(Em atualização)

A Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou esta quarta-feira os dois artigos de acusação a Donald Trump, que podem levar ao impeachment (impugnação) do presidente norte-americano. Esta é a terceira vez que um Presidente dos EUA enfrenta o julgamento no Senado.Em causa estão duas acusações: abuso de poder e obstrução do funcionamento do Congresso. No final da votação, os democratas preparavam-se para aplaudir os resultados, mas a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, silenciou-os de imediato. Disse que o impeachment era um momento triste, mas que Trump “não deu outra opção”.

Donald Trump já reagiu aos resultados durante uma ação de campanha na cidade de Battle Creek, no estado norte-americano do Michigan. “Enquanto criamos empregos e lutamos pelo Michigan, a esquerda radical do Congresso é consumida pela inveja, ódio e raiva, vejam o que está a acontecer”, disse. “Os democratas estão a tentar cancelar os votos de dezenas de milhões de americanos”, prosseguiu. Antes, enquanto decorria a votação, o presidente norte-americano fez um longo discurso: “Não parece que estamos a ser destituídos”, disse, tecendo uma série de elogios à sua presidência. “Esta destituição partidária fora de lei é uma marcha política para o suicídio do Partido Democrata”, acrescentou. Enquanto na rede social Twitter dizia que a “esquerda radical só dizia atrocidades” e que os discursos dos democratas eram um “assalto à América e um assalto ao Partido Republicano”.

Entretanto, via Twitter, Trump começou a disparar publicações: “100% de votos republicanos. É disso que as pessoas estão a falar. Os republicanos estão mais unidos que nunca”, começou por dizer numa publicação, horas depois de os congressistas terem votado, esta quarta-feira, na Câmara dos Representantes (em que o Partido Democrata tem a maioria), as duas acusações contra Trump no processo de destituição, relacionado com os contactos do presidente com o governo ucraniano. Depois publicou mais uma série de tweets, em que fala em “PERSEGUIÇÃO PRESIDENCIAL”, recorrendo a maiúsculas, e critica o facto de os artigos votados não serem imediatamente enviados para o Senado, como já anunciou Nancy Pelosi.

O artigo referente à primeira acusação — abuso de poder — foi aprovado com 230 votos a favor e 197 contra. Já o segundo artigo, referente à acusação de obstrução do funcionamento do Congresso, foi aprovado com 229 votos a favor e 198 contra.

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Os republicanos votaram todos contra. Já dos 232 democratas presentes só houve três exceções à maioria que votou a favor dos artigos de impeachment: o congressista Jared Golden, do Maine, votou a favor da acusação de abuso de poder e contra a obstrução ao congresso e Jeff Van Drew, de Nova Jérsia, e Collin C. Petterson, do Minesota, votaram contra os dois artigos. Este resultado também motivou a reação de Trump durante o comício em Battle Creek: “Vejo que todos os republicanos votaram a nosso favor. Uau! Não perdemos nenhum voto republicano e três democratas votaram a nosso favor.”

Chegou a pensar-se que Ron Kind, democrata do Wisconsin, faria o mesmo, mas acabou por votar a favor das duas acusações. Aos votos favoráveis dos democratas juntou-se ainda o do independente, que deixou o partido republicano no verão, Justin Amash, informa o The New York Times.

Na votação houve também uma abstenção, ou seja, um congressista que revelou não ser nem a favor nem contra a destituição do presidente e também foi do lado dos democratas. Tratou-se de Tulsi Gabbard, eleita pelo Hawai, que declarou estar ao centro da decisão, por isso votaria “Present”.

Faltou, no entanto, o voto de três congressistas: dois republicanos e um democrata. Entre os republicanos está Duncan Hunter, o congressista da Califórnia acusado de desvio de fundos da campanha e aconselhado pelo conselho de ética a não votar, e John Shimkus, de Illinois, que foi visitar o filho à Tanzânia e que não pretende recandidatar-se. Do lado dos democratas falhou o voto de José Serrano, de Nova Iorque, que decidiu afastar-se depois de um diagnóstico de Parkinson.

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O que vai acontecer agora?

Segundo o The Guardian, a presidente Nancy Pelosi tem agora que nomear uma equipa de procuradores do impeachment para defender o caso contra o presidente norte-americano Donald Trump que começará ainda em janeiro. Os principais candidatos parecem ser Adam Schiff, eleito pelo 28.º círculo eleitoral da Califórnia e presidente do Comité de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes, presidente do comité de inteligência;  Jerry Nadler, presidente do judiciário e Justin Amash, o independente de Michigan que rompeu com o partido republicano por causa de Trump.

