O escritor norte-americano Philip Roth morreu de insuficiência cardíaca esta terça-feira, aos 85 anos, confirmou o seu agente literário, Andrew Wilie, à agência Associated Press. O seu desaparecimento encerra assim uma carreira na literatura norte-americana, mas é também um marco numa geração que assistiu e desconstruiu o mundo na segunda metade do século XX. Apontado sempre como um candidato ao Nobel, que nunca recebeu, está entre os autores com mais distinções literárias.
Natural de Newark, Nova Jérsia, o premiado romancista, habitualmente mencionado entre os favoritos ao Nobel da Literatura, era considerado um dos maiores escritores norte-americanos da segunda metade do século XX. Autor de cerca de três dezenas de livros, parou de escrever em 2010. Porém, só anunciou essa decisão em 2012, aos 78 anos.
Entre várias distinções, Philip Roth foi premiado com dois National Book Awards, dois National Book Critics Circle e, em 1998, com o Pulitzer a partir da ficção “American Pastoral” (“Pastoral Americana). Roth foi ainda galardoado com o Prémio Internacional Man Booker em 2011 e, um ano depois, venceu o Prémio Príncipe das Astúrias de Literatura.
O livro “O Complexo de Portnoy” teve grande impacto junto do grande público em 1969, devido às cruas descrições sexuais e à maneira de abordar a vivência judaica em Newark, cidade do estado de Nova Jérsia onde Philip Roth nasceu e cresceu. Antes de o livro ser publicado, avisou os pais de que este poderia causar alguma comoção — e teve razão. Além de ter sido censurado na Austrália, o livro foi condenado por sumidades judaicas nos EUA. Uma das críticas que recebeu após o lançamento de “O Complexo de Portnoy” referia que aquele era o livro “pelo qual todos os antissemitas estavam a rezar”. As referências autobiográficas patentes no livro são incontornáveis, colocando então a dúvida de até onde ia a personagem principal, Alexander Portnoy, e o seu autor.
Feministas, judeus e uma das ex-mulheres atacaram-no em público, por vezes pessoalmente. As mulheres, nos seus romances, eram amiúde pouco mais do que objetos de desejo e raiva, tendo mesmo sido acusado de misoginia. Em “O Teatro de Sabbath”, o escritor imaginou a inscrição na sua lápide: “Sodomista, Abusador de Mulheres, Destruidor de Caracteres”.
Depois de escrever vários livros com detalhes autobiográficos, impressos nas personagens alter-ego Nathan Zuckerman e David Kepesh, ou até tendo como principal protagonista personagens com o nome Philip e que moram na mesma Summit Avenue de Newark em que o autor viveu durante a infância com os pais, a carreira de Philip Roth conheceu uma nova fase a partir da segunda metade da década de 1990. Nessa altura, a mais profícua e também mais reconhecida da sua carreira, destacou-se na escrita de romances que fizeram uma análise arguta dos anos do pós-guerra.
Foi assim com “Pastoral Americana” (1997), vencedor do prémio Pulitzer para ficção, onde conta a história de uma família perfeita caída em desgraça quando a filha mata uma pessoa num atentado à bomba numa pacata vila; ou em “A Mancha Humana” (2000), que retrata a suspensão de um professor universitário que usa um termo racista para descrever dois alunos negros, ao mesmo tempo que decorrem as audições parlamentares para o impeachment do então Presidente dos EUA, Bill Clinton, após o rebentar do escândalo sexual com Monica Lewinsky.
Pouco depois de ter escrito “A Mancha Humana”, Philip Roth voltou a escrever ficção tendo como ponto de partida acontecimentos reais, em “A Conspiração Contra a América” (2004). A obra situa-se em 1940, altura em que os EUA, sob a liderança de Franklin D. Roosevelt, hesitavam em entrar na Segunda Guerra Mundial. Neste livro, Philip Roth levou para a ficção a ascensão política de um conhecido aviador norte-americano conhecido pela sua afinidade à Alemanha nazi, Charles Lindbergh, que derrota Franklin D. Roosevelt numas eleições presidenciais. Também aqui os detalhes autobiográficos são evidentes: a personagem principal chama-se Philip e vive em Summit Avenue, em Newark, num bairro maioritariamente judaico; à semelhança dos pais do autor, a mãe é dona de casa e o pai é mediador de seguros; tal como no caso de Philip Roth, Philip tem um irmão mais velho chamado Sandy que desde jovem se dedica à pintura.
Publicado durante o primeiro mandato de George W. Bush, o livro foi então visto como um comentário à liderança política do então Presidente dos EUA. Porém, desde a ascensão ao poder de Donald Trump, as comparações entre a realidade dos EUA e o cenário imaginado por Philip Roth em “A Conspiração Contra a América” voltaram — e em força. Naquela que foi uma das suas últimas entrevistas, em fevereiro de 2018 ao The New York Times, o escritor de 85 anos disse que “por mais presciente que ‘A Conspiração Contra a América’ possa parecer, certamente há uma diferença enorme entre as circunstâncias políticas que invento para os EUA em 1940 e a calamidade política que nos assola hoje em dia”. E continua, referindo que a diferença reside na “diferença de estatuto entre o Presidente Lindergh e o Presidente Trump”. Tudo isto porque o primeiro foi um “autêntico herói americano” pelos seus feitos históricos enquanto aviador, ao passo que o segundo “por comparação, é uma fraude massiva, a soma perversa de todas as suas falhas, desprovido de tudo que não a vácua ideologia de um megalómano”.
Na entrevista ao The New York Times, resumiu a sua carreira enquanto escritor com a mesma dualidade patente nalgumas das suas personagens, presas no constante vai-vem entre os melhores e os piores sentimentos, da euforia à depressão: “Excitação e lamento. Frustração e liberdade. Inspiração e incerteza. Abundância e vazio. Caminhada esplendorosa ou lento arrastar. O reportório quotidiano das dualidades oscilantes que qualquer talento comporta — e uma solidão tremenda, também. E o silêncio: 50 anos num quarto tão silencioso como o fundo de uma piscina, batalhando, quando corria bem, pela quota diária de prosa utilizável”.