Chama-se Ljubomir Stanisic e não António Silva, João Santos ou Manuel Fernandes. Nasceu em Sarajevo e não em Lisboa, Fornos de Algodres ou Jerusalém do Romeu (existe, fica entre Mirandela e Macedo de Caveleiros). Mas quem o ouve a falar, defender e promover Portugal, os seus produtos e receitas percebe rapidamente que o nome e a origem são apenas dois pormenores que tornam a sua história bem mais acidentada e fascinante que a da maioria dos seus colegas de profissão.
Ljubo fugiu da guerra no seu país, andou pela Europa e acabou em Portugal, faz agora 20 anos. E 20 anos é tanto tempo que já nem faz sentido descrevê-lo como “chef jugoslavo”. Assenta-lhe melhor outra nacionalidade, ainda que fictícia: tugoslavo. Ljubo é um tugoslavo de sorriso fácil que gosta tanto de dar berros vernaculares como abraços apertados. Um tugoslavo cujo nome, (lê-se lhubomir stanissitch) será, nesta altura, o mais mediático da gastronomia em Portugal. Um tugoslavo que apesar de ter protagonizado um dos maiores sucessos de audiência da televisão nos últimos tempos — a edição portuguesa de Pesadelo na Cozinha — gosta é de estar e brilhar atrás dos tachos.
E está. E brilha. Tanto assim é que o seu Bistro 100 Maneiras, em Lisboa, acaba de ser considerado o melhor restaurante do mundo pela revista Monocle. O novo 100 Maneiras, no Bairro Alto, em frente ao atual espaço, deverá abrir lá para setembro/outubro. O projeto Terroir, que abraçou no final de 2016 no hotel Six Senses, no Douro, “está incrível, estamos a fazer coisas lindas”, conta orgulhoso. Mas o que interessa para o caso é outra das novidades que guardou para este ano: o Sem Porta, o restaurante do hotel Sublime, às portas da Comporta, passe a aliteração.
Conheci o projeto através do arquiteto Miguel Câncio Martins, que é o meu cliente e amigo. Falou-me nele já há dois ou três anos. No início deste ano fui lá almoçar com o dono, o Gonçalo [Pessoa], que estava interessado em conhecer-me. Almoçámos e eu achei que era um projeto interessante para mim. A comida não estava boa, falei com o Gonçalo, disse-lhe que precisava de ter carta branca para mudar tudo.”
A carta branca foi dada e Ljubomir tomou conta do restaurante. O seu antigo nome, Celeiro, foi o primeiro a cair. Mas não caiu sozinho. “Mudámos tudo, cozinha, tudo. Tudo o que está lá feito agora é nosso”, explica. E o que está feito não é apenas um restaurante amplo, luminoso, todo ele envidraçado. É também uma horta biológica — ou um jardim gastronómico, como lhe chamam –, que criou em parceria com Graça Saraiva, da Ervas Finas, com quem trabalha há mais de uma década. São mais de 300 espécies, de diferentes famílias botânicas, entre frescos e aromáticas, cujo cultivo segue os princípios da permacultura. E foi o próprio Ljubomir que desenhou a horta à mão, num papel.
A meio desse desenho, surgiu-lhe uma ideia. “Queria ter um espaço central, que crescesse do próprio jardim, para guardar legumes, com uma cozinha que fosse completamente influenciada pela horta.” Nasceu assim uma espécie de ringue gastronómico, que serve como segundo restaurante do espaço: o Food Club. O nome não esconde uma influência cinematográfica óbvia: Fight Club, o clássico de David Fincher. Mas a primeira regra do Food Club não impede ninguém de falar sobre o assunto. Além disso, aqui a batalha é gastronómica: Ljubomir e os chefs por si convidados usam facas e fogo para criar menus de degustação para 12 pessoas de cada vez (125€/pessoa com harmonização de vinhos).
O primeiro a subir a esse palco inédito foi Manuel Maldonado. O mesmo chef que, a partir de setembro, tomará conta da cozinha do Sem Porta. Até ao fim do verão, vão passar pelo Food Club Rodrigo Castelo, do Taberna Ó Balcão (de 31 de julho a 4 de agosto) e João Rodrigues, do Feitoria (de 11 a 14 de setembro). Depois, outros virão.
No meio de tudo isto, convém não esquecer que há ainda um restaurante a ter em conta. O tal Sem Porta, num edifício todo ele envidraçado, cheio de luz, com vista para o dito jardim gastronómico. A carta é simples, para já, porque o trabalho que Ljubomir está a desenvolver ainda está no início.
Para já, o foco está nos produtos do Alentejo casados com o que vem da horta vizinha, tal como acontece, aliás, nos cocktails servidos no bar: há inúmeras entradas vegetarianas, casos da salada de beterraba com citrinos, wasabi, pinhões e vinagre balsâmico (13€), da sopa fria de morangos, gelado de queijo e poejo (14€) ou da couve-flor assada, leite de coco e kimchi (16€). Mas também há polvo daquela costa alentejana, bem picante, servido com pak-choi, migas de pão à lagareiro, hortelã da ribeira e caldo à Bulhão Pato (24€). E há arroz de peixe e marisco (60€ para 2 pessoas), uma receita que é quase património daquela zona.
Nas carnes, destaque, claro, para o porco alentejano, cuja bochecha é servida com com puré de aipo, espargos e caldo de vinho tinto (21€), para o lombo de vitela, com puré de ervilhas, cogumelos desidratados e pó de ervas (29€) e a carne maturada, tanto em naco da vazia (36€) como em tataki com ovo e molho bearnês (31€).
Na cozinha, para já, está um chefe que, tal como Ljubomir, combina duas nacionalidades: Salar Kayhan nasceu no Irão mas foi na Dinamarca que cresceu e se fez chef, com passagens, entretanto, por restaurantes franceses, dinamarqueses, britânicos e australianos, vários com estrela Michelin. “O Salar esteve comigo no Bistro, foi para a Comporta abrir o restaurante mas depois há-de voltar para Lisboa”, adianta Ljubomir. O seu lugar será então tomado por Manuel Maldonado, um dos mais promissores chefs portugueses da atualidade, que depois de se ter dado a conhecer no projeto Ostraria, participou em diversas iniciativas no âmbito do Sangue na Guelra.
Caberá a Maldonado coordenar a evolução deste Sem Porta, um projeto que, afirma Ljubomir, “é para funcionar o ano inteiro”. Ideias e planos não lhe faltam. “Vamos plantar outra horta com mais variedade de ervas e a fazer uma jangada no lago para servir lá refeições. Queremos desenvolver isto muito mais daqui para a frente: estamos a testar fermentações, enterrar frascos na areia.” E continua, com referências à zona: “Por exemplo, gostava de fazer saquê com o arroz da Comporta e de fazer conservas como os romanos faziam em Tróia.” Ou seja, habemus projectum.
Nome: Sem Porta
Morada: Sublime Comporta, EN 261-1, Muda (Grândola)
Telefone: 269 449 376 / 269 449 396
Horário: Todos os dias, das 13h00 às 15h30 e das 20h00 às 22h
Preço Médio: 50€
Reservas: Aceitam
Site: www.sublimecomporta.pt/restaurant-bar