O Bloco de Esquerda vai mesmo insistir com a proposta de redução do IVA na eletricidade e mesmo que o governo não ceda, a questão pode vir a colocar-se no plano parlamentar. Tanto o Bloco de Esquerda como o PSD inscreveram no programa eleitoral para as legislativas uma proposta de redução do IVA na eletricidade para a taxa mínima, e fizeram disso prioridade. Acontece que o Governo tem mostrado sempre grande resistência a essa descida pelo custo orçamental que acarreta. A questão é que, se as negociações à esquerda não chegarem a bom porto, o Bloco de Esquerda pode vir a ter uma escapatória parlamentar: apresenta um proposta de alteração nesse sentido e obriga o PSD — que já que defendia o mesmo no seu programa de Governo — a votar a redução numa coligação negativa para o Governo socialista. O PCP também vai avançar com esta proposta.

Neste momento, a conta que o Executivo faz para rejeitar a proposta da redução do IVA da energia é simples: ou se reduz a taxa já neste Orçamento do Estado, com um impacto estimado de cerca de 600 milhões de euros, ou se prossegue o descongelamento faseado das carreiras na Administração Pública, que tem um custo estimado de 500 milhões de euros. Portanto, não vai haver dinheiro para tudo e é preciso escolher: ou uma ou outra.

Mas no Parlamento o Bloco e o PCP  não estão sozinhos nesta exigência. “Se o PSD ganhar as eleições, reduz-se a taxa de IVA para 6% [no gás e na eletricidade], o que significa que o consumidor vai ter uma redução de 14% no preço”, disse Rui Rio aos jornalistas durante a apresentação do pacote fiscal do programa eleitoral do PSD, em julho deste ano. Na altura, Rio reconheceu que o objetivo dessas medidas era marcar a diferença face a António Costa e piscar o olho à classe média, que foi aquela que “mais sofreu com a troika”. No programa, contudo, os sociais-democratas limitaram-se a deixar escrita a promessa de “redução da taxa de IVA aplicável ao consumo de eletricidade para uso doméstico”, não se comprometendo com uma redução para a taxa mínima, de 6%, ou para a taxa intermédia.

No entanto, ao Observador, fonte da direção social-democrata rejeita traçar cenários numa fase em que o Orçamento do Estado ainda está a ser negociado à esquerda, e lembra que as medidas de redução da carga fiscal previstas no programa eleitoral do PSD faziam parte de um pacote global que “encaixava” no cenário macro-económico traçado pelos sociais-democratas. Ou seja: “Não podemos desinserir uma proposta de âmbito fiscal face às outras”, limita-se a dizer a mesma fonte, alertando para o facto de que mexer numa peça sem mexer nas outras pode desequilibrar as contas. Em todo o caso, a redução do IVA no gás e na eletricidade, a par da redução de taxas nos escalões intermédios do IRS, da redução da taxa mínima do IMI e da redução gradual da taxa de IRC, fazem parte do leque de medidas que o PSD destacou como medidas de redução fiscal positivas e necessárias. E que pode vir a apresentar, em forma de propostas de alteração caso não constem na proposta do Governo. 

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Mais: o PSD reclama inclusive a paternidade da proposta de redução do IVA no gás e na eletricidade, sugerindo que foi o Bloco de Esquerda que foi atrás duma ideia sua. É o Bloco de Esquerda, contudo, quem tem o poder negocial, já que o PSD rejeita qualquer envolvimento no Orçamento do Estado, que é um instrumento de governação do Executivo em funções. Ou seja, só se pronuncia sobre qualquer medida do Orçamento do Estado quando tiver a proposta do governo na mão. Além de que os sociais-democratas estão escaldados com o episódio do descongelamento das carreiras dos professores que os colocou na fotografia ao lado da esquerda radical, num erro que foi assumido pela direção e apontado como um dos principais fatores que prejudicou o partido nas eleições europeias (que ocorreram quando o tema ainda estava fresco).

Mas o Bloco de Esquerda, que está sentado à mesa das negociações com o Governo, não está disposto a abdicar da redução do IVA na eletricidade e, esta semana, voltou a pôr o tema em cima da mesa numa reunião com o ministro Mário Centeno. Já no fim de semana, a coordenadora do Bloco de Esquerda reiterava a promessa de se bater pela redução do IVA na energia dos atuais 23% para 6%.

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Em entrevista ao Diário de Notícias, Catarina Martins defendeu que a energia deve estar na taxa mínima para toda a gente, empresas e consumo doméstico, porque é um bem essencial. “Estamos a falar de uma medida que teria um impacto em toda a gente que vive neste país, muito grande e muito positivo para a economia porque quanto menos se pagar pela luz ou pelo gás, mais fica de salário e de pensão”, disse.

O próprio Bloco de Esquerda sabe que isso implica um impacto orçamental entre de cerca de 600 milhões (ou ainda maior se juntarmos o gás natural), mas tem vindo a alertar para o facto de haver outras vias possíveis de aumento da receita fiscal para mitigar o esforço, como é o caso da proposta de criação de uma contribuição extraordinária para as rendas excessivas na energia. Acabar com as rendas excessivas na energia é, de resto, também uma proposta que constava do programa eleitoral do PSD.

Certo é que o discurso do Governo e do PS tem sido sempre o mesmo, evidenciando uma elevada resistência contra esta descida do IVA. Ainda há um ano, durante a preparação do Orçamento do Estado para 2019, o primeiro-ministro António Costa descartou a ideia. “Não me parece de todo comportável”, disse em outubro do ano passado em entrevista à TVI. Nas contas do Governo, uma descida da taxa de eletricidade para a taxa mínima representaria uma perda de receita na ordem dos 500 milhões, a que acresceria ainda o efeito da descida do IVA no gás natural, que faria aumentar esta conta.

A única conquista que Bloco de Esquerda e PCP tiveram nas negociações do último Orçamento do Estado neste campo foi uma redução da taxa de IVA na eletricidade de 23% para 6% nos contratos com potência contratada mais baixa, até 3,45 kVA. Esta medida abrangia apenas cerca de três milhões de consumidores e traduziu-se num impacto restrito na fatura final a pagar: menos de um euro por mês.