Todas as atenções já estavam centradas em Alvalade desde a chegada a Bruno de Carvalho. Primeira informação: o antigo líder teria uma providência cautelar que lhe dava razão e “anulava” as decisões tomadas na Assembleia Geral de destituição. Segunda informação: afinal o Tribunal levantava dúvidas sobre algumas questões, o que levou ao pedido de encontro com os responsáveis porque, em resumo, estaria tudo “congelado”. “Assim está mais correto, ele não está lá em cima a dizer que ainda é presidente”, garantia ao Observador uma fonte ligada ao ex-líder. “O presidente do clube é Bruno de Carvalho, o presidente da SAD é Bruno de Carvalho”, avançava o próprio à saída do Multidesportivo. Entretanto, muita coisa já se tinha passado. Primeiro para um lado, depois para outro. Foi sobretudo nesse balanço que cada uma das partes tentou encontrar o equilíbrio ao longo de mais uma novela de dez horas que voltou a marcar o dia. E o Sporting, claro está.

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Esta incursão de sexta-feira, por volta da hora de almoço, já estava pensada antes. E só não aconteceu mais cedo por uma série de circunstâncias: primeiro a prioridade entroncava sobretudo em poder entregar as listas candidatas às eleições; depois de ganhar essa providência cautelar, que dizia apenas que o clube teria de receber essas mesmas listas independentemente de aceitar ou rejeitar mais tarde ou elenco, formalizar a candidatura; a seguir, esperar pela resposta por parte da Mesa da Assembleia Geral do Sporting liderada por Jaime Marta Soares e utilizar as 48 horas regulamentares para fazer as retificações necessárias (que, tendo em conta a carta enviada ao mandatário Pedro Proença, como o Observador revelou em primeira mão, não dava grande margem de resposta). A seguir, as férias da pessoa que ficara responsável pelo processo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa. Ah, e ainda houve o feriado de 15 de agosto. Só depois de tudo isto deu entrada um dos documentos agora em causa.

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Esta quinta-feira, foi atendido o pedido feito por Bruno de Carvalho e Alexandre Godinho, antigo vogal da Direção que também foi destituído e suspenso por dez meses de sócio pela Comissão de Fiscalização, no dia 13, segunda-feira, sobre “Procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais: Suspensão da deliberação social da Assembleia Geral do dia 23 de junho de 2018 (revogação coletiva, com justa causa, de Bruno de Carvalho, Carlos Vieira, Rui Caeiro, José Quintela, Luís Roque, Luís Gestas e Alexandre Godinho)”. “A citação foi feita mediante despacho judicial sob denominação expressa do artigo 381/3, cujo teor é ‘A citação feita no dia 1 de agosto de 2018, como confessa o mandatário da parte contrária, no pedido de prorrogação de prazo que fundamental no facto de ainda não estar concluída nessa data a ata da Assembleia Geral em questão e ainda no facto das gentes de Marta Soares estarem muito ocupados com as eleições”, sublinharia mais tarde o antigo presidente.

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Ao contrário de outras providências cautelares já colocadas por Bruno de Carvalho, desta feita houve o pedido para que a outra parte, neste caso o Sporting, fosse citada. E é aqui que entronca a principal divergência nos dois documentos em causa a que o Observador teve acesso: de um lado, acredita-se que, ao abrigo do artigo 381/3 do Código, a decisão da Assembleia Geral fica suspensa “a partir da citação e, enquanto não for julgado em 1.ª Instância o pedido de suspensão, não é lícito à associação ou sociedade executar a deliberação impugnada”; do outro, existe a convicção que se trata de mais um “truque”, a tal “mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma” que Artur Torres Pereira, líder da Comissão de Gestão, aludiu quando leu um comunicado ao final da tarde, e que não tem qualquer impacto em termos jurídicos, na medida em que esse efeito suspensivo é contado a partir da citação (1 de agosto) e não da Assembleia Geral (23 de junho). Um exemplo prático dessa ideia: um dos responsáveis que tem ajudado o clube em termos jurídicos desde o início de toda esta crise institucional no Sporting chegou a receber um SMS sobre a possibilidade de ter de encurtar o período de férias para estar numa reunião em Lisboa; minutos depois, quando se percebeu não havia qualquer decisão judicial, tal cenário caiu de imediato.

