Como qualquer outro bebé de 17 meses, com pouco cabelo, sorriso desdentado e roupas verde alface, Anoush tanto pode ser um menino como uma menina — não está de saia nem usa lacinho, é impossível perceber. E se depender dos pais, Hobbit Humphrey, de 38 anos, e Jake England-Johns, de 35, é assim que vai continuar a ser, pelo menos até ao momento em que a própria criança tenha capacidade para decidir como quer ser tratada. Até lá, quando tiverem de chamar Anoush para o banho ou para a mesa, não haverá nem “ele” nem “ela”, apenas “eles” — “they“, em inglês, o pronome pessoal coletivo que se convencionou utilizar para referir o género neutro (ou “não-binário“).
“Desde que descobri que estava grávida, passámos nove meses a discutir de que formas poderíamos tentar mitigar o preconceito de género que a sociedade impõe às crianças. A dada altura decidimos que não íamos contar às pessoas se era rapaz ou rapariga”, explicou Hobbit Humphrey ao programa Inside Out, da BBC One, que foi para o ar esta segunda-feira à noite.
“Tem tido o efeito que esperávamos, que era deixar o nosso bebé desenvolver os seus interesses independentemente do género. Por exemplo, eles tanto adora servir o chá todas as manhãs às bonecas como está realmente fascinado com motas e máquinas”, continuou, garantindo que o objetivo foi sempre proteger o bebé, na “sua própria pequena bolha”.
Ao longo dos últimos 17 meses, sempre que questionados sobre o sexo de Anoush, Hobbit e Jake, artistas de circo profissionais e, de acordo com o The Times, ativistas do grupo ambientalista extremista Extinction Rebellion (também presente em Portugal), deram a resposta longa e explicaram aos interlocutores os motivos que os levam a vestir o bebé tanto com roupas de menino como de menina.
“Acho que, no início, as pessoas não nos levaram a sério, porque uma coisa é aquilo que dizes que vais fazer quando estás grávida e outra muito diferente o que fazes quando tens de criar um bebé que não para de gritar e de chorar. Mas acho que, passado um ano, já perceberam que isto é a sério e gradualmente as pessoas foram-se habituando. O que não quer dizer que não continuemos a receber olhares confusos das senhoras velhinhas que nos vêm perguntar no parque se é menino ou menina. Podemos demorar um bom bocado a explicar”, conta Hobbit Humphrey.
Desde o nascimento, o casal, que vive numa casa-barco na zona de Bristol, na Inglaterra, fez questão de manter o segredo, até da própria família. Resultado: Camille, de 64 anos, avó materna do bebé, só soube se Anoush era rapaz ou rapariga aos 11 meses, quando lhe mudou uma fralda.
Entrevistada pela BBC, a avó também manteve o segredo. Como manterão, acreditam Hobbit e Jake, o resto dos membros da família e amigos que, entretanto, já ficaram a saber o sexo de Anoush. Ou mantinham o secretismo e negavam ao bebé a “alegria de correr nu” ou deixavam que os mais próximos soubessem, permitindo que a criança crescesse feliz e livre (além de de preconceitos, de roupa).
Afinal, como Jake England-Johns explicou à BBC, o objetivo sempre foi esse: “Quando falamos em neutralidade de género queremos dizer que estamos a tentar agir de forma neutra em relação à criança, não a tentar fazer com que eles sejam neutros. Não estamos a tentar fazer com que eles sejam nada. Só queremos que eles sejam eles próprios”.