O Conselho Superior da Magistratura (CSM) já reagiu ao polémico acórdão do Tribunal da Relação do Porto que recusou agravar uma pena usando o que diz a Bíblia sobre adultério — e diz que não pode interferir. O CSM admite que as proclamações feitas são “arcaicas, inadequadas ou infelizes”, mas recorda que mesmo assim, nem todas “assumem relevância disciplinar”. “Nem todas as proclamações arcaicas, inadequadas ou infelizes constantes de sentenças assumem relevância disciplinar, cabendo ao Conselho Plenário pronunciar-se sobre tal matéria”, lê-se na nota enviada à comunicação social.

O órgão que representa os juízes esclarece que “não intervém nem pode intervir em questões jurisdicionais. Na verdade, os tribunais são independentes e os juízes nas suas decisões apenas devem obediência à Constituição e à lei, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores”.

Ainda assim, o comunicado acrescenta que o Conselho Superior da Magistratura tem desenvolvido “várias ações sobre questões que preocupam a sociedade no seu conjunto, mantendo, nomeadamente, uma estreita cooperação com a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género no apoio à aplicação do V Plano Nacional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e de Género”.

Em causa está o acórdão do Tribunal da Relação do Porto redigido pelo juiz desembargador Neto de Moura, e assinado também por Maria Luísa Arantes, que justifica a manutenção da pena suspensa para um homem que agrediu violentamente a mulher com uma moca com pregos. Para explicar que “o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem”, os magistrados argumentam que há sociedades “em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte”; que “na Bíblia podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”; e ainda que o Código Penal de 1886 “punia com uma pena pouco mais do que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse ato a matasse”.

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A mulher, de Felgueiras, foi agredida em 2015, e a agressão não foi só protagonizada pelo então marido, mas também pelo ex-amante. O acórdão pode ser lido na íntegra aqui.

Associações de mulheres apresentam queixa contra juiz que justificou agressão com adultério

Segundo o Conselho dos juízes, nos termos da lei os juízes dos tribunais superiores não estão sujeitos a inspeções “ordinárias”, estando apenas sujeitos a considerações quando se trata de promoção à Relação e acesso ao Supremo. “Nos termos legais, os juízes em funções nos tribunais superiores não se encontram sujeitos a inspeções classificativas ordinárias embora a promoção à Relação e o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça tenha em consideração todos os elementos relevantes que se encontrem disponíveis no Conselho Superior da Magistratura”, lê-se.

[Artigo atualizado no dia 7 de março, com uma correção sobre a decisão do juiz Neto de Moura no acórdão pelo qual recebeu uma advertência do CSM: o magistrado não atenuou a pena do arguido, como erradamente era dito — recusou agravá-la, como pedia o Ministério Público. Por esse erro, as nossas desculpas.]