O Ministério Público (MP) não entregou à comissão parlamentar de inquérito ao caso de Tancos os documentos pedidos pelos deputados relativamente ao processo aberto em abril de 2017, no Porto, que dava conta de informações de que estaria a ser preparado um assalto a instalações militares no centro do País. O relatório preliminar da comissão será apresentado esta sexta-feira pelo relator Ricardo Bexiga, deputado do PS, e os partidos poderão pronunciar-se sobre ele contribuindo para o relatório final.

Ao que o Observador apurou, os deputados fizeram dois pedidos ao MP, que tem em mãos um processo que conta já com 21 arguidos — entre os envolvidos no assalto de junho de 2017 aos paióis de Tancos e os militares que acabaram a recuperar as armas meses depois, num descampado na zona da Chamusca, numa ação que a PJ vê como encenada e à revelia do que tinha sido determinado pela então procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, ao atribuir a investigação à Judiciária civil.

Um dos pedidos foi o memorando que o ex-diretor geral da Polícia Judiciária Militar e o investigador Major Brazão entregaram em outubro de 2018 ao chefe de gabinete do ministro da Defesa — um documento descrito de diversas formas ao longo da comissão e que teria inscrita a forma como a PJM preparou a ação que levaria ao “achamento” do material de guerra furtado. Uma ação que partiu de uma chamada anónima feita pelo próprio major Vasco Brazão, a pedido, segundo ele,  do informador com quem trabalhavam numa investigação que admitiu ser “paralela”.

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Esse documento, ao que o Observador apurou, chegou a 16 de maio à comissão, quando já todos os governantes, especialistas, magistrados, militares e polícias tinham sido ouvidos — e quando os deputados já o tinham. Durante os trabalhos, foram ouvidas pelo menos três pessoas que conheciam o documento (o chefe de gabinete do então ministro da Defesa, Martins Pereira, o major Brazão e o coronel Luís Vieira), mas nenhum o quis disponibilizar por causa do processo-crime onde está integrado. O memorando — com um resumo dos factos descritos, feito, alegadamente, de forma pouco coerente numa folha não assinada nem timbrada — será acompanhado de um segundo documento que terá uma cronologia do que aconteceu. E acabou por chegar via Ministério Público cerca de dez dias depois de o chefe de gabinete do primeiro-ministro António Costa, Francisco André, ter deixado uma cópia aos deputados.

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Já o segundo pedido nunca foi satisfeito. Trata-se dos despachos de três juízes de instrução criminal sobre um inquérito aberto em abril de 2017, dois meses antes do furto, baseado em informações que davam conta de que estava a ser planeado um assalto a instalações militares no centro do País. O primeiro juiz de instrução a pronunciar-se sobre o caso, no Porto, declarou-se incompetente territorialmente. Em Leiria, um segundo juiz optou por argumentos idênticos. O caso chegaria a Lisboa e ao Tribunal Central de Instrução Criminal, onde o juiz Ivo Rosa acabou por concluir que a informação era demasiado escassa para se recorrer a meios de investigação mais invasivos, como é o caso das escutas telefónicas. Esta informação — sobre um possível assalto — acabou por nunca chegar ao Exército, como se concluiu na comissão de inquérito. Já à Polícia Judiciária Militar não ficou claro de que forma ou quando chegou.

“Pedimos ao Juiz de Instrução Criminal do Porto (JIC), mas como se falava em factos em várias zonas do País, o JIC declarou-se incompetente territorialmente e não achou urgente, por não se estar perante a possibilidade de algo grave, depois o MP mandou para o JIC de Leiria, que se considerou incompetente e mandou para o juiz do tribunal central e instrução criminal de Lisboa, que indeferiu as diligências propostas pelo MP, em síntese considerou que os elementos em causa eram demasiadamente vagos para justificar mecanismos de investigação e natureza mais invasiva”, explicou Joana Marques Vidal na comissão de inquérito. Foram estes despachos que os deputados pediram ao Ministério Público, agora liderado por Lucília Gago, também ela ouvida pelos deputados, mas que acabaram por não ser enviados à Assembleia da República.

Ainda na comissão, que foi nomeada em novembro de 2018, Vasco Brazão informou que “a PJ tinha recebido uma informação de um eventual planeamento de um furto a uma instituição militar de um raio de 50 km de Leiria”. Já o agora diretor nacional da PJ, Luís Neves, explicou que essa informação partiu de “uma fonte humana que transmite uma informação não muito rica em elementos que permitam iniciar uma investigação, tem características vagas, não diz quem, quando, onde, as conivências…”, e que entregou essa informação à PJM através do major Pinto da Costa, também arguido no processo.

Os três processos abertos sobre Tancos — o que nasceu a 7 de abril de 2017 do Porto, o que nasceu no 28 de junho pela PJM após o assalto e o que nasceu depois da recuperação das armas, por se suspeitar de uma encenação — foram todos incorporado num só, que ainda está em segredo de justiça e cujo despacho final (de acusação ou arquivamento) poderá ser proferido em breve.

Estes foram os únicos elementos que a comissão que quer apurar se houve responsabilidades políticas neste caso pediu ao Ministério Público — por gozar das prerrogativas que permitem a este tipo de comissões terem acesso a dados, mesmo que de processos em segredo de justiça. Outra das informações em segredo de justiça que chegou à comissão foi a listagem das armas furtadas e a lista do material recuperado, entregue ainda antes pela anterior procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, à Comissão de Defesa.

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