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No entanto, esta ida de Bruno de Carvalho a Alvalade não aconteceu de imediato. De novo com a polícia chamada ao local, o ex-líder acabaria por receber depois a anuência para subir ao piso 3. E chegou a passar por gabinetes de alguns dos departamentos do clube naquele local, falando com os presentes num tom descontraído. Ao perceber que o encontro para mostrar a tal “decisão” que poderia levantar dúvidas em relação da legalidade ou não da sua suspensão em Assembleia Geral seria apenas com a equipa jurídica – e com algumas pessoas que trabalharam mais de cinco anos – e não teria ninguém da Comissão de Gestão, o antigo presidente não deixou de mostrar algum desagrado pela opção tomada. Ainda assim, os canais estavam ligados (no interior e com o exterior, chegando a certa altura a informação de que todo o caso poderia dizer apenas relação à SAD) e, ao entender-se que não havia qualquer razão para alguma coisa mudar, houve mesmo o aviso de que a polícia voltaria a ser chamada para que Bruno de Carvalho saísse do piso 3. O clima de tensão adensou-se, chegou a pensar-se mesmo que poderia piorar, mas o antigo líder acabou por descer no elevador, já com os agentes de autoridade presentes no local.

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Quando já falava aos jornalistas à porta do Multidesportivo de Alvalade, a ideia da Comissão de Gestão passava por emitir um comunicado a esclarecer o que se tinha passado; após ouvirem o que tinha sido dito, avançaram para uma conferência, onde seria lido um documento e depois poderia ou não haver espaço para algumas perguntas. A razão para isso acabou por ser a mesma razão que levou Bruno de Carvalho a abrir um novo foco de guerra esta sexta-feira: o antigo presidente quer ser aceite como candidato nestas eleições de 8 de setembro, os atuais responsáveis, percebendo que existe também essa intenção subentendida, não admitem esse cenário e nem sequer pretendem falar sobre essa possibilidade. “Mesmo que não tivesse havido a destituição na Assembleia Geral de forma expressiva com mais de 71%, havia a suspensão aplicada pela Comissão de Fiscalização que, tendo em conta o prazo em causa, levava por si só à perda de mandato”, explica uma fonte ao Observador. “Sair, sairia sempre. No limite, e pelos estatutos, o que poderia mexer era a data das próximas eleições. Mas se fosse mesmo assim, se houvesse a tal decisão, será que Bruno de Carvalho tinha mesmo abandonado o piso 3?”, acrescenta outra.

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“Tal como as gentes de Marta Soares estão a pôr as coisas, as eleições seriam obviamente impugnadas porque a sua estratégia seria a crise e uma crise bastar-lhes-ia para pôr e dispor dos recursos do Sporting. Nós não temos objeções a irmos a eleições. Depois de uma crise como esta, é útil refrescar a legitimidade eleitoral. Portanto, é preciso defender a regularidade do ato”, disse Bruno de Carvalho, pormenorizando mais à frente: “Existem situações que não podemos admitir ou abdicar que podem atrasar um pouco a data destas eleições: 1) já ter sido feito o sorteio das listas sem a nossa presença; 2) vários atos de campanha terem sido desmarcados por ordem desta putativa Comissão de Gestão; 3) já terem sido enviados votos por correspondência sem a nossa lista estar presente; 4) ter a certeza que o ato eleitoral decorrerá em conformidade com aquilo que foi em 2013, com três zonas de segurança, zona de acreditação com delegados de todas as listas, voto eletrónico, supervisionado por uma entidade independente, na zona da urna e dos computadores ter um delegado de cada lista e na contagem dos votos também. Para já, foi uma importante vitória da democracia e da tolerância, uma vitória do Sporting”.

