Depois do relatório sobre as dezenas de casos de abusos sexuais relatadas na diocese que dirigia, o bispo de Buffalo (Estados Unidos), Richard J. Malone, apresentou um pedido de renúncia ao cargo. O pedido já foi aceite pelo Papa Francisco, conforme nota do gabinete de imprensa do Vaticano.

O bispo tem sido duramente criticado pela forma como tem lidado com o escândalo dos abusos sexuais de menores por membros do clero,  conhecido no início de 2018. Malone, de 73 anos, sempre afirmou que se manteria à frente da diocese até completar os 75 anos, altura em que normalmente os bispos apresentam uma carta de renúncia ao Papa.

Segundo uma fonte ouvida pelo jornal The Buffalo News, nas reuniões que o bispo teve com o Papa e com outros membros do clero, ninguém terá exigido a saída do bispo, mas todos terão concordado que seria o melhor para a diocese. O próprio bispo, numa carta aos fiéis esta quarta-feira, disse que fez tudo o que lhe era possível, mas que “ainda existem divisões e feridas” e que se sente “incapaz de juntar e curar”.

Dezenas de crianças abusadas sexualmente na diocese de Buffalo

Em fevereiro de 2018, Norbert F. Orsolits, um padre reformado, disse ao Buffalo News ter abusado de dezenas de rapazes. Vieram, depois, a público outros casos de abuso sexual de crianças por outros padres, e várias notícias de aleagado encobrimento. A diocese já pagou, desde então, 17,5 milhões de dólares (cerca de 16 milhões de euros) a 106 vítimas a título indemnizatório e enfrenta, ainda, mais 220 processos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Vaticano ordenou então que a diocese de Buffalo fosse investigada por Nicholas DiMarzio, bispo da diocese de Brooklyn. Di Marzio entregou o relatório no início de novembro, mas as conclusões ainda não foram tornadas públicas. O próprio bispo de Brooklyn, por seu turno, foi acusado do alegado abuso de uma criança de 11 anos, nos anos 1970, em Nova Jérsia, mas DiMarzio nega a acusação, revelou o jornal The New York Times.

Os abusos sexuais de menores e o encobrimento pela diocese também estão a ser investigados pelo FBI e Ministério Público americano.

Há cerca de três semanas, durante o mês de novembro, o bispo de Buffalo reuniu-se com o Papa Francisco, em Roma, para discutir o escândalo dos abusos sexuais. E, embora continuasse a negar publicamente a intenção de renunciar, o bispo consultou outros membros do clero sobre a possibilidade de apresentar a carta de renúncia ao Papa, revelou o jornal The Buffalo News.

Malone não terá estado envolvido nos abusos sexuais nem no seu encobrimento, que aconteceram muitos anos antes de ter assumido a diocese em 2012, mas a forma como tem lidado com a situação fez com que grupos de católicos, dentro e fora de Igreja, pedissem a sua demissão. “Na tentativa de defender o sistema que existia e de forma a perpetuar o secretismo sobre isso, acabou por ficar marcado com tudo isso”, disse John J. Hurley, presidente do Colégio Canisius, citado pelo Buffalo News.

Um secretismo que passou por esconder ficheiros sobre os padres abusadores — só 42 foram oficialmente revelados de uma lista de 117 — e mostrar relutância em afastar um dos padres a quem chamava “cachorro doente”, noticiou o jornal The New York Times.

Bispo diz-se incapaz de promover a reconciliação com a diocese

Esta quarta-feira, o bispo dirigiu-se aos fiéis lamentando os casos de abuso e falando daquilo que tentou fazer. “Trabalhei diligentemente com meus irmãos sacerdotes e diáconos, assim como com muitos profissionais leigos talentosos, para aprovar novas políticas e procedimentos que tivessem o potencial de reconstruir a confiança de nossos fiéis católicos e de toda a comunidade comunidade”, escreveu.

Malone destacou, na carta, que foram feitos muitos progressos para criar um ambiente seguro para as crianças. “É importante notar que durante meu mandato, não houve um único sacerdote desta diocese ordenado na últimos 30 anos que tenham sido acusado de abuso sexual infantil”, acrescenta.

Antes de terminar a carta, o bispo justifica a sua saída com a incapacidade de conseguir criar de novo uma união à volta da sua igreja. “Apesar do progresso mensurável que alcançamos juntos, concluí após muita oração e discernimento, que o bem-estar espiritual do povo da diocese de Buffalo estarão mais bem servidos por um novo bispo que talvez seja mais capaz de promover a reconciliação, cura e renovação que é tão necessária.”

Richard Malone teve acesso às conclusões da investigação de Nicholas DiMarzio e depois disso apresentou a carta de renúncia, disse a diocese em comunicado. O bispo admite que as conclusões foram consideradas na sua reflexão, mas a decisão de se reformar mais cedo foi tomada de livre e espontânea vontade.