O histórico militante de Lisboa Nuno Morais Sarmento — que também teve uma pequena derrota — até definiu as eleições para a distrital na véspera como uma espécie de mãe-de-todas-as-eleições, mas boa parte dos militantes ficou em casa este sábado. Em Lisboa — a maior concelhia do país — só votaram 619 pessoas para a distrital (menos de metade dos votantes de 2017 e menos de metade dos 1395 inscritos). Além dos cadernos eleitorais já bastante reduzidos como consequência do novo sistema de pagamento de quotas, os caciques ficaram de folga e limitaram-se a esperar nos sofás, no balcão do bar do hotel ou mesmo em casa. O candidato da continuidade a líder da distrital, Ângelo Pereira, tinha o apoio de todas as concelhias e — mesmo com duas listas de delegados em Lisboa — já se esperavam poucas surpresas. E assim foi: Ângelo Pereira venceu com 82% dos votos (1448 votos), contra apenas 18% (312 votos) de Sofia Vala Rocha.

Ângelo Pereira, que já era vice-presidente na direção de Pedro Pinto, tinha conseguido fazer uma lista de unidade, limitando muito a margem de crescimento de outras candidaturas. O candidato à câmara de Oeiras em 2017 pelo PSD, que ficou conhecido por se fazer substituir nos cartazes por um ‘boneco’ que o representava, chega assim à liderança da distrital. Há dois anos, Pedro Pinto tinha tido menos (77,8%) como candidato único, embora tenha tido 2769 votos, mais 1321 do que agora teve Ângelo Pereira. Uma consequência da votação ter ficado muito abaixo do habitual em termos de participação eleitoral.

Após a vitória, Ângelo Pereira disse ao Observador que “Lisboa entrou numa nova fase”, de seguir um “caminho de unidade e reconciliação interna”. O  grande objetivo do mandato, que começa agora, “passa pela rápida reorganização do partido para voltarmos a alcançar vitórias nos concelhos da maior área metropolitana do país.”

Em reação ao Observador após a derrota, Sofia Vala Rocha destaca o resultado na concelhia de Lisboa, onde conseguiu 28% dos votos, consideravelmente acima do resultado distrital. “O resultado da capital para mim era muito importante. Saber o que os meus companheiros da capital achavam sobre o meu trabalho”, disse ao Observador. Diz que o resultado noutras concelhias mostra que não é tão conhecida, mas que vai continuar a trabalhar para conquistar os militantes do PSD. Sofia Vala Rocha diz ainda que vai continuar com a tentativa de impugnação das eleições com a qual avançou na sexta-feira, uma vez que “o processo tem vícios e ilegalidades“.

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Do ponto de vista das eleições diretas, Pinto Luz tem aqui uma dupla vitória: o seu candidato à distrital, Ângelo Pereira, venceu e a lista de delegados que ele apoiava à concelhia (a lista A) também venceu por 59% dos votos (355) contra 41% da lista L do ex- presidente da concelhia Paulo Ribeiro (245). Isto apesar de não se poder fazer uma ligação tout court às diretas uma vez que — no caso dos delegados — a lista L unia militantes que se irão dividir por três candidatos.

Depois há a incógnita Rodrigo Gonçalves. Uma vitória de Rodrigo é uma vitória de Rio ou contra Rio? O apoiante de Rui Rio nas últimas diretas é o vice-presidente da lista da linha de Carlos Carreiras e, claro, Pinto Luz. Tem sido público o afastamento do agora vice-presidente distrital de Rui Rio, mas Rodrigo Gonçalves negou-o num comunicado em reação à notícia do Observador. Aquele que foi visto nos últimos anos pela estrutura como um dos maiores caciques de Lisboa queixou-se de que o Observador muitas vezes não o questiona antes de escrever notícias que o visam. Nesse mesmo dia, o Observador enviou-lhe uma pergunta sobre se apoiará Rui Rio nas próximas diretas. Três dias depois, a pergunta continua sem resposta.

“Hoje não há carrinhas”. Só a Bayer utilizou transporte coletivo

Hoje não há carrinhas“, dizia um dos membros da lista L” para outro militante enquanto entrava pelas traseiras do Hotel Sana. E logo complementava enquanto já se fechavam as portas de vidro: “Acabou-se o combustível. Literalmente“. Nos cadernos eleitorais estavam inscritas 1395 pessoas (um número inferior ao número de votantes em 2017: 1397). Menos pessoas para ir buscar a casa e menos vontade para as ir buscar. O tal combustível.

