E se Rosa Grilo tiver contratado alguém para matar o marido? A hipótese foi colocada em cima da mesa esta terça-feira, pelo procurador do Ministério Público, mas rapidamente descartada pela inspetora da Polícia Judiciária (PJ). Ouvida na qualidade de testemunha naquela que é a sexta sessão do julgamento do homicídio do triatleta, a inspetora explicou ao coletivo de juízes do Tribunal de Loures que “todos os números de telemóvel” com os quais Rosa Grilo estabeleceu contacto foram identificados, não deixando suspeitas para que tenha havido uma possível contratação da arguida.

Certa disto, a inspetora da PJ também está certa de algo mais. Questionada pelo procurador sobre a possibilidade de Luís Grilo ter sido assassinado por uma pessoa só — e não pelos dois arguidos, como acusa o MP —, a testemunha assegurou:

Obviamente que não. Estamos a falar de uma que não era gorda, mas era corpulenta e musculada. Só a Rosa Grilo não conseguia transportar o corpo. Tinha de haver a intervenção de outra pessoa“.

É neste sentido que a inspetora explicou ao tribunal o que levou a PJ a suspeitar de António Joaquim. Desde logo, porque o arguido tinha registado em seu nome uma arma com o mesmo calibre do projétil que fora retirado da cabeça de Luís Grilo. Mais: a arma era de uma das três marcas possíveis que podia corresponder o projétil.

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Julgamento decorre no Tribunal de Loures (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

Ainda antes de António Joaquim, foi Rosa Grilo quem fez a PJ desconfiar. As primeiras suspeitas surgiram logo na semana seguinte ao desaparecimento, quando a arguida acompanhou os inspetores em buscas por percursos normalmente feitos pelo triatleta.

A dona Rosa tinha um comportamento muito descontraído. Um comportamento que não nos parecia próprio de alguém que tinha o marido desaparecido. Havia qualquer coisa que não batia certo. O comportamento dela levava-nos a crer que ela sabia alguma coisa. Foi-nos deixado algumas reticências”, recordou.

“A PJ é uma instituição de bem”. Defesa põe investigação em causa

Além da inspetora — que relatou durante quase três horas os passos da investigação e como foram mudando, à medida que lhes chegavam novos dados — também um inspetor-chefe da PJ foi ouvido. Na sequência das suas declarações, o advogado de António Joaquim, Ricardo Serrano Vieira, levantou algumas dúvidas sobre as diligências que foram feitas, pondo em causa a investigação da PJ. Já Tânia Reis, quis saber se tinham sido feitas escutas ilegais.

“A PJ é uma instituição de bem. Nós não fizemos interseções nenhumas. Não podemos fazer”, respondeu a inspetora ouvida como testemunha.

Muitas das dúvidas levantadas pela defesa foram esclarecidas. Outras foram consideradas irrelevantes pela juíza Ana Clara Baptista, que não escondeu a indignação com uma parte das perguntas feitas —  algumas que acabou por não autorizar.

Além dos elementos da Polícia Judiciária, foram ouvidos os dois funcionários da empresa de Luís Grilo: um deles confirmou que estabeleceu contacto por mensagem e por chamada telefónica com Rosa Grilo na tarde de 16 de julho, quando esta estaria sequestrada pelos angolanos — quem atribui a autoria da morte do marido.

Luís Grilo estava a ser “ameaçado” por um “parceiro angolano”, diz amiga

Foram também ouvidas mais quatro testemunhas, de um total de oito: o homem que encontrou o telemóvel de Luís Grilo, o militar da GNR chamado ao local, o homem que encontrou o cadáver e o agente da seguradora onde Luís Grilo tinha feito os seguros de vida — que desmentiu Rosa Grilo.

Julgamento têm mais três sessões agendadas para as próximas três terças-feiras.

