Quando chegou à Academia, Rui Patrício tinha apenas 13 anos e poucos interesses a não ser jogar futebol, estar com os amigos também eles jogadores e matar saudades da família que estava longe. Não foram tempos fáceis para um miúdo muito agarrado aos pais e a Marrazes, onde tinha toda a sua vida. No entanto, arriscou. Quando era ainda avançado e lhe disseram que devia ir à baliza, tomaram essa decisão por si e chegou até a amuar; naquela altura, tinha um emissário do Benfica à porta da sede do Sport Clube Leiria e Marrazes mas foi ele que tomou a decisão de ir para o Sporting, mesmo tendo a família quase toda afeta aos encarnados à espera que pudesse mudar de opinião. Hoje, com 30 anos, é pai, diversificou os seus gostos (entre os quais se incluem não só o cinema mas também o ioga e os barcos, tendo já sido desafiado por Coentrão para se aventurar num dia de pesca), sagrou-se campeão europeu de Seleções e entrou na história do Sporting como um dos maiores símbolos vivos. Ainda assim, pode sair a mal.

Os filhos, o ioga e os barcos: as paixões de Rui Patrício (além de defender penáltis)

Não é a primeira vez que isto acontece com um capitão do Sporting e basta recordar alguns casos como Manuel Fernandes, Iordanov (que demorou quase uma década para ter a sua festa de homenagem que foi decretada pelo Supremo Tribunal), Pedro Barbosa, Beto, Sá Pinto ou João Moutinho para encontrar uma linha de saídas a mal de jogadores que envergaram a braçadeira de capitão e que acabaram por deixar Alvalade pela porta pequena, sem o adeus com a dimensão que o currículo de verde e branco merecia. No caso de Rui Patrício, e a partir de determinado momento, esse cenário tornou-se quase inevitável com a diferença de poder ainda ser vendido e não seguir uma linha de rescisão unilateral de contrato, medida que estava decidido a tomar perante tudo o que viveu nas duas últimas temporadas, depois de ter prolongado (mais uma vez) o vínculo com os leões até 2022, e sobretudo desde a semana passada, em virtude da invasão da garagem de Alvalade e das agressões na Academia.

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Quando chegou ao clube verde e branco, Patrício custou a módica quantia de 1.500 euros. Logo na primeira época, sagrou-se campeão nacional de iniciados numa equipa onde o companheiro de posição Marco Pinto (um miúdo que tinha vindo do Camarate, que acabou a formação do Belenenses e que na temporada que agora chegou ao fim foi cedido por empréstimo do Desp. Aves ao Canelas) até fez mais jogos oficiais. Daniel Carriço, Tiago Pinto, João Gonçalves ou Fábio Paim também estavam nesse grupo treinado por Luís Gonçalves e que teve ainda a chamada de um miúdo um ano mais novo para realizar uma partida oficial: Adrien, o outro símbolo além de Patrício e Carriço da primeira fornada made in Academia que o Sporting teve, em 2002/03. E que, também a nível de resultados, deu nas vistas: em 44 jogos das três fases da competição, o Sporting ganhou 41 e empatou três.

A história de Rui Patrício. Ser guarda-redes porque outro amuou

As épocas passavam, os títulos iam aumentando. Nesse ano de estreia, ainda ganhou também o Campeonato Regional de Juvenis, título que repetiu na temporada seguinte nesse escalão, não só no Regional mas também no Nacional. Em 2004/05, foi de novo campeão nacional de juvenis; em 2005/06 sagrou-se campeão nacional de juniores: apesar de ser ainda um jogador de primeiro ano, mereceu a aposta forte de Paulo Bento (que subiria depois ao comando dos seniores) desde o início num conjunto que tinha também Carriço, Tiago Pinto, André Marques, Pereirinha, Diogo Tavares, Paim ou David Caiado. Também esse ano ficou para a história na Academia, porque foi o único até ao momento em que os leões ganharam os Nacionais de juniores, juvenis e iniciados. Mais um episódio para a história verde e branca, mais um capítulo que contou com a presença do guarda-redes.

Em 2006, um bocado de nada, faz a estreia pelos seniores num jogo na Madeira, frente ao Marítimo. Ricardo e Tiago estavam indisponíveis e o Marrazes, como alguns ainda hoje o tratam, assumiu a titularidade e segurou um triunfo pela margem mínima (1-0) defendendo uma grande penalidade na segunda parte. Essa foi a única temporada em que não ganhou qualquer troféu na formação, mas o seu “título” ficou garantido a 19 de novembro.

