Debaixo do braço, António Costa trazia o Plano de Investimentos 2030 do Governo — e o pedido de consensos — mas debaixo da língua trazia também uma pontada a um PSD em ebulição interna. Não resistiu e, à primeira contestação mais forte que ouviu na bancada (muito desfalcada) social-democrata, tocou logo na ferida exposta.

Mas o debate quinzenal, o primeiro do ano de todas as eleições, foi sobretudo marcado pelas críticas que o primeiro-ministro ouviu sobre a falta de investimento na saúde que levou a greves e a uma onda de demissões em vários hospitais públicos do país. Costa foi sempre dizendo que o pouco que há é melhor do que o que não foi feito pelo Governo anterior. E usou a mesma lógica para falar na solução Portela+1 que, por ele, não teria sido esta. Também já ensaia um argumento de campanha, tocando mesmo noutra ferida — mas esta socialista — ao dizer que afinal o socratismo não voltou, como a direita sugeria em 2015.

Costa provoca PSD: “Estão tão nervosos hoje. Porque será?”

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PSD a meia haste e Costa a provocar

Nos corredores, o PSD ia a ferver, mas no plenário nem por isso. O primeiro-ministro já discursava no púlpito do plenário e as primeiras duas filas da bancada do PSD eram as mais compostas. Lá para trás, o vazio. E assim se manteve: a meio do debate estavam metade dos deputados sociais-democratas (dos 89 faltavam 44) e só no final é que já estavam 79. No dia seguinte ao antigo líder parlamentar, Luís Montenegro, ter desafiado a liderança de Rui Rio, a prioridade social-democrata não era o debate quinzenal onde a intervenção voltou a ficar a cargo do atual chefe da bancada Fernando Negrão.

A situação interna do PSD não foi, obviamente, referida no debate parlamentar. Bom, pelo menos diretamente, já que António Costa não resistiu e a dada altura, quando os sociais-democratas presentes contestavam numa serie de apartes mais audíveis a sua explicação sobre o crescimento da dívida na saúde, o primeiro-ministro passou para a provocação: “Estão tão nervosos hoje, porque será? Estão mesmo com um problema de saúde à flor da pele”.

Saúde. Greves, demissões ou a frustração pelo socratismo que não veio?

António Costa entrou no debate a pedir consensos para os investimentos prioritários do país na próxima década, as grandes obra a serem feitas e, a propósito de tudo isso, disse até que o Parlamento receberá esta sexta-feira o Plano Nacional de Investimentos proposto pelo Governo para o horizonte 2030. Mas o que levou foram sobretudo críticas pelas insuficiências várias no setor.

Quais vão ser os grandes investimentos para a próxima década

Do PSD e do CDS exigia-se saber o motivo de tantas greves (Negrão) e de tantas demissões (Assunção Cristas), mas António Costa preferia apontar para o copo meio cheio de um investimento que já começou, ao contrário do que aconteceu no anterior Governo, precisamente composto por PSD e CDS. E a dada altura até recordou o que a direita dizia em campanha: que ia voltar a megalomania” e “o socratismo, para gastar o dinheiro todo e dar prioridade ao investimento público”. A mesma direita, concluiu, que agora se queixa de não haver investimento.

Aqui encostou-se à esquerda, sobretudo ao PCP onde Jerónimo de Sousa tinha pedido que o Governo aproveitasse o problema da PPP de Braga para acabar de vez com aquele contrato. António Costa concordou com Jerónimo de Sousa quanto à tentativa que dizem existir à direita para manipular o espaço público para defender as privatizações na saúde — e até se queixou da falta de “reportagens que mostrem as filas nas urgências dos privados” — , mas não foi taxativo na resposta ao líder comunista. Disse que “o Estado vai assumir a gestão [do Hospital de Braga] porque não vai renegociar um contrato que não vai continuar”, referindo-se ao contrato com a José Mello Saúde. O Observador questionou o gabinete do primeiro-ministro e o Ministério da Saúde sobre se a ideia é “internalizar” a gestão agora ou para sempre, mas não teve ainda respostas.

Aeroporto. “Não há plano B” se Montijo falhar

Não houve uma bancada parlamentar que, ao discutir o Programa Nacional de Investimentos, não falasse do aeroporto do Montijo e da ampliação do da Portela. Todos, sem exceção, perguntaram as razões para a escolha desta solução. António Costa foi repetindo, fazendo sempre um esforço por encontrar formulações diferentes, que esta era a solução possível. Para o primeiro-ministro, o segundo aeroporto da capital é um problema que já devia ter sido resolvido há 50 anos. Talvez antes houvesse melhores opções, mas hoje a do Montijo é a melhor para o Executivo e será a que vai seguir em frente.

Isto se o estudo de impacto ambiental assim o permitir. Várias vezes foi questionado sobre a possibilidade de haver uma avaliação ambiental negativa. Se assim for, estará criado um “gigantesco problema”, mas a solução do Montijo não avança. “Não há plano B”, garantiu. Assegurando que o Governo cumprirá todas as recomendações desse estudo, o primeiro-ministro conseguiu ir evitando longas explicações sobre o facto de esse estudo ainda não ter sido efetuado.

Outro tema que também levou o Governo a explicar-se várias vezes foi o da ferrovia. Às críticas de falta de investimento e de aposta num plano que pense a ferrovia nacional como um todo, António Costa acenava com o programa Ferrovia 2020 para lembrar que o seu Executivo pretendia investir a sério na ferrovia, embora não tenha sido possível ir tão longe quanto desejava. Já no discurso inaugural deste debate, Costa lembrou a compra de 22 novos comboios – um investimento de quase 170 milhões – para fazer valer o seu argumento.

Professores. Negociar é a palavra de ordem

Apesar de não ser um tema central no debate, PCP e PEV não quiseram deixar à porta do plenário um dos temas que marcaram a transição do ano político: a carreira dos professores. Recorde-se que Marcelo Rebelo de Sousa vetou a proposta do Governo e 2019 arrancou sem qualquer contabilização do tempo em que os professores viram as suas carreiras descongeladas.

Assim, os dois partidos aproveitaram o primeiro debate quinzenal do ano para confrontar o primeiro-ministro com o tema, questionando-o sobre aquilo que o Governo pretende fazer. Inicialmente, António Costa reconheceu apenas que tem sido difícil chegar a acordo. Quando foi instado a responder, depois de uma dupla insistência de Heloísa Apolónia, sobre as soluções adotadas na Madeira e nos Açores, o primeiro-ministro afirmou que as autonomias não mandam na política do Governo, desvalorizado outras opções e tentando retirar força a esse argumento. Para já, as negociações vão prosseguir e Costa garante que da sua parte existe boa fé para que seja encontrada finalmente uma solução para os professores.