A Caixa Geral de Depósitos (CGD) teve, há poucos dias, a reunião de quadros mais concorrida de sempre, revelou Paulo Macedo — mas o tema de que todos queriam falar (e ouvir falar) não era a estratégia futura do banco público mas, sim, das notícias daquela semana, isto é, as revelações feitas pela auditoria da EY sobre os atos de gestão entre 2000 e 2015. Para Paulo Macedo, este é um problema que só irá agravar-se com a comissão parlamentar de inquérito que se avizinha: a confiança do público na marca CGD e a atividade comercial vão ser prejudicadas. Não vale a pena esperar, por isso, que Paulo Macedo perca “mais tempo do que o necessário” com o “passado” — e foi exatamente isso que Macedo fez na audição parlamentar desta quinta-feira: disse o mínimo possível. Também porque sabe que voltará, em breve, ao parlamento.

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Numa comissão que durou pouco menos de quatro horas, Paulo Macedo voltou a vestir a pele de ministro da Saúde e distribuiu medicação aos deputados. Medicação para dormir, já que ao bombardeamento de questões, dos vários partidos, Macedo acabou por esgotar longos minutos das suas primeiras intervenções respondendo aos temas mais “fáceis”, como as relacionadas com o plano estratégico do banco e o papel conceptual que um banco público deve ter. Sobre o tema da agenda, a auditoria da EY, só depois de vários preâmbulos ou fartas descrições do novo modelo de governance, Paulo Macedo acabou por admitir: “eu tento responder sempre às questões todas, sr. deputado, mas a minha perda de tempo com o passado será apenas a necessária. Primeiro porque é uma perda de tempo e, depois, porque isso é um desfocar do presente, da missão e das 7.000 pessoas que trabalham na Caixa. O meu interesse é que estas não estejam totalmente desfocadas. Perder tempo com o passado? Não é esse, minimamente, o meu interesse”.

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Numa resposta de 10 segundos, Macedo colocou uma pedra sobre as questões mais bicudas dos 15 anos de gestão do banco público, analisados pela auditoria que o Observador já revelou na íntegra, sem rasuras. Perdas registadas de mais de 1.700 milhões de euros em 200 operações de crédito, dezenas de empréstimos concedidos ao arrepio dos pareceres da direção de risco e interferências do Estado. Para Paulo Macedo, tudo isto pertence ao passado e, neste momento, só serve para desfocar os clientes e os colaboradores da CGD da missão de garantir que o banco se mantém numa trajetória sustentável.

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O PS foi rápido a pegar na deixa: para João Paulo Correia, o pior que podia acontecer, desde já na sessão desta quinta-feira, seria os deputados “começarem a lançar pedras aos governos entre 2000 e 2015”. O deputado socialista tem boas razões para o defender: dos 25 piores casos de créditos ruinosos concedidos pela CGD neste período dizem respeitos aos três anos entre 2006 e 2008, ou seja, quando José Sócrates estava em São Bento e Armando Vara na João XXI. Do lado do PSD, António Leitão Amaro criticou Paulo Macedo por insinuar que o trabalho que os deputados têm vindo a fazer no apuramento das questões da CGD — exigindo a própria entrega do documento — tem destruído valor à CGD.

Podemos não querer causar dano, mas que o que acontecerá aqui nos próximos meses causará danos disso não tenho dúvidas”, disse Paulo Macedo.

Quando Macedo não estava a lamentar, desconversou. “Partilha da opinião do sr. ministro das Finanças de que houve má gestão?”; “o sr. Governador do Banco de Portugal tem condições para avaliar a Caixa quando foi administrador nesse período?”. Resposta: “concordo que é preciso que o Estado defina qual é a função da Caixa”. Sobretudo na primeira metade da audição, Paulo Macedo alongou-se nas respostas sobre as primeiras questões dos deputados. Resultado: ficou sem tempo para chegar às questões mais “picantes”.

O presidente da Caixa não deixou de aproveitar para produzir algumas afirmações fortes: “houve uma evolução que torna impossível que se repita o que se passou na CGD” e “há uma atuação clara a incisiva por parte da Caixa Geral de Depósitos” na recuperação de créditos, garantiu Macedo, acrescentando que aqueles créditos mais “mediáticos” não serão vendidos a uma entidade externa, como poderia ser uma empresa especializada em cobranças e recuperação de créditos: “vamos tentar resolver dentro da Caixa”.

Pelo meio da sala, passeava-se um elefante. Paulo Macedo fingia que na passada sexta-feira a Caixa não entregou um relatório em que era tecnicamente possível ler toda a informação — supostamente rasurada. Já os deputados fingiam que não tinha sido o parlamento a divulgar, no seu site, o documento passível de ser lido integralmente. E não quiseram reconhecer, em momento algum, que essa informação já é pública — para não “perder o ascendente moral”, como disse um dos deputados da Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa.

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Tudo fica, assim, remetido para a Comissão Parlamentar de Inquérito, ao abrigo do decreto nesse sentido promulgado pelo Presidente da República.

Paulo Macedo teve tempo, ainda, para esclarecer uma das questões que os deputados perguntaram várias vezes: como vai a Caixa Geral de Depósitos contratar uma firma de advogados — a Vieira de Almeida — quando esta é umas principais sociedades jurídicas em Lisboa, que terão tido negócios com vários dos clientes da Caixa visados pela auditoria. Paulo Macedo confirmou que, embora esta firma tenha garantido que não tem um “conflito de interesses em termos gerais”, já indicou que tem incompatibilidades com vários casos referidos. Daí que o banco público já tenha contratado outra firma — a Linklaters — para esses casos. Mas também aí, afirmou Macedo, essa segunda firma de advogados já adiantou que tem conflito de interesses com um dos casos abordados. Resultado: será contratada uma terceira firma de advogados.