Agente de seguradora desmente Rosa Grilo. Arguida viu o marido a assinar apólices de “meio milhão de euros”

Esse mesmo agente garantiu em tribunal que a mulher do seu cliente sabia da existência de todas as apólices — o que Rosa Grilo sempre negou. A testemunha disse em tribunal que reuniu com Rosa Grilo, em maio, a pedido do marido, onde explicou “tudo” sobre os seguros e as suas condições. Nomeadamente quanto dinheiro receberia, caso Luís Grilo morresse.

Explica aqui à Rosa como é que funcionam [os seguros] e depois chama-me para assinar”, terá dito Luís Grilo.

O agente garantiu à juíza Ana Clara Baptista que a arguida sabia da existência das seis apólices (quatro seguros de vida, sendo que dois estavam associados ao crédito habitação, e dois de acidentes pessoais), não só porque reuniu com ela para lhe explicar como funcionavam, mas também porque estava presente no momento em que o marido assinou os contratos. Mais, garante: foi Rosa Grilo que fez a transferência para os seguros serem acionados: o que viriam a ser nos meses de junho e julho — altura em que o homicídio terá sido cometido.

A testemunha recorda que, à data, Rosa Grilo lhe disse que a “despesa” com os seguros era “grande”, mas que a “salvaguarda” também era. “No valor de meio milhão de euros”, disse o agente ao tribunal, adiantando que os valores dos prémios variavam consoante a causa da morte: assalto, acidente, doença. Mas, especificou, morte em caso de assalto, teria “a cobertura máxima”. Rosa Grilo sempre disse que apenas sabia de dois dos seis seguros.

Arguidos enfrentam pena que pode ir até 25 anos de prisão

Rosa Grilo e o amante António Joaquim estão acusados pelo Ministério Público dos crimes de homicídio qualificado agravado, profanação de cadáver e detenção de arma proibida. O MP entendeu que o homicídio terá sido praticado entre o fim do dia 15 de julho de 2018 e o início do dia seguinte, no interior da habitação do casal.

Por forma a ocultar o sucedido, ambos os arguidos transportaram o cadáver da vítima, para um caminho de terra batida, distante da residência, onde o abandonaram”, lê-se na acusação a que o Observador teve acesso.

Os dois arguidos foram detidos há mais de um ano, no dia 26 de setembro do ano passado, por suspeitas de serem os autores do homicídio de Luís Grilo, tendo-lhes sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva três dias depois. Mas o caso veio a público muito tempo antes, quando, a 16 de julho, Rosa Grilo deu conta do desaparecimento do marido às autoridades, alegando que o triatleta tinha saído para fazer um treino de bicicleta e não tinha regressado a casa.

Seguiram-se semanas de buscas e de entrevistas dadas por Rosa Grilo a vários meios de comunicação  — nas quais negava qualquer envolvimento no desaparecimento do marido, engenheiro informático de 50 anos. O caso viria a sofrer uma reviravolta quando, já no final de agosto, o corpo de Luís Grilo foi encontrado, com sinais de grande violência, em Álcorrego, a mais de 100 quilómetros da localidade onde o casal vivia — em Cachoeiras, no concelho de Vila Franca de Xira. Nessa altura, as buscas deram lugar a uma investigação de homicídio e, novamente, Rosa Grilo foi dando entrevistas nas quais que negava qualquer envolvimento no assassinato do marido.

A prova recolhida levou a PJ a concluir que Luís Grilo foi morto a tiro, no quarto do casal, por Rosa Grilo e António Joaquim, e deixado depois no local onde foi encontrado. O triatleta terá sido morto a 15 de julho, por motivações de natureza financeira e sentimental. A tese de Rosa Grilo é, no entanto, diferente: segundo as declarações que prestou no primeiro interrogatório — e que veio a reforçar em várias cartas que enviou a partir da prisão para meios de comunicação — Luís Grilo terá morrido às mãos de três homens (dois angolanos e um “branco”) que lhe invadiram a casa em busca de diamantes.