O dossier do impeachment deve ser entregue o mais rapidamente possível, no entanto houve já algumas vozes críticas de Trump que pediram a Pelosi que não o fizesse já. Aliás, logo após a votação, a própria Pelosi foi evasiva quanto à data de entrega, referindo que primeiro quer assegurar que Trump será alvo de um julgamento “justo”.

O presidente norte-americano será depois julgado no Senado pelas acusações agora aprovadas. Mas, aí, é preciso que uma maioria de dois terços dos senadores considerem Trump culpado para que o presidente seja destituído e afastado do cargo. Nesta câmara, porém, o Partido Republicano detém a maioria dos senadores, o que torna mais difícil que o sentido de voto seja o mesmo da Câmara dos Representantes.

O Presidente será instado a apresentar-se no Senado para responder às acusações contra si formadas. Pode recusar (o que equivale a uma declaração de inocência da sua parte) ou então pode estar presente.

O funcionamento do julgamento pode depender fortemente das regras anteriormente estabelecidas. Porém, de acordo com o The New York Times, logo ao início, o caso pode ser arquivado, se assim for solicitado por qualquer um dos senadores. Para tal, bastaria uma maioria naquela câmara, que é composta por 100 parlamentares.

Se o julgamento seguir em frente, caberá aos procuradores designados pela Câmara dos Representantes fazer a acusação e a Casa Branca procurará defender o Presidente com advogados de defesa. Cada um dos lados fará as suas exposições iniciais, seguindo-se questões colocadas pelos senadores. É nesta fase que tanto a defesa como a acusação poderão chamar testemunhas — existindo a possibilidade de o Senado colocar um limite a essas convocatórias.

Seguem-se as alegações finais, a deliberação dos procuradores e, por fim, a votação. No entanto, Donald Trump pode, para já, respirar de alívio. Para ser condenado no Senado e efetivamente afastado do poder, Trump teria de ser considerado culpado por dois terços do Senado — isto é, 67 deputados. O facto é que, de momento, não há condições políticas para tal desfecho.

O terceiro presidente a caminho da destituição

Donald Trump é o terceiro presidente norte-americano que enfrenta o pedido de destituição por parte da Câmara dos Representantes. Em nenhum dos outros casos os presidentes foram depois afastados do cargo e acabaram ilibados. Bill Clinton passou pelo mesmo em 1999 e, mais de um século antes, já o presidente norte-americano Andrew Johnson — chegado ao poder após o homicídio de Abraham Lincoln —  também tinha enfrentado um processo de impeachment. Richard Nixon livrou-se de um, porque se demitiu antes.

Bill Clinton foi um dos dois presidentes alvo de um processo de impeachment que acabou por ser absolvido no julgamento do Senado

O caso de Bill Clinton foi votado pela Câmara, com uma maioria republicana, a 8 de outubro de 1998 e resumia-se a dois crimes: mentir sob juramento e obstrução à justiça. Tudo por causa de um relacionamento que tinha mantido com uma ex-estagiária da Casa Branca, Monica Lewinsky. Clinton e Lewinsky teriam mantido uma relação entre 1995 e 1997, mas só um ano depois o caso se tornou público.”Eu não tive relações sexuais com essa mulher”, insistiu o então presidente que acabou por ser investigado. A Câmara dos Representantes acabaria por votar pela sua destituição, mas em julgamento no Senado Clinton acabaria absolvido quatro meses depois, com 55 votos a favor e 45 contra, mas sem os 67 que chegariam aos dois terços, como a lei exige.

O único caso registado antes de Clinton ocorreu mais de um século antes, após a Guerra Civil. Corria o ano de 1868 quando a Câmara dos Representantes abriu o processo contra o então presidente Andrew Johnson, que sucedeu a Abraham Lincoln. Motivo: o democrata tentara substituir Edwin M. Stanton, o secretário da Guerra de Lincoln, por general Ulysses S. Grant e depois pelo major-general Lorenzo Thomas. Ainda assim foram 11 os artigos votados que o levaram a ser julgado pelo Senado, mas só um ficou provado. O presidente acabaria por não ser destituído por um voto.

Já a 30 de outubro de 1973, a Câmara dos Representantes (maioria democrata, assim como o Senado) abriu um processo de impeachment contra o presidente republicano Richard Nixon pelo caso. Mas assim que foi chamado a divulgar todas as suas conversas relacionadas com o caso, Nixon anunciou a demissão a 9 de agosto.

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