No tempo de beber uma ‘mini’, a cabeça de lista por Lisboa do partido Livre conversou com Carla Jorge de Carvalho sobre as prioridades da sua candidatura: uma revisão à lei da nacionalidade — para não “hierarquizar pessoas” — e um combate à “aceitação” da violência doméstica. Joacine Katar Moreira garante ainda que não quer ser eleita para o Parlamento para se juntar à ‘gerigonça’.
Referindo-se com humor à entrevista ‘viral’ que deu à Rádio Observador, sugere que terá contribuído para “alguma desaceleração” na discussão política. “O facto é este: há pessoas que gaguejam, e gaguejam impecavelmente, como eu.”
Bem-vinda à ‘mini’ entrevista. Vamos abrir a nossa ‘mini’ antes de começar a conversa?
Vamos lá.
A campanha da Joacine e do Livre tem insistido muito nos direitos das minorias e das mulheres que não são assim tão minoria — antes pelo contrário. A Joacine concorre ao órgão legislativo máximo. Portanto, o que falta mudar na legislação para garantir igualdades?
É necessário começarmos a alterar a legislação sobre a nacionalidade. É completamente inaceitável que numa época como esta ainda se esteja sucessivamente a hierarquizar as pessoas entre os que importam e os que não importam. Entre os que têm hipótese de ser nacionalizados já e os que precisam de aguardar uns anos. É necessário que haja uma nacionalidade imediata para todos os indivíduos nascidos em território nacional.
E a igualdade nos direitos das mulheres? Não está já consagrada na lei?
Bem… oficialmente, nem se coloca a questão dos homens e as mulheres e por aí fora. Oficialmente, somos cidadãos com igualdade de oportunidades e direitos consagrados. Mas um país com um índice elevado de violência doméstica não se pode considerar um país desenvolvido. Portanto, enquanto se continuar a ver várias mulheres assassinadas, e um país em que há a normalização ou a aceitação que, de vez em quando, existe, é porque, independentemente de estar oficialmente consagrado, é necessário que haja uma educação para a igualdade. É preciso alterar a educação sobre as masculinidades. É preciso alterarmos os homens, educá-los de uma maneira radicalmente diferente.
Isso faz-se nas escolas ou nas famílias?
É óbvio que isto é algo que, inevitavelmente, se devia iniciar pelo ambiente familiar. Mas o Estado tem uma responsabilidade enorme neste assunto. Isto deve iniciar-se desde o infantário e nos manuais escolares. E também na formação da magistratura. Há uma normalização, e até um olhar compreensivo para os homens que assassinam. Se assassinou, é porque estava desorientado ou descontrolado.
É um projeto muito ambicioso. A longo prazo.
Não necessariamente. É algo que se pode iniciar imediatamente e começar a ser implementado ainda este ano. Haver uma disciplina sobre a igualdade. O que é a igualdade? Ensinarmos, também, com uma legislação muito mais rejeitadora e inibidora. Porque um homem não pode achar que assassina ou ameaça uma mulher, passa um ano — ou oito meses — na cadeia e que não há mais nenhuma inibição em relação a isso. Todas as ações contra a violência doméstica estão orientadas contra as mulheres. Elas é que decidem se efetuam, ou não, um telefonema. Elas é que decidem se fazem, ou não, uma queixa. Elas é que decidem se se vão, ou não, embora. Não há nenhum enfoque na responsabilização destes homens, nem do seu enquadramento ou do seu acompanhamento.
O Livre quer fazer parte de uma gerigonça? Se a Joacine for eleita para o Parlamento, está disposta a ajudar o Partido Socialista a governar?
Não necessariamente.
Então, o que é preciso?
Há uns anos, era esse o nosso objetivo número um, nas últimas eleições Legislativas — existir uma convergência para evitar que se afundasse completamente o país. Mas isto era numa época em que ainda havia a hipótese de termos o PSD e o CDS a governar.
E isso mudou.
Hoje em dia, isto já não existe. Mas há uma enorme necessidade de responsabilizarmos o PS e os outros partidos de esquerda que suportaram o Executivo durante estes anos. Eles é que têm que se responsabilizar e negociar entre eles. Nós não entraremos na Assembleia para governar, mas para auxiliar a uma melhor governação.
Por exemplo, com sugestões como o salário mínimo nacional de 900 euros — mais do que pede o Partido Comunista. Como também a licença de maternidade de 16 meses. Os patrões vão querer contratar com este nível de exigências?
É normalíssimo que haja uma ideia que um ordenado de 900€ seja utópico, porque, de facto, andam sucessivamente a usar os argumentos economistas de colapso orçamental e de que é preciso aguardar. Aumentando 18€ aqui, 19€ ali. Em Espanha, houve um aumento imediato do ordenado mínimo nacional de 175€. Também havia especialistas a achar que isso ia originar uma avalanche enorme no orçamento, mas houve vontade política. E aqui também pode existir isso.
Último gole na ‘mini’. Esteve na Rádio Observador, há mais ou menos um mês, a sua entrevista é viral e uma das mais partilhadas da nossa rádio. Esta entrevista ajudou-a a ficar conhecida?
Não. Essa entrevista não me ajudou a ficar conhecida. Ajudou o Observador a ficar muito conhecido! [risos].
Pode ter sido mútuo…
Mas auxiliou a que houvesse uma necessidade de abrandamento e humanização dos nossos ouvintes, e dos vossos ouvintes. É óbvio que, especialmente num ambiente institucional e político — ainda por cima alguém que almeja estar na Assembleia, onde vai usar a sua voz e a capacidade retórica — as pessoas não estão minimamente à espera de alguém que gagueje. O facto é este: há pessoas que gaguejam, e gaguejam impecavelmente, como eu [risos]. Isto não me inibe minimamente de estar, de me ouvir e de ser ouvida igualmente. Se eu vos ouço, e se às vezes ouço o que não me apetece ouvir… É-nos só exigido mais humanidade e com alguma desaceleração. Não sou eu que preciso de acelerar. As pessoas é que têm de desacelerar.
O Observador convidou para as ‘Mini’ Entrevistas os partidos sem representação parlamentar que surgem nas sondagens feitas até ao final da primeira semana de campanha como potenciais estreantes na próxima legislatura.