O presidente da Caixa Geral de Depósitos, Paulo Macedo, entregou no parlamento o relatório final da auditoria da EY ao banco público quando passavam poucos minutos das 14h30. O responsável deu o documento à presidente da comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa (COFMA), Teresa Leal Coelho, em papel, como todos viram. Mas também houve um documento em versão digital, confirmou ao Observador a deputada do PSD.

Mas o relatório final que foi divulgado no site do Parlamento, após a decisão favorável dos deputados da COFMA, deixou de estar disponível em menos de uma hora. A razão invocada foi um “problema técnico”. Meia hora depois, o site do parlamento voltou a disponibilizar um link para o ficheiro da auditoria. Mas com uma diferença: desta vez era a versão digitalizada a partir das páginas em papel entregues por Paulo Macedo.

Problema: na primeira versão do documento disponibilizado pelo parlamento — que o Observador aqui coloca em link — é possível “ler” a informação rasurada. Mais grave: é possível perceber alguns dos nomes e os valores que foram retirados do documento. Basta selecionar o campo rasurado e clicar com o botão direito do rato para a informação aparecer na caixa “Procurar por”. E até se pode copiar para um documento word, ainda que a informação e os números possam aparecer desconfigurados e dificultar a leitura.

Só é preciso ter paciência e método para conhecer o conteúdo integral que os deputados achavam só vir a ter a partir da próxima semana, se e quando Marcelo Rebelo de Sousa promulgar a lei dos grandes devedores.

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Fontes do parlamento que estiveram envolvidas no processo confirmam ao Observador que foi, de facto, esse o erro detetado — e que levou a que o conteúdo disponibilizado fosse substituído.​ Contactada pelo Observador, a Caixa Geral de Depósitos não confirma para já ter entregue um ficheiro eletrónico, para além do dossiê em papel. Paulo Macedo disse até que quem fez a “limpeza” de informação sensível foi a auditora, a EY. Teresa Leal Coelho afirmou aos jornalista que o documento seria digitalizado para ser divulgado, mas mais tarde confirmou ao Observador que o Parlamento recebeu auditoria em suporte informático. Uma mera digitalização de um documento em papel não permitiria aceder às palavras e ao números “apagados” por questões de sigilo bancário ou reserva comercial.

Um lapso similar aconteceu no relatório final da comissão parlamentar de inquérito ao Banco Espírito Santo, em que uma versão inicial permitia identificar com a função de pesquisa palavras que estavam rasuradas. Foi o que aconteceu, por exemplo, com declarações produzidas pelo antigo contabilista do Grupo GES, Machado da Cruz, cuja audição foi feita à porta fechada, a pedido do próprio por causa das investigações judiciais.

Auditoria na íntegra

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Pode ler na íntegra o relatório final da auditoria à CGD entregue no Parlamento neste link.

Antes da divulgação, os deputados da comissão debateram se o documento tinha “matéria sensível” e se deveria ser disponibilizado ao “público em geral”. Esta foi a explicação da presidente da COFMA, Teresa Leal Coelho (PSD), aos jornalistas. No entanto, os deputados foram rápidos a dar luz verde à divulgação, que aconteceu pouco depois das 18h00. Fontes contactadas pelo Observador garantem que a decisão que saiu da reunião de coordenadores e da mesa da COFMA foi a de “divulgação imediata” do relatório de auditoria no site do Parlamento.

Como se esperava, a versão do relatório divulgado pelo parlamento — apesar de maior — tentava omitir os nomes dos grandes devedores, os valores dos créditos concedidos e a exposição que a Caixa ainda tinha a estes créditos no final de 2015. Nas fichas em que os créditos são analisados, também se tentava omitir o ano em que os empréstimos foram concedidos. Mas há informação genérica e sistematizada sobre o que correu mal, a começar pela forma como foram avaliados e decididos.

80 créditos com parecer de risco condicionado deram perdas de 769 milhões

Das 170 operações analisadas, as maiores perdas aconteceram em 80 créditos em que o parecer do risco era condicionado à obtenção de condições prévias à concessão do empréstimo, que não foram asseguradas antes de ser aprovadas pelos órgãos de decisão. Os 25 maiores créditos deste grupo registaram perdas de 769 milhões de euros, mais de 40% do total da amostra. Há ainda 13 operações que resultaram em imparidades de 48 milhões de euros em relação aos quais o parecer de risco era claramente desfavorável, não tendo sido apresentada qualquer racional para justificar a sua aprovação.

A auditoria encontrou ainda 15 créditos em que não foi obtido o parecer individual de risco e estiveram na origem de perdas de 86 milhões de euros. E há igualmente 14 operações onde a avaliação de risco foi favorável, mas que ainda assim resultaram em perdas 238 milhões de euros.

O documento entregue por Paulo Macedo em papel tem 263 páginas. Já a versão preliminar da auditoria revelada pela ex-deputada do Bloco de Esquerda Joana Amaral Dias a 20 de dezembro continha 175 páginas, também sem anexos.

A entrega da auditoria surge depois de a procuradora-geral da República ter informado o Parlamento de que não existiam objeções à entrega do documento aos deputados do ponto de vista do segredo de justiça. A Caixa já tinha admitido esta terça-feira que ia entregar o documento, mas depois de expurgada de informação protegida pelo sigilo bancário.

A entrega do relatório — em mãos — também aconteceu cerca de duas horas antes de a Caixa Geral de Depósitos tornar pública a dimensão dos lucros obtidos pelo banco no ano passado.

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Paulo Macedo entregou aos deputados o relatório final da auditoria, mas na versão “expurgada” de informação que a Caixa considere estar ao abrigo do sigilo bancário. Para esse efeito, a administração do banco público pediu à consultora que elaborou o documento, a EY (antiga Ernst&Young), que retirasse do relatório as passagens com essa informação, que inclui os nomes dos grandes devedores à Caixa, mas também outra informação acerca dos processos de decisão no próprio banco.

A relevância e alcance do documento que a Caixa entregou fica assim em dúvida. Tal como referiu o próprio presidente da Caixa Geral numa carta enviada aos deputados da comissão a 20 de dezembro — na qual recusava, pela segunda vez, o envio da auditoria completa — a versão expurgada pode ser pouco mais do que inútil.

Os responsáveis da CGD — o presidente executivo, Paulo Macedo, e o presidente do Conselho de Administração, Rui Vilar — consideram que o envio do documento sem as partes as partes abrangidas pelo dever de segredo “tornaria o relatório inútil, na medida em que restariam apenas textos de teor incompreensível ou informação de natureza geral e pública, relativa a indicadores macroeconómicos e outros indicadores relevantes e à situação financeira da Caixa Geral de Depósitos no período de 2000 a 2015, aquele a que o relatório respeita”.

Na altura, os responsáveis da Caixa justificaram a recusa em enviar o documento argumentando que este continha elementos em “segredo de justiça”.

“No entanto, como é do conhecimento público, a pedido do Ministério Público (por ofício de 15 de junho de 2018) o documento em análise foi enviado aos autos do inquérito que aí corre, pelo que estamos impedidos de fornecer a V. Exas, sob pena de violação do segredo de Justiça”, refere a carta.

Os mesmos afirmam ainda que os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização do banco, assim como os trabalhadores, podem ter “pena de prisão até um ano ou multa até 240 dias” se divulgarem informações privilegiadas, considerando que “os factos ou elementos aqui relevantes estão vertidos num documento, o relatório, pelo que a divulgação do documento corporizaria a divulgação dos factos ou elementos em causa”.

Notícia atualizada às 19:30 com a informação de sobre a possibilidade de ler a informação rasurada da auditoria final.