Com cada vez mais rostos perfeitos na televisão, no cinema e, acima de tudo, nas redes sociais, se se sente como peixe fora de água provavelmente não é a única. O botox e os preenchimentos faciais tornaram-se os procedimentos cosméticos não invasivos mais populares nos últimos anos e o seu crescimento aumentou substancialmente entre a geração millennial. Se em tempos eram vistos como formas de retardar o envelhecimento e manter um rosto jovem à medida que os anos passam, hoje são utilizados por mulheres (e homens também) cada vez mais novas como forma de modificar a sua aparência em busca do rosto ideal. De acordo com a The American Society for Aesthetic Plastic Surgery, o número de mulheres americanas com idades entre os 19 e os 34 anos a realizar procedimentos estéticos não invasivos aumentou 41%. Já no Reino Unido, nove em cada dez intervenções estéticas são de botox e preenchimentos faciais.
No relatório anual da American Society of Plastic Surgeons, o botox e os preenchimentos estão no topo dos procedimentos não invasivos mais realizados nos Estados Unidos durante o ano passado. No ano 2000, nos primórdios das redes sociais, tinham sido realizados cerca de 780 mil botox e 650 mil preenchimentos. Em 2017 os números são impressionantes: mais de 7 milhões de botox e quase 3 milhões de preenchimentos.
O Observador falou com a Sociedade Portuguesa de Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética (SPCPRE) que nos explicou que em Portugal não é possível ter acesso a números porque não existem estatísticas sobre procedimentos estéticos, não há uma regulação e, como tal, não há registos. É por isso que muitas destas intervenções estão a ser feitas em cabeleireiros ou farmácias, muitas vezes sem ser pelas mãos de médicos credenciados e que, como já escrevemos em 2016, colocam a saúde em risco.
Ainda assim, a SPCPRE acrescenta que estas intervenções têm estado, de facto, a aumentar exponencialmente em Portugal e que, nas jovens, o preenchimento de lábios é a intervenção mais procurada, estando também a haver um maior crescimento da rinomodelação em pessoas muito novas.
E a verdade é que basta navegar um pouco pelo Instagram para ver jovens de pouco mais de 20 anos com os rostos alterados, os lábios aumentados, as bochechas salientes e, porque vivemos na era da exposição, muitas chegam a filmar-se nas clínicas durante a intervenção e a recomendar estes procedimentos como impulsionadores de auto-estima. Quase como um “photoshop” da vida real onde, por algumas centenas de euros, se consegue um rosto perfeito.
Uma geração refém das opiniões dos outros
De acordo com a American Academy of Facial Plastic and Reconstructive Surgery, as redes sociais, as selfies e as celebridades da “reality TV” são as grandes influências que impulsionam esta geração a usar os preenchimentos e o botox. E, de acordo com uma notícia da BBC, esta nova realidade e padrão de comportamento ou de beleza já está a ser apelidado de “efeito Kardashian” e “selfie mania”.
A referência às irmãs Kardashian não é propaganda contra a famosa família da televisão americana. Há mesmo quem culpe a cultura Kardashian da beleza falsa e da fama rápida pelo aumento das intervenções estéticas nas gerações mais novas e na obsessão em replicar uma imagem que nem sequer elas têm na vida real. A revista Harper’s Bazaar escrevia no ano passado que os jovens estão a entrar numa era narcisista graças à presença das celebridades nas redes sociais que se mostram no seu “suposto” dia a dia com uma imagem absolutamente irreal. E isto é prejudicial e, de certa forma, louco – disse à revista Jean-Louis Sebagh, um dos mais reconhecidos médicos de medicina estética na Europa. “Graças às redes sociais e tudo isto, as jovens de hoje têm tantas inseguranças e problemas com a sua imagem. Raparigas com 16 anos já andam a correr para as clínicas. Isto está imparável.”
Ao Observador, Vera Ribeiro, psicóloga clínica especializada em sexologia, diz que esta “moda” provem de uma sociedade consumista que segue os modelos via web ou redes sociais. “Falamos de uma geração que fica na sombra dos equipamentos eletrónicos, que pode mudar de identidade, personalidade, e agora de corpo… ficando cada vez mais para trás aquilo que é a sua génese, o seu sentir, os seus verdadeiros gostos e opiniões.” E isto traz riscos para esta geração que, cada vez mais cedo, vive refém das opiniões dos outros. Claro que é uma característica da idade e transversal a todas as gerações: é a altura da vida em que procuram integrar-se e encontrar o seu lugar. Mas se antigamente esta necessidade de aceitação estava limitada a um círculo pequeno de amigos e colegas da escola, hoje estende-se a uma dimensão de pessoas virtuais que pode ser ilimitada tornando a pressão e a necessidade de aceitação cada vez maior.
