Numa exposição que enviou à Procuradora-geral da República e ao Tribunal da Relação de Lisboa, o advogado de dois arguidos do processo dos Comandos considera que a procuradora que conduziu a investigação “não está mentalmente sã”. Cândida Vilar deve ser observada, “com urgência, por uma junta médica de psiquiatras e psicólogos”, defende Alexandre Lafayette, num extenso e polémico documento que a Ordem dos Advogados vai ser chamada a analisar. Advogado arrisca um processo disciplinar.

O advogado acusa a procuradora de ser “incompetente”, de “abusar da sua posição” e de violar a lei. Também deixa subentendida a ideia de que Cândida Vilar nutre simpatia por organizações terroristas. As considerações do advogado constam do processo do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, em que se investigaram as circunstâncias que resultaram na morte de dois instruendos do 127º curso dos Comandos e que culminou com a acusação de 19 militares pela prática de quase 500 crimes durante os primeiros dias da Prova Zero.

Comandos. 19 militares acusados de 489 crimes

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Em causa está a forma como o Ministério Público procurou notificar o tenente-coronel Mário Maia – um dos arguidos representados por Lafayette – dos 26 crimes de que é acusado, enquanto diretor da Prova Zero. Uma vez que o militar estava destacado em Angola (numa ação de formação das Forças Armadas do país) quando o despacho de acusação foi concluído, a procuradora terá dado indicações a dois elementos da Polícia Judiciária Militar – que realizou a investigação – para se deslocarem a casa do tenente-coronel e aí fazerem a notificação.

A filha menor de Mário Maia terá sido a primeira pessoa a dar-se conta da presença dos militares à porta de casa do militar destacado. O “lamentável” episódio, classifica o advogado, terá deixado a família de Mário Maia “em pânico”.

E também “demonstra à saciedade que a agente do Ministério Público, senhora Cândida Vilar, carece ser observada, com urgência, por uma junta medica constituída por médicos psiquiatras e psicólogos, já que há indícios muito fortes de que não está mentalmente sã”, considera o advogado de dois arguidos do processo dos Comandos.

O documento, que consta do processo dos Comandos, foi também enviado à Procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, e ao Tribunal da Relação de Lisboa, onde já está em curso um processo disciplinar contra a mesma procuradora, instaurado na sequência de um pedido de recusa apresentado pelo advogado.

Procuradora simpatizante de terroristas

A longa lista de argumentos de Lafayette não fica por aqui. Partindo da ideia de que a procuradora se move por um “ódio patológico” contra os Comandos – a expressão já tinha sido usada por Cândida Vilar para fundamentar as detenções de sete militares –, o advogado considera que “é perigoso” para a Justiça que a magistrada continue em funções.

Até porque, defende, Cândida Vilar já deveria ter sido afastada há meses. Era esse, aliás, o objetivo do antigo advogado da Polícia Judiciária — e militar com curso de comando — quando, no início de junho, avançou com um pedido de recusa da procuradora, que acabou por motivar a instauração de um processo disciplinar pela detenção dos tais sete militares, em novembro do ano passado. O afastamento de Vilar, considera o advogado, foi “criminosamente recusado pela sua superior hierárquica”, Lucília Gago, diretora do DIAP de Lisboa.

Comandos. Procuradora recebeu louvor pelas detenções

Num documento que o Observador consultou, Lafayette acusa ainda a procuradora de ter cometido “graves violações dos direitos humanos” ao longo da carreira, sendo conivente, por exemplo, com situações de “arguidos agredidos” (ainda que não se conheça um processo disciplinar com tais conclusões) e de casos de “contaminação de terrenos com grave violação das leis ambientais”. Na mesma linha, “abusando da sua posição e extravasando o princípio da legalidade e da objetividade”, a procuradora “persegue”, agora, a família do tenente-coronel Mário Maia.

Mas Lafayette vai muito mais longe. Sem concretizar a ideia com todas as letras, o advogado deixa uma interrogação no ar:

Porque não transferi-la para o Afeganistão para combater o ‘crime especialmente violento’? Não correríamos o risco de a ‘ver passar’ para o ‘outro lado da barricada’ porque tem ‘ódio patológico’ aos Comandos?”

Considerando Cândida Vilar “irremediavelmente incompetente”, o advogado sublinha a ideia de que o “mundo está perigoso”. E insiste: “Mais perigoso ficará se ‘derem asas’ a pessoas que, confesso, não me inspiram qualquer confiança no capítulo da sua sanidade mental.”

Advogado arrisca processo disciplinar da Ordem

A procuradora mantém-se em silêncio. Contactada pelo Observador para analisar a posição do advogado, que chegou ao DIAP já no início de julho, Cândida Vilar recusa-se a tecer “qualquer comentário”. Mas o Observador sabe que o conselho de deontologia da Ordem dos Advogados (OA) vai ser chamado a analisar o caso.

O Ministério Público extraiu uma certidão da exposição de Lafayette, que seguiu para a OA. Os processos disciplinares são, em regra, demorados, mas uma consulta ao Estatuto da Ordem dos Advogados permite desde já antecipar eventuais sanções a aplicar ao advogado, caso se venha a considerar que os comentários sobre a procuradora devem ser alvo de punição.

Se assim for, a menor das consequências será uma advertência por parte da Ordem. Uma medida aplicada “quando o arguido tenha violado de forma leve os deveres profissionais no exercício da advocacia e tem por finalidade evitar a repetição da conduta lesiva”. E, no limite, poderia estar em causa a expulsão — como aconteceu, por exemplo, com Vale e Azevedo, em 2013. “A sanção de expulsão consiste no afastamento total do exercício da advocacia, sem prejuízo de reabilitação e é aplicável a infrações disciplinares muito graves, que ponham em causa a integridade física, a vida, ou lesem de forma muito grave a honra ou o património alheio ou valores equivalentes”, estabelece o estatuto.

Entre os dois extremos está prevista a aplicação censuras, de multas ou mesmo a suspensão até 10 anos (aplicável nos mesmos casos da expulsão mas com a diferença de ter um limite temporal máximo para o regresso à atividade).