O Programa Operacional para o Capital Humano — uma estrutura de missão financiada por dinheiro público e fundos europeus com o objetivo de promover a qualificação da população — vai pagar 11.800 euros para que 20 funcionários participem numa formação de um dia da Rock in Rio Academy 2018 e recebam um bilhete para um dos dias do festival. Cada pacote (formação e bilhete) vai custar 590 euros por pessoa, pagos por dinheiro público e comunitário. Os três membros do Conselho Diretivo, que aprovaram esta formação em maio, vão usufruir deste pacote, que será ainda atribuído a 11 chefias e seis técnicos.
A direção do POCH, questionada pelo Observador, confirmou a “presença de alguns membros Comissão Executiva e outros quadros que constituem o corpo de funcionários” nesta formação, marcada para o dia 27 de junho. Sobre o que justifica esta escolha e como se enquadra na missão do programa, o POCH explica que na “Rock in Rio Academy” são “abordados e treinados conceitos modernos de Gestão e Boas Práticas internacionais a nível organizacional”.
Nos argumentos utilizados para justificar a compra destes pacotes Rock in Rio estão o facto de o evento na academia ser “promovido e coorganizado pela SFORI – Strategy For Improvement, entidade formadora certificada pela DGERT — a Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho” e o facto do evento se destinar “a profissionais de todas as áreas do setor privado e público.” Os responsáveis do POCH enaltecem ainda a experiência da organização, mais conhecida pelos festivais de música: “O ‘Rock in Rio Academy’ formou já mais de mil profissionais do sector privado e público desde 2015, entre Portugal e Brasil.”
O POCH vê também outra vantagem: os funcionários da estrutura ficam logo com várias horas de formação, das que são exigidas por lei, preenchidas: “No estrito cumprimento da legislação portuguesa, e atendendo que a empresa promotora da formação é uma entidade certificada pela DGERT, a frequência desta mesma ação de formação conta, nos termos da lei, para o número mínimo de horas que cada colaborador deve frequentar anualmente de acordo com o Código Laboral em vigor”.
O POCH, como explicam os responsáveis do programa na resposta enviada ao Observador, “tem como objetivo central contribuir para a qualificação dos portugueses”. O que também inclui, obviamente, os membros da própria estrutura. Por isso, a direção do POCH “considera inevitavelmente a qualificação como fator de dignificação e motivação dos seus recursos humanos, para a melhoria da qualidade do seu desempenho profissional e, consequentemente, do serviço público que presta”.
O programa: De Lady Gaga ao “Uau a todo o momento”
Falta então conhecer o programa da Academia Rock in Rio (RiR) para perceber como contribui para a formação de funcionários do POCH. Tudo começa com um Welcome Coffee (08h30) e, antes do Coffee Breake das 10h15, os trabalhadores vão poder assistir a uma intervenção de 25 minutos de Roberta Medina (vice-presidente do Rock in Rio) com o tema: “Propósito e cultura como alavanca do negócio”. Segue-se um “Momento #AAA — Learning experience. Cultura de Inovação”, que será dado por Allan Costa e Arthur Igreja, conferencistas na área da comunicação e do digital.
Depois é a vez de Alexandre Real (sócio da SFORI) liderar o “Networking Challenge”, que irá durar 20 minutos. A seguir ao pequeno intervalo para café terá a palavra Juliana Ribeiro, diretora de Ticketing do Rock in Rio, para um “mini-case challenge” que tem como mote “Cancelamento de Ariana Grande/Lady Gaga“.
Os funcionários do POCH (e os restantes alunos da academia) têm depois uma conferência de mais meia-hora com o CEO do Rock in Rio, Luís Justo, sobre “Pilotar a Organização” e uma outra conferência de 25 minutos com Agatha Arêas, diretora de marketing do RiR, com o tema: “Entregar o sonho e o propósito da marca através da experiência.”
O programa só termina às 19h40 com um “Happy Hour e Networking“, mas imediatamente antes desse último ponto há uma “Palestra Magna” com Roberto Medina com a duração de uma hora, precedida de uma visita de hora e meia à cidade do rock com uma prometida “explicação de técnicos in loco“. Há ainda outras palestras com cerca de meia hora. A mais longa da parte da tarde (de 50 minutos) tem como tema: “Learning Pitch — Uau a todo o momento! — Como manter o cliente “encantado”. Costumer Experience.
