Sem condições para venda, frutas, legumes, pão e bolos estragados continuam a produzir valor, no município da Amadora, porque deixaram de ser depositados no lixo indiferenciado e passaram a ser reciclados, transformando-se em composto agrícola e em energia elétrica.
Intitulado “+ Valor”, o programa municipal foi implementado em abril de 2005, permitindo a recolha seletiva de resíduos urbanos biodegradáveis, com a adesão de 190 produtores, desde cantinas, supermercados e restaurantes, disse o vereador da Higiene Urbana da Câmara Municipal da Amadora, Luís Lopes, revelando que, desde o início até hoje, foram recolhidas “à volta de 25 mil toneladas” de matéria orgânica.
Às portas de Lisboa, numa zona residencial, repleta de prédios e pequeno comércio nos rés-do-chão, no concelho da Amadora, a pastelaria Aquarius foi um dos estabelecimentos que aceitou o desafio da autarquia para a reciclagem de resíduos biodegradáveis, contribuindo com “as sobras, o que não se vende, seja pão, seja bolos”.
“Se fosse numa zona rural, teríamos animais. Aqui não, só desta forma é que pode ter algum proveito. De outra forma, não teria, ia tudo para o caixote do lixo”, afirmou um dos sócios da pastelaria José António Aguiar, em declarações à agência Lusa, considerando que o programa é “uma boa iniciativa” e podia ser alargado a todos os cidadãos.
Enquanto prepara o caixote com “as sobras”, aguardando a passagem do camião de recolha, o comerciante destacou o “aproveitamento” destes resíduos para fazerem adubos, manifestando-se “surpreendido e contente” sobre a possibilidade de, também, produzirem energia elétrica.
A cerca de um quilómetro, ainda no município da Amadora, a Frutaria Fernando Santos separa “todos os produtos que não estão em condições” para venda ao público, colocando-os nos caixotes do programa “+ Valor”, permitindo que “sejam encaminhados, ao contrário do que antigamente era feito, em que ia tudo para o lixo comum”.
“Como a fruta é um produto sensível e os legumes também, temos algum desperdício. Esse desperdício, neste caso, tem um reaproveitamento, o que é muito positivo”, apontou o gerente da frutaria Miguel Brito, referindo que, por dia, são cheios dois a três contentores.
Entre a grande variedade de frutas e legumes deste estabelecimento, onde sobressaem as cores vivas e o cheiro de produtos frescos, Miguel Brito fala do processo de transformação dos que são retirados das bancas como “uma mais-valia”, com benefícios para o meio ambiente.
A coordenar a equipa de recolha, com “um camião que já está preparado para isso”, nomeadamente com capacidade de impedir que o líquido que resulta de determinados resíduos verta pelo caminho, Gracilino Furtado assegura que o serviço é realizado “todos os dias” à porta dos produtores que aderiram ao “+ Valor”.
“Temos que retirar tudo o que é resíduo orgânico, desde alimentos já pré-cozinhados, frutas, legumes, verduras, tudo o que seja degradável”, indicou o trabalhador, recorrendo ao sentido do tato, mesmo com luvas, para caracterizar o que vai dentro dos sacos pretos autorizados na recolha, “se tem resíduo orgânico ou não”, e “retirar certas contaminações”.
Classificando como “extraordinário” o trabalho de “desviar” os biodegradáveis dos resíduos urbanos normais, o vereador da Higiene Urbana reforçou que, “efetivamente, os orgânicos, as embalagens e tudo o que é material que possa ser selecionado e separado, em termos de resíduos urbanos, são dinheiro”.
Em parceria com a empresa Valorsul, os resíduos urbanos biodegradáveis são recolhidos e vão para a Estação de Tratamento e Valorização Orgânica (ETVO), onde se produz energia elétrica, através do biogás, e se transforma a matéria orgânica em composto agrícola, indicou o autarca Luís Lopes, explicando que, assim, “não é resíduo que é deitado para incineração e é deitado fora, que depois não tem qualquer tipo de retorno”.
Depois deste passo, que ainda tem margem para abranger mais produtores, o futuro passa por permitir que qualquer cidadão possa fazer a separação dos resíduos biodegradáveis, avançou o vereador da Câmara Municipal da Amadora, lembrando a diretiva da União Europeia que obriga, até 2023, que 20% da população de cada concelho participe nesse objetivo de recolha seletiva de resíduos urbanos biodegradáveis.