Hoje as raparigas são bombardeadas com com estas mensagens para corresponderem a um certo padrão de beleza e Vera Ribeiro não tem dúvidas: “Os riscos hoje são enormes, até porque é uma atitude muitas vezes contagiante. Pode iniciar-se de uma forma social, pelos pares, mas passa rapidamente a uma forma individual.” É o não gostar de se ver ao espelho e, agora, nas fotografias.
O poder das redes sociais na auto-estima
“O Instagram é a pior rede social para a saúde mental e bem-estar dos adolescentes e jovens adultos”, escreve a revista Time, abordando os perigos associados a ansiedade, depressão, solidão e bullying onde as fotografias podem criar expectativas irreais e sentimentos de inadequação e baixa auto-estima. Se, por um lado, as fotografias altamente editadas, com filtros e retoques nas redes sociais mostram corpos e rostos irreais mas que são vendidos como reais, por outro, os jovens de hoje procuram cada vez mais ser desejados, aprovados e validados pela sua aparência.
Já não é só a vontade de se sentir melhor na sua pele. Pequenas mudanças podem melhorar a auto-estima de toda a gente – homens e mulheres, em qualquer idade. Quer seja um aparelho nos dentes, uma dieta, um aumento de seios, atenuar algumas rugas, endireitar um nariz, mudar a cor do cabelo… todas as mudanças são válidas. Mas falamos de uma geração que não tem motivações individuais mas sim a vontade em seguir um padrão.
As redes sociais trouxeram para primeiro plano esta necessidade de gratificação imediata onde a tendência é o “rosto Kardashian”: grandes lábios, bochechas salientes, sobrancelhas delineadas, levantadas e maquilhagem pesada. Esta é a imagem de beleza ideal que, através das redes sociais, se começou a proliferar pelo mundo. Numa ânsia de mudarem tudo em si para corresponder a este padrão, as raparigas de hoje estão a tornar-se iguais umas às outras.
O Observador falou com David Rasteiro, especialista em cirurgia plástica, reconstrutiva e estética, assistente hospitalar no Hospital de São José em cirurgia reconstrutiva e que, este mês, vai abrir a Up Clinic em Lisboa. Para o cirurgião, as redes sociais e a universalização da informação tornou as intervenções estéticas e plásticas amplamente democratizadas e acessíveis, o que faz com que também haja uma população cada vez mais jovem, mais disponível e mais independente a procurar mudar algumas coisas. “Falamos de uma geração que é mais influenciável e que está mais alerta para estas intervenções. E depois estamos hoje a viver um paradigma de beleza que muita gente quer seguir. Enquanto a beleza própria de cada mulher é o que a torna única, mesmo que se possam alterar algumas coisas para melhorar a auto-estima, hoje quase que se vende beleza por catálogo. Eu tento sempre informar as mulheres que chegam até mim porque muitas vêm com expectativas irreais”, explica David Rasteiro.
O cirurgião partilha que há mais jovens em Portugal a procurar algumas intervenções, nomeadamente preenchimentos de lábios. E alerta que é preciso compreender as motivações que estão por trás. “É preciso que os médicos saibam aconselhar e alertar para a realidade, mesmo sabendo que, se se recusarem a fazer, elas poderão ir a outro médico que lhes vai dizer que sim. Eu procuro perceber as motivações, se a mudança que pretendem se prende com a sua auto-estima, se há algo que elas gostariam de mudar por uma vontade própria. Por vezes trazem fotografias do que pretendem e dizem que gostavam de ser mais ou menos assim. E essa não é uma motivação certa. Tento sempre explicar que este mundo é muito fantasioso e que as fotografias enganam muita gente. O trabalho de um médico passa sempre por alertar”, destaca David Rasteiro.
A perda de perspetiva do que é ou não bonito
No início do ano, a filha da cantora Ana Malhoa esteve envolvida em polémica que gerou uma onda de críticas pelas suas fotografias e vídeos com uma imagem alterada, lábios aumentados, feições diferentes e, para muitos fãs, uma tentativa de ser igual a Kylie Jenner. A revista Vidas partilhou várias fotografias e escreveu que, perante as críticas, India Malhoa de apenas 18 anos respondeu que era um ser humano normal e que não tencionava parecer mais velha ou plástica mas sim sentir-se bem consigo própria e ser cada dia mais feliz.
Pouco depois, a jovem fechou a sua conta de Instagram que entretanto voltou a abrir mas já sem todas as fotografias que tinha. A verdade é que há uma espécie de efeito bola de neve nesta geração de raparigas que já nasceu com as redes sociais e que está desde sempre a ser influenciada com mensagens de uma beleza irreal. A auto-estima acaba por ser comprometida quando desde novas procuram ter a aparência que acham “certa” e que numa rede social como o Instagram parece ser aquela que é validada por likes e seguidores.