Terminada a componente teórica, o “pacote standard” da Rock in Rio Academy — com o custo de 590 euros — inclui ainda o “acesso a um dia do festival em setor relvado a 29 ou 30 de junho“. O “pacote VIP” (o POCH garante não ter adquirido nenhum) inclui “acesso ao festival em setor VIP a 29 ou 30 de junho” e custa 787 euros.
Diretores e chefes com bilhete e formação garantida, técnicos não
O Plano de Formação do POCH para 2018 foi aprovado no dia 11 de maio. De acordo com a “deliberação nº03-CD-POCH/2018”, à qual o Observador teve acesso, o plano já incluía a “RIR Academy” e estabelecia que a formação era destinada a “Comissão Diretiva e chefias”.
Os membros da Comissão Diretiva do POCH são o presidente Joaquim Bernardo (que chegou a integrar gabinetes nos governos de Sócrates e de Guterres, nas áreas do emprego e formação profissional) e as vogais Ana Lima das Neves (ex-adjunta do ministro Tiago Brandão Rodrigues no atual Governo) e Cristina Jacinto.
Na terça-feira, dia 5 de junho, a vogal Ana Lima das Neves enviou um email perto do meio-dia a informar que tinha sido autorizada a frequência de 20 participantes na Rock in Rio Academy, divididos num primeiro grupo com acesso direto à formação: “Três membros da Comissão Diretiva, 11 chefias”. E um segundo grupo, de seis técnicos, que, segundo Ana Lima das Neves, terão de ser selecionados para o acesso à formação: “Um de cada equipa, sendo que o mesmo deverá ser escolhido de acordo com o método que cada chefia de equipa considerar adequado (p.e. mérito ou sorteio)”.
Sobre a formação do Rock in Rio, a POCH explica que é “obrigação da Autoridade de Gestão assegurar a formação dos seus quadros em áreas técnicas específicas de grande relevância para o POCH, tais como Contratação Pública, Comunicação, Informática, Auditoria e Gestão Financeira”, mas “também em áreas transversais como a liderança, gestão de equipas, estratégia, inovação e políticas públicas.”
O plano de formação, justifica a mesma entidade, “tem um orçamento anual de cerca de 130 mil euros, o que representa 2% do orçamento anual total para o funcionamento da Estrutura de Missão”. Olhando para os números de outra forma, o valor gasto com a participação num dia do evento da academia Rock in Rio equivale a quase 10% daquilo que a entidade tem disponível para o ano todo em formação.
Questionado sobre se as tutelas (ministérios do Planeamento e Infraestruturas e Educação) tinham conhecimento deste procedimento, o POCH esclareceu que não foi “dado conhecimento da mesma à tutela” e acrescenta que “o procedimento para aquisição do serviço de formação cumpriu o estabelecido no Código dos Contratos Públicos”. Apesar disso, uma visita ao site Base.gov permite verificar que não há qualquer contrato efetuado pela estrutura de missão que tenha sido publicitado.
Há ainda outras opções a nível da formação que, sabe o Observador, são questionadas internamente. Uma delas, com o título “Futures, Strategic Design & Innovation”, foi realizada no ISEG pela vogal Ana Lima das Neves, teve a duração de quatro dias e custou quatro mil euros. Questionada pelo Observador, a direção explicou que “foram estudadas as possíveis e adequadas ofertas de formação estratégica para os diversos quadros do POCH” e esta formação acabou por ser aprovada “com o objetivo da mesma [a vogal Ana Lima das Neves] adquirir conhecimentos técnicos e metodológicos de construção de cenários para pensar o futuro em áreas determinantes para os Fundos Europeus, dos quais se destacam o Futuro do Trabalho e o Futuro da Tecnologia nos anos vindouros.”
No plano de formação do ano passado, ao qual o Observador também teve acesso, é autorizado o financiamento de um mestrado em “Políticas Públicas”, um mestrado em “Comunicação, Culturas e Tecnologias de Informação” e um mestrado em Matemática. A prática de pagar os mestrados aos funcionários não é habitual na Administração Pública, mas o POCH, garante que está a cumprir a lei, uma vez que só paga o primeiro ano de mestrado. Isto porque, defende a direção, o primeiro ano de mestrado equivale a uma pós-graduação e o pagamento de pós-graduações é permitido por lei.