A hora já ia adiantada quando Marcelo Rebelo de Sousa subiu ao palco da apresentação do novo livro de Freitas do Amaral, Mais 35 Anos de Democracia – Um Percurso Singular. O Presidente da República, que chegou mais de meia hora depois da hora marcada para o início da sessão e ainda confidenciou que tinha pedido “para ficar na primeira fila” para não falar. O plano do Presidente da República saiu falhado e o discurso que se seguiu levou uma sala cheia de familiares e amigos de Freitas do Amaral a uma viagem pela democracia portuguesa e pelas memórias em comum de Marcelo e Diogo Freitas do Amaral.
“Freitas do Amaral foi estruturante na democracia portuguesa”, começou Marcelo para logo depois caracterizar o ex-presidente do CDS como “visceralmente do centro, com um toque britânico”. O Presidente da República lembrou que Freitas do Amaral nem sempre assumiu o seu centrismo “com plena felicidade”, mas admite que a sua existência e obediência “à inspiração cristã do seu pensamento” foram essenciais para que houvesse direita na democracia portuguesa.
Freitas do Amaral é um dos quatro pais, líderes dos partidos da democracia portuguesa. Mário Soares, Francisco Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Freitas do Amaral. O facto de estar entre nós — ao contrário dos outros — não diminui a importância de estar na génese da democracia”
Marcelo Rebelo de Sousa negou que falte aos portugueses “reconhecer” Freitas do Amaral. “Há modas, sensibilidades passageiras e o que fica. Ficou a pessoa, a obra e o património”, disse. Marcelo aligeirou depois o tom do discurso ao afirmar que Freitas do Amaral tem uma “maneira de ser às vezes cansativa”, embora não tenha concretizado em nenhum exemplo o que é a “maneira de ser cansativa” do fundador do CDS. E da maneira de ser cansativa passou à campanha para as presidenciais de 1986, a única eleição até à data com segunda volta: “Deve ter dado trabalho a quem tomou conta de si todos os dias”. Mais tarde, Marcelo disse ainda que Freitas do Amaral “tem umas manias peculiares, não só no domínio da Ópera”, arrancando uma gargalhada que ecoou pela sala.
Freitas cita Sinatra: “I did it my way”
Antes de um caloroso abraço entre os dois, na qualidade de Presidente da República agradeceu a Freitas do Amaral “aquilo que tem feito por Portugal, que não prescreve”.
Freitas do Amaral começou por lamentar a demora na publicação no último de três livros das suas memórias —um total de quase 1.400 páginas —, porque a saúde está debilitada e não tem passado “uma fase fácil”. Num discurso breve, o político e professor universitário recordou — à semelhança, aliás, daquilo que foi sempre a sua postura — a formação cristã e a inspiração na doutrina social da Igreja que tem pautado a sua vida: das encíclicas do Papa João Paulo II às mais recentes, do Papa Francisco.
“Enquanto tiver um sopro de vida tenciono continuar a dar a devida importância a este aspeto”, disse confidenciando que nunca se sentiu pressionado “por ninguém” para fazer o que fez. Agradeceu e voltou a agradecer à família, em especial à mulher, com quem comemorará 54 anos de casado em julho. Apesar de breve, num tom emocionado, Freitas do Amaral deixou a sala a trautear alguns versos de Frank Sinatra no final do discurso:
I’ve lived a life that’s full
I’ve traveled each and every highway
But more, much more than this
I did it my way
Regrets, I’ve had a few
But then again, too few to mention
I did what I had to do
And saw it through without exemption
I did it my way