Duas horas depois, a lista de Bruno de Carvalho ficou entregue (e pelo meio, um sócio foi retirado do hall VIP)

“Analisada e conferida a documentação, concluiu-se afinal ser tudo mentira porque não existia nem existe qualquer fundamento ou decisão judicial que suspenda a deliberação tomada pelos sócios na Assembleia Geral. Todos os limites foram ultrapassados, num momento crucial da vida do clube, que tenta recompor-se dos desvarios e dos erros do ex-presidente destituído pelos sócios, este demonstrou continuar a ser um foco de confusão, perturbação e desestabilização, colocando como é habito os seus interesses e ambições pessoais à frente dos interesses do Sporting”, disse Torres Pereira ao final da tarde, no auditório Artur Agostinho. “Deixamos bem claro ser o nosso compromisso de honra para com os sócios e adeptos do clube não permitir nem deixar passar em claro que manobras de diversão ridículas ou exibições de vaidade ou egoísmo de pessoas alguma vez se sobreponham aos princípios fundacionais e valores civilizacionais do Sporting”, acrescentou. Pelo meio houve o vídeo que se tornou viral ao longo da noite: a chegada de rompante de Vítor Espadinha à porta do Multidesportivo, mostrando-se indignado com tudo o que acontecera e dizendo mesmo que, aos 80 anos, “ainda lhe dava duas bofetadas”.

“Hoje, todos os limites foram ultrapassados”: a resposta de Torres Pereira, que acusa Bruno de Carvalho de “mentir”

Pouco depois de Torres Pereira ter acabado de falar, e já depois de José Peseiro ter tomado a palavra para fazer a antevisão do encontro deste sábado com o V. Setúbal, foi a vez de Sousa Cintra falar. A mensagem principal era uma – pedir a união entre todos os sportinguistas para um jogo importante. Acabou por divergir quase no final. “Se Bruno de Carvalho está a perder força? Perante os factos não há dúvidas, aquela advogada e aquele advogado que os defendiam já vieram para a praça pública contra ele. Mas embora sejam muito poucos [os apoiantes], fazem muito ruído, o que causa dúvidas. Já chega de Carnaval, isto é uma autêntica palhaçada. Mas não posso fazer nada, só lamentar e dar uma palavra a todos para estarem tranquilos”, disse.

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Foi por essa altura que chegou a informação de que Bruno de Carvalho daria uma conferência de imprensa, desta feita numa unidade hoteleira, a mesma onde se tinha apresentado como candidato às eleições de 8 de setembro. Além de explicar de novo, com mais pormenores, todas as questões em termos legais em causa (focando de novo o facto de só terem entregue todos os elementos ao notário quatro dias depois da Assembleia Geral), o líder destituído passou do geral para o particular e foi visando, um a um, as mesmas pessoas que tinham estado na mesa principal do auditório menos de hora e meia antes: referiu que Torres Pereira era alguém “traiçoeiro”, que Marta Soares era alguém que “nunca tem culpa de nada”, que Sousa Cintra tinha uma “má educação tremenda”. Mas não ficou por aí: “Sousa Cintra diz que não está para palhaçadas, vou em breve colocar fotos dele no meu casamento para percebermos até que ponto Sousa Cintra está pronto para palhaçadas”. Na CMTV, e sem saber que tinha sido visado, o líder interino da SAD admitiu mesmo que Bruno de Carvalho “devia ser expulso de sócio”. “Mas quer voltar ao Sporting para quê? Para ganhar salário, para ganhar comissões, para ganhar prémios, para quê?”, questionou.

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Dez horas depois, Torres Pereira e Marta Soares voltaram a dar entrevistas mas o espaço era sobretudo de comentário em vários canais a tudo o que tinha passado. Todavia, é sobre o que se pode passar no futuro que ninguém consegue prever. E alguns até têm receio do que possa ainda vir. Se é verdade que existem mais processos disciplinares em curso, analisados pela Comissão de Fiscalização, e que outros podem ainda aparecer visando medidas mais gravosas do que a suspensão de sócio por ano que foi aplicada, também é verdade que Bruno de Carvalho joga em vários campos com providências cautelares que colocam não só em causa a legalidade da Assembleia Geral destitutiva como o poder de Jaime Marta Soares poder tomar decisões depois de dizer que se tinha demitido (embora nunca o tivesse feito de forma formal junto do Conselho Fiscal e Disciplinar); a legalidade da Comissão de Fiscalização; a suspensão de sócio; ou o impedimento de ir ao sufrágio eleitoral. Estas dez horas prometem não ter sido as últimas numa grave crise institucional que se continua a arrastar a três semanas de haver eleições no clube.