Vera Ribeiro explica que muitas vezes as lacunas já estão instaladas desde muito novas, traduzindo inseguranças e uma auto-imagem lesada. “Uma coisa é uma rapariga utilizar uma aplicação para ajustar a imagem da fotografia pontualmente, outra coisa é alterar por completo as suas características. Se existe a necessidade de mudar aquilo que somos é porque não estamos bem na pele que vestimos”, conclui a psicóloga.
A verdade é que as aplicações e os filtros não podem fazer muito porque não trabalham IRL – in real life, na gíria americana. Então chegou-se à popularização do rosto de boneca. Se em tempos o botox e os preenchimentos eram para as mulheres de meia idade, hoje já há raparigas com dezasseis anos a correr para as clínicas. Já não é tanto uma questão de rugas mas, antes, de volume. Aumentar um pouco aqui, um pouco ali, até se atingir este rosto de Barbie.
A modelo e atriz americana Nicola Peltz ganhou maior dimensão ao namorar com o irmão das super modelos Gigi e Bella Hadid mas não é só por isso que o seu nome se tornou conhecido. Nicola tem feito manchetes nas revistas americanas pela mudança total de imagem no espaço de quatro anos. Fala-se de cirurgia ao queixo, ao nariz e cada vez mais preenchimentos nos lábios a acompanhar fotografias nas redes sociais cada vez mais irreais. Na after-party dos Golden Globes deste ano, foi dito que Nicola tinha os lábios mais injetados que alguma vez tinham passado por aquela red carpet, fazendo referência ao facto da atriz de apenas 23 anos, ao fim de tantas mudanças, já ter perdido a perspetiva do que é ou não bonito.
As modas mudam e os padrões de beleza também
Este é o grande perigo destas tendências. Muitas das raparigas que já têm os seus rostos alterados ainda não têm a maturidade para compreender o que estão a fazer e as consequências a longo prazo. O que importa é a gratificação momentânea. Eu quero este queixo. Eu quero estes lábios. Eu quero ficar assim nas minhas fotografias. Eu quero ter likes. Eu quero ter fama. Se nos anos 90 todas as raparigas queriam ser iguais às cantoras da girlband Spice Girls ou às atrizes da série Beverly Hills, pintar o cabelo e fazer um piercing no umbigo, estas eram mudanças inofensivas em busca de uma padrão de beleza interpretado na altura como bonito e “na moda”. Eventualmente quando a moda passou, os cabelos voltaram à sua cor original e os furos no umbigo acabaram por fechar.
Quando os “rostos Kardashian” deixarem de ser vistos como o tipo beleza ideal, o que é que estas raparigas que começaram a aumentar os lábios ou as bochechas numa idade tão nova vão fazer? Mesmo estes procedimentos sendo temporários, cada vez que se aplica preenchimentos, as bolsas debaixo da pele vão ficando maiores e a precisar de mais e mais injeções para ficarem preenchidas. Com os lábios, quando se para de os encher e a bolsa fica “vazia”, podem ficar caídos, enrugados, com pequenos nódulos e até deformados indefinidamente. O risco está sempre presente.
E depois dos preenchimentos?
É essa a questão que se coloca. Como vai esta geração que começa desde cedo a mudar toda a sua aparência saber lidar com as alterações naturais do corpo ao longo dos anos? A estrela da televisão britânica Charlotte Crosby é o melhor exemplo que podemos dar de alguém que já falou abertamente sobre esta obsessão. Quando apareceu pela primeira vez na televisão, no reality-show Geordie Shore em 2011, Charlotte era apenas uma jovem igual a qualquer outra à procura de fama e dinheiro.
Mas à medida que o programa foi ganhando fama à escala mundial, também as várias moradoras da casa Geordie foram mudando toda a sua aparência ao ponto de ficarem totalmente irreconhecíveis. De acordo com o jornal britânico Mirror, Charlotte afirmou que ficou viciada em botox para ter sempre o rosto “camera-ready” a qualquer momento das filmagens. Mas com o botox vieram os preenchimentos em todo o rosto, a cirurgia ao nariz, o aumento de seios e mais e mais preenchimentos até aos dias de hoje. “Agora eu sei o que é que as pessoas querem dizer sobre as cirurgias e estas intervenções serem um caminho escorregadio”, confessou, afirmando que a sua vontade em mudar a sua imagem não para e não consegue estar satisfeita.
David Rasteiro chama a atenção para os médicos, antes de começarem a injetar uma rapariga, tentarem conhecer as suas motivações, o que as incomoda no seu rosto e perceber se o que querem fazer é influência de alguém ou para agradar alguém ou se aquilo que pretendem é melhorar a sua auto-estima com pequenas alterações conscientes. “Há quem venha com expectativas irreais de querer ter os lábios desta ou daquela forma e os cirurgiões têm de ter o bom senso de saber aconselhar, explicar que tudo tem de ser adaptado à estrutura óssea de cada mulher e, acima de tudo, aplicado de forma gradual”, conclui.