O secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, esteve em Portugal. O motivo oficial da viagem era o encontro bilateral com o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva. Mas, se dúvidas restassem sobre a possibilidade de o encontro prévio à última hora arranjado com Benjamin Netanyahu ofuscar a reunião de Pompeo com Santos Silva, a conferência de imprensa após o encontro deixou-o mais claro.

Nas únicas duas perguntas que os jornalistas puderam fazer, uma delas foi mesmo sobre a política de ambos os países face aos colonatos israelitas na Cisjordânia e o desejo do primeiro-ministro israelita de anexar o Vale do Jordão. O ministro dos Negócios Estrangeiros explicou que o assunto não foi sequer abordado, devido aos “posicionamentos diferentes” de Portugal e EUA nesta matéria. E o nome de Netanyahu, com quem Pompeo se reuniu na noite anterior e que irá encontrar-se com António Costa esta quinta-feira, não foi sequer pronunciado.

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“Não partilhamos da posição norte-americana sobre os colonatos israelitas”, sublinhou Augusto Santos Silva, já que Portugal está alinhado com a posição da União Europeia, que considera os colonatos contrários ao Direito Internacional. “Mas é claro que uma das razões pelas quais o nosso encontro foi tão produtivo foi porque nos focámos nos assuntos em que convergimos e nos temas em que ambos podemos acrescentar valor.” Ou seja, a discussão sobre a recente posição tomada por Pompeo e o seu departamento de Estado, de deixar de considerar os colonatos ilegais, não foi sequer abordada.

Isto apesar de Pompeo ter aproveitado a passagem por Portugal para se encontrar com Netanyahu, num encontro de hora e meia que terminou “sem resoluções ou passos concretos”, como analisou o jornal israelita Haaretz — os jornalistas portugueses foram impedidos de participar na conferência de imprensa com o secretário de Estado e o primeiro-ministro israelita, à beira de uma nova campanha eleitoral e a braços com acusações formais por crimes de corrupção, fraude e abuso de confiança.

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O Médio Oriente ficou por isso à porta da reunião entre Pompeo e Santos Silva, mas quem parece ter entrado de rompante foi a China. O diferendo não é novo: Washington já deixou claro que não vê com bons olhos o acordo assinado entre a tecnológica chinesa Huawei e a portuguesa Altice e Pompeo reforçou agora o tema.

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“O 5G traz risco quando há redes não confiáveis e é necessário avaliar o risco dos investimentos chineses. O Partido Comunista Chinês não hesitará em usar todas as ferramentas de que dispõe para assediar outros países”, avisou Mike Pompeo na conferência de imprensa.

Isto não é apenas sobre uma única empresa”, acrescentou Pompeo, referindo-se à Huawei. “As lideranças na Europa têm a responsabilidade de garantir que a informação dos seus cidadãos está segura.”

Já Augusto Santos Silva relembrou que Portugal tem investimento chinês — corrigindo mesmo o tradutor, que substituiu a expressão “importante investimento” por “muito investimento” —, a par de investimento vindo de outros países como França, Alemanha ou os próprios Estados Unidos e que todos eles “têm cumprido as regras europeias”.

“Quando lançamos concessões sobre serviços públicos fazemo-lo de forma aberta, transparente,competitiva e de acordo com a regulação europeia”, sublinhou o ministro dos Negócios Estrangeiros, dando como exemplo o concurso para o segundo terminal de contentores do porto de Sines: “Esperamos que muitas empresas, incluindo dos EUA, se apresentem a esse concurso”, afirmou, num sinal para a diplomacia norte-americana. Mas deixou a garantia de que Portugal irá sempre manter os interesses económicos subordinados “à ordem política democrática” e aos “interesses de segurança nacional”, incluindo na rede 5G.

O encontro entre os dois chefes da diplomacia centrou-se noutros pontos de convergência como as áreas de defesa e investimento económico e científico. Santos Silva destacou a manutenção do acordo da Base das Lajes e Pompeo aproveitou para sublinhar o compromisso português de aumentar o investimento na NATO para 2% do PIB — uma exigência que Donald Trump tem repetido junto dos aliados da aliança atlântica. No campo económico, o ministro dos Negócios Estrangeiros aproveitou para informar o pedido de estatuto de observador na CPLP feito pelos norte-americanos, explicando que tal deve ficar formalizado no próximo encontro do grupo, ainda este mês.

A nível de política externa, o secretário de Estado norte-americano agradeceu a Portugal “o apoio ao povo venezuelano e ao seu líder Juan Guaidó”, já que Portugal, a par de Espanha, foi dos países europeus que mais se empenharam em apoiar Guaidó face a Nicolás Maduro, na disputa de poder interna que divide o país, onde residem milhares de cidadãos portugueses. Mas sobre outras matérias de política externa, como a instabilidade no Médio Oriente e as manifestações no Irão, que Pompeo abordou com Netanyahu, não parece ter havido nem uma palavra.