h29, às 14h37 e às 14h55. “A pergunta que faço é: há mais alguma proposta?”, questionou o social-democrata, acusando Governo e parceiros parlamentares de “fazerem as coisas em cima do joelho“. Também Patrícia Fonseca, deputada do CDS, confessou não estar “em condições de votar absolutamente nada”.

Ainda a confusão não estava resolvida quando o deputado comunista João Ramos pediu aos deputados para adiarem a discussão sobre o sistema de informação cadastral e sobre o banco de terras, dada a “grande complexidade dos temas”. Desta vez, Maurício Marques, do PSD, exasperou: “Já não sei o que dizer“.

Uma opinião partilhada pela democrata-cristã Patrícia Fonseca e por Carlos Matias, do Bloco de Esquerda. “Não tenho palavras, senhor presidente. Constata-se aquilo que temos vindo a dizer. A discussão foi feita à pressa. Não é uma forma séria e responsável de produzir legislação“, afirmou a deputada do CDS. “Tenho alguma dificuldade em perceber isto. É tempo de decidirmos”, completou o bloquista.

Horas depois, quando tudo parecia aparentemente sanado, o Bloco de Esquerda juntou-se a PSD, CDS e PAN para chumbar a proposta de alteração que resultou das negociações entre Governo e PCP. Os bloquistas não admitem que as terras sem dono não sejam incluídas no cadastro e no banco de terras, tal como pretendiam os comunistas, e, por isso, chumbaram essa norma. Na prática, se esta orientação de voto se repetir na votação final global de quarta-feira, PS e PCP ficam isolados e o acordo em relação a essas matérias cai por terra.

Frustrado o acordo, o Governo, sabe o Observador, está expectante em relação ao que pode agora fazer o PCP, sendo certo que os diplomas vão ser votados um a um no Parlamento. Ou seja, os novos diplomas de combate à expansão do eucalipto não estarão em risco. Quanto ao PCP, os comunistas vão fazer depender a votação de quarta-feira dos resultados alcançados nesta ronda de negociações. Nada é dado como garantido.

Mas, afinal, que medidas podem ser aprovadas?

Novo regime jurídico para a arborização e rearborização

Na prática, os três partidos que compõem a maioria parlamentar de esquerda chegaram a acordo para impedir o aumento da área de eucalipto em Portugal e novas plantações de eucalipto em zonas protegidas e agrícolas. Mas aqui há várias alterações impostas pelo Bloco de Esquerda à proposta inicial do Governo.

À cabeça, qualquer ação florestal com eucalipto vai passar a estar obrigada a autorização prévia do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) e desaparece a figura de deferimento tácito — que permitia, por exemplo, que na ausência de resposta da entidade responsável, os proprietários pudessem avançar.

Outro ponto relevante deste novo regime: as transferências de áreas de eucaliptos de zonas de interior para áreas no litoral — menos propensas a incêndios — vão implicar, na prática, uma redução da área de plantação. No primeiro ano, só será possível transferir 90%, no segundo ano, só será possível transferir 80%, e assim até ao quinto ano, em que se torna permanente a regra da permuta de 1 hectare por meio hectare, a solução encontrada a meio caminho entre socialistas e bloquistas: o Governo queria transferência direta (1 hectare do interior para 1 hectare no litoral) e o Bloco queria zero hectares de eucalipto na transferência.

E como se fiscaliza este processo? Também neste ponto o Bloco de Esquerda conseguiu introduziu uma alteração, definindo uma moratória à plantação de eucalipto em novas áreas, de acordo com a qual os novos povoamentos por permuta de área terão de obedecer às regras do ordenamento florestal e só serão possíveis após transposição dos Planos Regionais de Ordenamento da Floresta (PROF) para os Planos Directores Municipais. Ou seja, as autarquias terão assim um papel determinante nesta fiscalização.

Criação de um banco de terras

Com esta medida, o objetivo do Governo é criar um regime favorável que promova o arrendamento de terrenos rurais abandonados, envolvendo Estado, autarquias e privados que assim o entendam.

Ao contrário do plano inicial, e este foi um cavalo de batalha do Bloco, os pequenos agricultores (que o sejam a tempo inteiro), as associações e as cooperativas vão ter sempre prioridade na atribuição de terras por concurso público.

Novo sistema de informação cadastral simplificada

De forma a resolver um problema que se arrasta há décadas em Portugal — perceber a quem pertencem de facto extensas áreas de terreno florestal — o Governo pretende criar um sistema mais simples de cadastro, envolvendo todas as entidades da Administração Pública e privados.

Nessa medida, o Executivo socialista aprovou um período excecional até final de 2018, durante o qual os proprietários, as autarquias locais e outras entidades públicas vão poder proceder ao cadastro de forma gratuita e sem sanções.

Para o efeito, pode ler-se na proposta de lei do Governo, vai ser “criado o procedimento especial de representação gráfica georreferenciada, o procedimento especial de registo de prédio rústico omisso e o procedimento de identificação, inscrição e registo de prédio sem dono conhecido. Prevê-se, ainda, que a representação gráfica georreferenciada possa ser apresentada para o registo de prédios rústicos já descritos”. A partir desse cruzamento de dados vai sendo desenhado o cadastro.

Nas negociações com o Governo, os bloquistas conseguiram que em caso de conflito nas delimitações dos terrenos por geometria georreferenciada — e até à resolução do litígio –, o registo das propriedades é feito a partir do ponto central georreferenciado do terreno, de modo a que o cadastro não fique bloqueado. Além disso, serão os organismos públicos, e não os proprietários, a fazer essa representação gráfica georreferenciada, sempre que existam registos do prédio.

Novas regras no sistema nacional de defesa contra incêndios

O Governo vai adotar ainda novas regras no sistema de defesa contra incêndios À cabeça, passa a ser obrigatória:

  • a identificação de zonas críticas de incêndio;
  • a remoção total ou parcial de biomassa florestal (que serve muitas vezes de combustível para a propagação do fogo) em zonas consideradas de risco;
  • a interdição de acesso e circulação em zonas onde se verifique um índice muito elevado de risco de incêndio;
  • e o reforço da vigilância e da videovigilância.

Além disso, o Executivo socialista vai ainda criar comissões de defesa da floresta, de âmbito distrital ou municipal, que serão responsáveis pela articulação, planeamento e ação em matéria de defesa da floresta. Serão responsáveis pela coordenação distrital enquanto estrutura de coordenação política em matérias de proteção civil.