Com a saída de Ricardo para o Betis, o Sporting apostou em Stojkovic, irmão do antigo guarda-redes do Leça Vladan, mas os problemas disciplinares do sérvio com a equipa técnica (com uma lesão complicada à mistura) acabou por precipitar o lançamento do jovem como número 1. Não foi fácil, tudo menos isso, com vários erros comprometedores a lançaram dúvidas sobre a capacidade do miúdo em assumir-se como uma referência na baliza leonina. Paulo Bento, um dos treinadores mais marcantes que teve na carreira (que curiosamente promover também a sua estreia na Seleção, contra a Espanha, em novembro de 2010), nunca o deixou cair e os resultados não demoraram a surgir: Patrício foi preponderante nas sucessivas qualificações para a Champions, tendo ganho ainda uma Taça de Portugal e uma Supertaça ao FC Porto em 2008 com grandes exibições e mais um penálti defendido.

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O Sporting passou depois um período de grande instabilidade, com sucessivos resultados negativos não só na parte desportiva mas também na financeira. Por várias vezes, no Verão, viu o seu nome ligado a clubes europeus, mas foi sempre ficando e, de quando em vez, prolongando contrato. Entrou no lote de capitães em 2012/13 e passou a ser o número 1 da hierarquia no início de 2014, com a saída de Rinaudo de Alvalade. Ganharia ainda mais uma Taça de Portugal e uma Supertaça, em 2015, antes de assegurar aquele que foi o grande título na carreira: o Campeonato da Europa de Seleções, em 2016 (ano em que foi considerado o 12.º melhor jogador do mundo). E foi batendo recordes atrás de recordes em termos internos. Tantos que, caso fizesse mais uma temporada como as anteriores, bateria os poucos registos que ainda não lhe pertenciam por pleno direito, de Hilário (jogadores com mais encontros oficiais) e Vítor Damas (atleta com mais jogos no Campeonato). Pelo meio, teve quase uma dezena de companheiros que iam fazendo a sua “sombra” na baliza.

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Agora está prestes a chegar ao fim um trajeto de 16 anos, mais de metade dos anos que tem de vida. E chegou ao fim com uma imagem forte do choro convulsivo de quem não aguentou as emoções depois de semanas complicadas com críticas internas à tomada de posição da maioria dos jogadores contra as palavras do presidente após a derrota em Madrid, ameaças a si e à família, as tochas no dérbi com o Benfica, as esperas na garagem após a derrota na Madeira e a recente invasão aos balneários da Academia, com insultos e agressões a jogadores, equipa técnica e staff. Rui Patrício sempre teve a ambição de poder experimentar uma outra Liga europeia numa equipa com ambições, mas também não ficaria contrariado se fosse sentindo aquilo que deixou de sentir nos últimos tempos: que era um elemento imprescindível e que teria de fechar a sua história em Alvalade batendo todos os recordes do clube.

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Qualquer que seja o seu sucessor, terá nas mãos logo à partida a responsabilidade de prolongar um recorde sem sofrer golos nas competições nacionais em casa. Um recorde que é apenas mais um dos legados que o número 1 vai deixar no Sporting (além de, no plano coletivo, ter ganho ainda uma Taça da Liga, perdendo no último jogo a final da Taça de Portugal). Esta terça-feira, o guarda-redes foi “detetado” no aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa. Aproveitando o curto período de férias antes de se juntar aos restantes convocados por Fernando Santos para o Mundial da Rússia, surgiu sozinho e com apenas uma mochila. Se dúvidas ainda existissem, aquela era a imagem do adeus ao dono do número 1 em Alvalade durante mais de uma década, algo que já tinha sido deixado também no ar por Bruno de Carvalho (mesmo sem falar em nomes) na reunião dos órgãos sociais da véspera.

Se passarmos por um qualquer dicionário, Patrício está associado a “aristocrático”, “nobre”, “que ou quem é da mesma povoação ou da mesma região”. Rui foi o Patrício do Sporting, mas não evitou uma saída a mal como tantos outros capitães leoninos nos últimos 30 anos. Tantos quantos o jogador tem agora. Vem aí a Liga italiana, um viveiro de bons guarda-redes. Segue-se o Nápoles, um clube também ele com exigência elevada da massa associativa, com a RAI a adiantar que o internacional português já  se encontrava a realizar exames médicos no clube para suceder a Pepe Reina, guardião espanhol que ocupou a vaga nos últimos dois anos, embora o Record avançasse que o número 1 viajou esta manhã para a Alemanha (Frankfurt) e não para Itália (Roma). Já o guarda-redes, que de facto foi para terras germânicas, colocou uma imagem no Instagram onde se encontra num retiro espiritual.

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Segundo explicaram ao Observador, o internacional português não esteve de facto a fazer exames no Nápoles, mas o clube transalpino, que terminou a Serie A no segundo lugar, é o mais do que provável destino do número 1 leonino.

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