A semana tinha começado negra para o PCP, com uma derrota autárquica pesada (menos dez câmaras) e a perda de alguns bastiões comunistas para o PS, como Almada e o Barreiro. Na terça-feira, depois da reunião do Comité Central, o secretário-geral do partido tinha vindo falar na necessidade de “intensificar a luta”, isto em plena negociação do Orçamento do Estado para o próximo ano. O PCP reagia depois do chumbo no primeiro teste eleitoral pós-geringonça. Foi neste contexto que António Costa resolveu chamar Jerónimo de Sousa para uma reunião, onde se falou sobretudo de Orçamento.

O encontro aconteceu na passada quinta-feira, segundo apurou o Observador junto de várias fontes, depois de um dia dedicado às comemorações do 5 de outubro. De manhã, António Costa participou na cerimónia na Praça do Município e à tarde esteve na abertura de uma exposição de arte em São Bento. Já Jerónimo de Sousa passou o dia em Matosinhos, onde fez um comício em que justificou o resultado das autárquicas com um “quadro de hostilização que acompanhou a intervenção do PCP e da CDU ao longo dos últimos meses”. E atacou o PS por “desenvolver uma ação a partir dos seus candidatos e alguns dirigentes partidários, particularmente concentrada em municípios de maioria da CDU, de ataque à gestão da CDU baseada em argumentos falsos e muitas vezes ofensivos”.

No fim do dia, já regressado a Lisboa, encontrou-se com o primeiro-ministro e também líder do partido que acusou publicamente de tudo isto. Mas, com o qual, ao mesmo tempo, está a negociar bilateralmente o próximo Orçamento do Estado que foi, aliás, o tema central da reunião informal, segundo apurou o Observador.

O gabinete do primeiro-ministro não comenta a existência do encontro, sublinhando apenas que o primeiro-ministro tem agenda que não é pública diariamente. No ano passado, também em época de Orçamento do Estado, o chefe do Executivo recebeu em São Bento os líderes das forças que apoiam o seu Governo no Parlamento, em encontros que também não constavam da sua agenda pública. Mas desta vez, pelo menos até agora, a líder do Bloco de Esquerda Catarina Martins não teve uma reunião deste género com António Costa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

PCP. Jerónimo de Sousa promete mais luta nas ruas

Os comunistas saíram acossados das últimas autárquicas, com uma derrota que ganhou contornos históricos quando se confirmou a perda de Almada, por exemplo. Dois dias depois, na análise provisória dos resultados, Jerónimo de Sousa disse frases que provocaram alguns abalos na estrutura da “geringonça”, como por exemplo que o PCP “não está amarrado a nenhum acordo” e que “o que determinará o futuro do Governo do PS está nas mãos do próprio PS”.

Logo na noite eleitoral, Jerónimo de Sousa disse que o resultado “não reduz a influência real do PCP e do PEV, o reconhecimento que milhares e milhares fazem do seu papel decisivo na nova fase da vida política”, mas admitiu que “constitui um fator negativo para dar força a esse caminho”. No Largo do Rato, na mesma noite, António Costa tentava travar danos e dizia que o resultado eleitoral “reforça o PS, mas reforça e dá força à mudança que, no quadro da maioria parlamentar, se iniciou há dois anos e permitiu mudança política com mudança de resultados”.

O que é certo é que os socialistas acusaram o toque, ainda assim, no círculo mais próximo de António Costa a convicção manifestada foi sempre no sentido de confiança na lealdade do PCP à posição conjunta que assinou com o PS há dois anos. Por isso, em todas as declarações que fizeram sobre as autárquicas, os socialistas foram sempre sublinhando que a “solução governativa está sólida e não sai beliscada destas autárquicas”.

PS tenta resumir impacto das autárquicas ao PSD. “Solução governativa não sai beliscada”

A única leitura nacional que o PS consentiu foi sobre a sua própria vitória, “que dá força à mudança que há dois anos se iniciou no país”, de acordo com a secretária-geral adjunta Ana Catarina Mendes, e a “derrota estrondosa do PSD”. A definição de uma barreira de segurança à volta do descalabro eleitoral comunista, para evitar nervosismos que ponham em causa a solução governativa.