O Papa Francisco enviou uma carta ao cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, em que lhe agradece pela “aprofundada reflexão” que levou a cabo a propósito do capítulo VIII da exortação apostólica Amoris Laetitia, sobre a abordagem da Igreja Católica aos casais divorciados que tornaram a casar pelo civil.

Em causa está uma nota pastoral publicada em fevereiro deste ano e que se tornou polémica porque, nela, o cardeal patriarca de Lisboa diz aos padres da sua diocese que não devem “deixar de propor a vida em continência” aos casais que estão unidos em segundo casamento que não tenham tido o seu matrimónio católico declarado nulo — ou seja, propondo aos divorciados que voltaram a casar que se abstenham de ter relações sexuais.

Venho agradecer-lhe o envio, por ocasião da Quaresma passada, da Nota que dirigiu aos sacerdotes do Patriarcado sobre a aplicação do capítulo VIII da Exortação Apostólica Amoris laetitia. Esta sua aprofundada reflexão encheu-me de alegria, porque reconheci nela o esforço do pastor e pai que, consciente do seu dever de acompanhar os fiéis, quis fazê-lo começando pelos seus presbíteros para poderem cumprir da melhor forma o ministério”, lê-se na carta enviada pelo Papa ao cardeal patriarca.

Católicos recasados são aconselhados a abster-se de ter relações sexuais

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“As situações da vida conjugal constituem, hoje, um dos campos onde tal acompanhamento é mais necessário e delicado. Por isso mesmo, quis chamar o Colégio Episcopal a um itinerário sinodal prolongado, que propiciasse — apesar das dificuldades inevitáveis — a maturação de orientações compartilhadas em benefício de todo o povo de Deus”, continua o Papa Francisco na missiva datada de 26 de junho deste ano.

Na altura, e depois da publicação da notícia do jornal Público que deu origem à polémica, o diretor do serviço de Pastoral Familiar do Patriarcado de Lisboa, disse ao Observador que era “redutor” dizer que D. Manuel Clemente aconselhava os divorciados recasados a absterem-se de ter relações sexuais. “Não é D. Manuel quem aconselha, é o Papa João Paulo II. Esta recomendação já vem da exortação apostólica Familiaris Consortio, de 1981″, afirmou o padre Rui Pedro Carvalho.

Na verdade, a referência à abstinência sexual nestes casos não é exclusiva de D. Manuel Clemente. Depois de o Papa Francisco ter publicado a exortação apostólica Amoris Laetitia, um grupo de bispos argentinos escreveu um documento interpretativo em que é referida a questão da abstinência sexual, que o Papa Francisco validou e incluiu no magistério da Igreja. Depois disso, vários bispos de todo o mundo — incluindo D. Manuel Clemente — escreveram documentos semelhantes para as suas dioceses.

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Mais tarde, o cardeal patriarca deu uma entrevista ao Expresso em que reconheceu que escreveu um documento muito curto, em que “as coisas não ficam tão bem explicadas como em textos mais longos”, e assumiu ter sido “mal interpretado”. “Eu quis fazer um pronto a servir e talvez tenha sido esse o perigo”, disse D. Manuel Clemente.

O cardeal patriarca, que é também o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, admitiu ainda que a Igreja tem de “cuidar melhor da comunicação”. “Uma nota feita para uma reunião de vigários e publicada no site da diocese, é claro que toda a gente lê! Temos realmente de ter mais cuidado“, reconheceu D. Manuel Clemente.

Na carta divulgada esta quinta-feira, o Papa Francisco não só exprime a sua “gratidão” como incentiva o cardeal “e seus colaboradores no ministério pastoral – in primis os sacerdotes – a prosseguirem, com sabedoria e paciência, no compromisso de acompanhar, discernir e integrar a fragilidade, que de variadas formas se manifesta nos cônjuges e nos seus vínculos”.