“Portugal aguarda”. Aguarda o apuramento de responsabilidades pelos incêndios de Pedrógão Grande e aguarda as prometidas consequências que o Governo irá retirar daí. Depois de ter dito, logo em junho, que era preciso “apurar tudo, mas mesmo tudo” sobre o que tinha acontecido em Pedrógão, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa veio agora dizer que “já perdemos todos tempo demais” e exigiu ao primeiro-ministro António Costa que retire consequências dos diversos relatórios que têm sido produzidos, para, mais à frente, defender uma avaliação rápida das indemnizações devidas às vítimas, nomeadamente pela “perda de tantas vidas”.
“Perante o anúncio feito pelo senhor primeiro-ministro relativamente a uma reflexão ponderada e exaustiva, nomeadamente, baseada no teor do relatório, Portugal aguarda, com legítima expectativa, as consequências que o Governo irá retirar de uma tragédia sem precedente na nossa história democrática”. As palavras do chefe de Estado foram proferidas durante um encontro organizado pela Associação de Apoio às Vítimas, em Pedrógão Grande.
Marcelo deixou ainda uma “palavra de convite” a que seja feita uma “rigorosa avaliação dos contornos jurídicos do sucedido”, à luz do que diz o relatório da comissão independente, nomeadamente enquadrando as “atuações e omissões no conceito de culpa funcional ou funcionamento anómalo ainda que não personalizado”. E assim tocou num segundo ponto: o das indemnizações às vítimas.
Uma palavra de convite, desde já, a rigorosa avaliação dos contornos jurídicos do sucedido, também à luz do conteúdo do relatório, quanto ao enquadramento de atuações e omissões no conceito de culpa funcional ou funcionamento anómalo ainda que não personalizado. Como sabemos, pressuposto de efetivação de responsabilidade civil da Administração Pública. Portugal tem o dever de proceder a tal avaliação e de forma rápida, atendendo à dimensão excecional dos danos pessoais, a começar no maior e mais pungente deles que é a perda de tantas vidas.”
Aqui o chefe de Estado fazia uma alusão à matéria de indemnizações. Refira-se que o Parlamento aprovou, esta sexta-feira, com abstenção do PSD e do CDS-PP, uma lei sobre os apoios às vítimas dos incêndios de Pedrógão Grande. O PSD, no Parlamento, acusou o PCP de boicotar uma lei que permitiria uma indemnização sem decisão judicial e mais rápida, quando se provasse existir responsabilidade do Estado. Ao que o deputado comunista, João Oliveira, respondeu dizendo que “está previsto um mecanismo de indemnização na medida em que a responsabilidade seja identificada”, ou seja, quando se concluir haver responsabilidade do Estado.
Depois da palavra de convite, Marcelo destacou ainda a “coragem” de “aproveitarmos por uma vez uma tragédia coletiva para mudarmos de vida”, “não minimizando ou banalizando a realidade, não tentando fazer de conta que ela não foi o que foi”. “Antes mobilizando tudo e todos, mas mesmo todos, para não só tornarmos irrepetível a dor sofrida ou prestarmos tributo aos que choramos como mostrando que é nestas horas decisivas que se revela a força da nossa democracia e da sua visão de futuro”, disse Marcelo Rebelo de Sousa, debaixo de aplausos.
O Presidente da República rematou: “não há tempo a perder”. “Ou melhor, já perdemos todos tempo demais.”
Relatório. Todas as falhas que contribuíram para a morte de 64 pessoas
“Falhou toda uma estrutura e resposta naquele dia e naquele pedaço de Portugal”
A presidente da Associação de Apoio às Vítimas de Pedrógão Grande, Nádia Piazza, também disse este sábado que falhou toda a estrutura e a resposta no incêndio de 17 de junho que vitimou 64 pessoas.
“O que se viveu em Pedrógão Grande no dia 17 de junho de 2017 foi algo inominável, irrepetível na sua brutalidade. Falhou toda uma estrutura e resposta naquele dia e naquele pedaço de Portugal”, afirmou a presidente da Associação de Apoio às Vítimas de Pedrógão Grande (AAVPG), Nádia Piazza.
Esta responsável, falava hoje no primeiro Encontro para a Autoproteção e Resiliência das Populações Locais, que decorre na Casa de Cultura de Pedrógão Grande, no distrito de Leiria, organizado pela AAVPG em parceria com a Associação de Proteção e Socorro e que conta com o alto patrocínio do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa e da Fundação Calouste Gulbenkian.
“Falhou um estado de coisas e o estado da coisa. Falharam homens e mulheres à frente e atrás das suas responsabilidades. Veio a nu, de forma crua e dura, a inoperância e a incompetência das entidades no auxílio daqueles que desesperaram por proteção e socorro”, disse.
Alerta precoce podia ter evitado a maioria das mortes, diz relatório
O Presidente da República tinha dito na sexta-feira que já tinha lido o relatório da Comissão Técnica Independente sobre o incêndio de Pedrogão Grande, mas que só falaria dele este sábado, durante a cerimónia oficial de abertura do 1.º Encontro para a Autoproteção e Resiliência das Populações Locais, organizado pela Associação de Apoio às Vítimas de Pedrógão Grande, em parceria com a Associação de Proteção e Socorro.
A Comissão Técnica Independente nomeada para analisar os incêndios rurais de junho na região Centro, em particular o fogo que deflagrou em Pedrógão Grande no dia 17, entregou na quinta-feira no parlamento o seu relatório final.
O documento, que analisa incêndios em 11 concelhos dos distritos de Leiria, Coimbra e Castelo Branco ocorridos entre 17 e 24 de junho, refere que, apesar de o fogo de Pedrógão ter tido origem em descargas elétricas na rede de distribuição, um alerta precoce poderia ter evitado a maioria das 64 mortes registadas.
Além disso, acrescenta, “não foram mobilizados totalmente os meios disponíveis” no combate inicial e houve falhas no comando dos bombeiros. A GNR fica, por outro lado, ilibada de direcionar carros para a Estrada Nacional 236, onde morreram cerca de metade das vítimas.
O documento aponta falta de conhecimento técnico no sistema de defesa florestal e falta de preparação dos atuais sistemas de combate às chamas para as alterações climáticas, confirmando, por outro lado, falhas de comunicação do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP).
O primeiro-ministro, António Costa, afirmou, na sequência da divulgação do relatório, que o Governo assumirá todas as responsabilidades políticas, se for caso disso.