Com quase tudo definido, os caciques puderam meter folga. Houve quem chegasse de táxi, quem preferisse um uber e outros o carro individual, mas ninguém se atreveu a promover o transporte coletivo de militantes em Lisboa. A realidade de 2017, com um enorme tráfego de carrinhas de militantes, com os principais caciques de listas na mão e militantes a conduzir essas carrinhas, não se repetiu. Os caciques ficaram escaldados com a reportagem do Observador de há dois anos, como comentavam vários militantes junto à sala de voto. “Já disse adeus para a câmara ali à porta, não fosse estar o Observador a gravar”, dizia na brincadeira um dos candidatos numa lista de delegados.

Vídeos. Como os caciques do PSD/Lisboa angariam votos

Rodrigo Gonçalves — candidato a vice-presidente na lista de Ângelo Pereira — foi votar com a família, incluindo o pai e antigo presidente da junta das Avenidas Novas, Daniel Gonçalves, mas nem sequer esteve todo o tempo na sala de voto. Luís Newton também esteve no local de voto ao início da tarde, mas deixaria o controlo da situação para Nuno Vitoriano. Foi Vitoriano quem ficou sempre à porta das traseiras do Hotel Sana, mas desta vez sem receber militantes como acontecera com outros homens de Newton há dois anos. A eleição estava quase garantida, não havia muito a provar, Newton e Gonçalves (em 2017, empenhado em ser oposição à lista de passistas) puderam tirar folga.

Ao final da tarde e com o início do jogo do Benfica contra o Santa Clara, alguns dos militantes subiram ao bar para ver o jogo e o hall do piso -2, onde se realizava a votação (sala Alfama), ainda ficou mais vazio. Foi por lá que também esteve outro líder de fação em Lisboa, Paulo Quadrado (núcleo oriental). Ainda chegariam três autocarros para carregar pessoas, mas relacionadas com outro evento: um encontro da Bayer, que decorria no -1 do Hotel Sana. O dia em Lisboa (as eleições decorreram em todas as outras concelhias) foi, como se previa, calmo.

Lista L, para “limpar” Lisboa de caciques, perde por 108 votos

A batalha até podia ter aquecido, principalmente na medição de forças para as próximas eleições da concelhia. Isto porque a meio da semana foi conhecida uma lista de delegados alternativa à Assembleia Distrital, cujo o grande promotor e cabeça de lista foi o ex-líder da concelhia, Paulo Ribeiro, que se demitiu na sequência de uma guerra com a fação de Newton aquando da indicação de deputados da concelhia para as eleições legislativas. A lista A, apoiada pela linha de Pinto Luz e Ângelo Pereira, venceu por 59% contra 41%, o que corresponde a 65 mandatos para a lista A e 44 mandatos para a lista L. Houve 11 votos brancos e 8 nulos.

Na lista L Paulo Ribeiro incluiu candidatos que podem não ser propriamente notáveis mas têm (ou já tiveram) força em Lisboa como Victor Reis, André Pardal, Joana Barata Lopes ou António Prôa. A antiga deputada Inês Domingos também integrava a lista.

Além disso, a lista L conseguiu apoios simbólicos: o primeiro suplente da lista foi o vice-presidente de Rui Rio, Nuno Morais Sarmento, o último dos efetivos era o antigo vice-presidente Hugo Soares na bancada do PSD, Miguel Morgado, e o primeiro subscritor da lista Pedro Rodrigues, antigo líder da ‘jota’ e atual deputado.  Nuno Morais Sarmento enviou até uma mensagem para os militantes de Lisboa em vésperas do escrutínio a alertar para a importância desta votação: “As eleições internas nas estruturas de base do nosso partido são sempre, para mim, as mais importantes de todas as eleições”. O vice-presidente de Rio acrescentava que o PSD precisa que estas eleições sejam “momento de afirmação de credibilidade, coerência e independência”. Daí não poder ficar “indiferente” e tenha apoiado a lista de Paulo Ribeiro.

A ideia desta lista L, que um dos elementos resumia ao Observador como um conjunto de “fações que se unem pela decência”, era acabar com a imagem de caciquismo em Lisboa, numa frente comum anti Luís Newton e anti Rodrigo Gonçalves.

O cenário em 2017 tinha ligeiras diferenças: só havia um candidato à distrital, Pedro Pinto, mas também existiam duas listas de delegados à Assembleia Distrital de Lisboa. Há dois anos, a também chamada lista L, que tinha como cabeça de lista Nuno Morais Sarmento venceu com 800 votos a lista apoiada por Passos Coelho, que se ficou pelos 597 votos. Nessa altura, a lista L tinha, no entanto, o apoio da família Gonçalves. Desta vez não teve e perdeu.