Morreu esta quarta-feira, com 52 anos, o escritor, compositor, músico e cantor David Berman, que integrou as bandas Silver Jews e Purple Mountains. A notícia foi dada pela editora atual de David Berman, a Drag City Records, de Chicago, numa publicação nas redes sociais. “Não podíamos lamentar mais dizer-vos isto. O David Berman morreu hoje. Um grande amigo e um dos indivíduos mais inspirados que já conhecemos partiu. Descansa em paz, David”.

Autor de uma aclamada obra musical, também com incursões elogiadas pela literatura e poesia (publicou dois livros, Actual Air e The Portable February), David Berman era um dos artistas de culto do panorama artístico norte-americano. Este ano tinha editado um novo álbum com a sua banda — de elementos rotativos, todos em seu torno — Purple Mountains, que originou um ensaio do Observador intitulado “David Berman: o mais iluminado dos miseráveis tem um disco novo”. O disco era considerado no texto “o mais negro que já fez” e foi um regresso de Berman à música, depois de vários anos afastado e sem revelar canções e discos novos.

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No ensaio ao seu último álbum editado em vida, escrevia-se no Observador: “Há cerca de dois anos, mais ou menos na mesma altura em que a mãe de Berman morreu, o casal [Berman e a sua ex-mulher] separou-se – e essa separação, bem como a morte da mãe de Berman, marcam Purple Mountains [o disco] de forma explícita”.

David Berman: o mais iluminado dos miseráveis tem um disco novo

Já este ano, após a edição do novo álbum, David Berman explicou os quase dez anos parado ao site musical Aquarium Drunkard (AD): “Durante esses dez anos continuei a escrever, mas não peguei numa guitarra durante sete anos. Fui sempre assim, entre álbuns: durante intervalos de dois ou três anos não pegava numa guitarra. E quando não pego numa guitarra por um ano ou dois, é quando as canções começam a aparecer. Muito disto passa por esperar, porque é preciso esperar e ir avançando com esforço pelas águas da má escrita. Por cada boa linha, tenho há uma centena de linhas de m**** que tenho de escrevo e tenho de passar por todas”, apontou.

Um passado sombrio com overdoses e tentativa de suicídio

Ainda não foi revelada a causa da morte do músico. No passado, David Berman admitiu publicamente uma tentativa de suicídio em 2003, que falhou por pouco e que o músico tentou levar a cabo no quarto de hotel de Nashville em que Al Gore se hospedara quando perdeu as eleições para George Bush Jr. “Quero morrer onde a democracia morreu”, terá sido o que disse ao homem que operava o elevador do hotel. Para trás tinham ficado cinco anos de crescente abuso de substâncias aditivas, que resultaram em duas overdoses acidentais a que sobreviveu.

Em respostas recentes a fãs e ouvintes dadas no site Reddit, após a edição do seu último álbum, Berman afirmava que não consumia cocaína ou heroína “desde outubro de 2003” e comentava assim o desafio de se manter sóbrio: “Ficar sóbrio é impossível sem que te separes dos amigos com quem costumavas sair“.

Da Weasel e David Berman de regresso

Auto-exigente e perfecionista, não percebia quem levava a arte musical com leviandade ou ligeireza.  “Se os críticos fossem mais duros com os músicos que adoram, teríamos canções melhores. Mas à medida que [os músicos] envelhecem e perdem o seu talento, os críticos recusam-se a dar-lhes a saber isso mesmo e protegem-nos, fazendo-os chegar a ponto de lançarem música que simplesmente não está ao nível a que já estiveram. Deve ser muito estranho viver no mundo do Willie Nelson ou do Bruce Springsteen ou dos Pearl Jam. (…) Obviamente o Willie Nelson sabe que há 45 anos que ninguém quer saber de uma canção [nova] dele, mas não encontro muita infelicidade por vocação. Ouvi dizer que o Springsteen era uma pessoa infeliz. Não sei, não li a biografia dele. Mas muitas pessoas da minha área deviam ser muito mais infelizes do que são”, dizia este ano, em entrevista ao site norte-americano Aquarium Drunkard.

Se as pessoas fossem mais infelizes, parecia querer dizer o músico na entrevista, talvez escrevessem melhores canções. Mas a arte e o ofício de tornar dores e “infelicidade” — que assumia sem pruridos ter — em música memorável esteve, ao longo das últimas décadas, ao alcance de poucos como esteve ao alcance de David Berman.