Em cima de um palanque, o Sr. Mendonça tentava vender uma grande panela. “Loiça de cobre antiga!”, garantia entusiasticamente a quem se tinham reunido no interior do restaurante Irmãos Unidos para assistir ao leilão do seu recheio. O estabelecimento, em funcionamento na Praça D. Pedro IV desde meados do século XIX, tinha anunciado que ia fechar portas há menos de um mês. Ninguém sabia porquê: “Como foi possível deixar ir abaixo um negócio destes com uma tal localização? Pois se havia sempre tanto movimento…”, eram algumas das perguntas de quem assistia ao leilão naquela tarde chuvosa de 14 de janeiro de 1970. Sabia-se apenas que o espaço, que ocupava o número 112, tinha sido comprado pela Camisaria Moderna, que ficava ao lado e que até há pouco tempo continuava a funcionar no Rossio.

Depois da panela, vendeu-se um lote de 44 peças de loiça. Antes já se tinham leiloado as cadeiras e as mesas. Chico Carreira, figura popular do Parque Mayer, ficou com os panelões. Mas a estrela do leilão, realizado pela firma Soares & Mendonça Lda., não eram as chávenas, os pratos ou o grande fogão de cozinha, mas um quadro encomendado pelo proprietário 15 anos antes — um retrato de Fernando Pessoa pintado por José de Almada Negreiros. Foi por causa dele que o espaço, encerrado desde 31 de dezembro, se encheu. E foi por causa dele que o leilão dos Irmãos Unidos fez notícia nos jornais no dia seguinte — a pintura a óleo foi vendida por 1.350 contos, um valor nunca antes oferecido por uma obra de um pintor português vivo.

O restaurante centenário que viu nascer Orpheu

A história dos Irmãos Unidos começou no século anterior. Num artigo sobre o seu encerramento, o jornal O Século contava-o entre os velhos cafés da Baixa lisboeta, que estavam a desaparecer para dar lugar a “hieráticos átrios bancários”, “forçando os intelectuais e a sua clientela a uma resignada mudança”. Este “cafezinho tristonho de um Rossio alegre”, referido por Camilo Castelo Branco no romance Vingança (1858) e por Fialho de Almeida nas suas crónicas lisboetas (1890), teria sido criado na década de 1850 (O Século apontava, contudo, a de 1930), pelos irmãos Florêncio e José António Abril, galegos de Pontevedra. De Florêncio e José, os Irmãos Unidos passaram para António Venâncio Guisado — casado com a filha do primeiro, Benedicta Abril González — e para o filho deste, António Guilherme Guisado. Nunca foi “um grande centro de reunião alfacinha”, dada a sua ligação à comunidade galega na capital.

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Era António Guilherme Guisado que tomava conta do café-restaurante quando este fechou portas no último dia de 1969 para que a Camisaria Moderna pudesse alargar o seu espaço para a porta ao lado. Os cerca de 30 funcionários foram dispensados “a dois dias do prazo, com a respetiva indemnização”. Os nove empregados de mesa, alguns com 30 anos de casa, só ficaram a saber do fim dos Irmãos Unidos a 31 de dezembro, sendo-lhes pedido que voltassem no dia 12 para acertarem contas. A “indemnização devida” levantava “problemas” porque eram “necessários difíceis cálculos de percentagens”, explicava O Século a 3 de janeiro de 1970, lamentando as dificuldades de pagamento a quem tinha “casa, mulheres, filhos, rendas a pagar obrigatoriamente no dia 8”. 

O restaurante-café Irmãos Unidos abriu portas no final do século XIX. Ficava no prédio do Francfort Hotel, no Rossio (Fonte: Col. Estúdio Mário Novais I FCG –Biblioteca de Arte)

Era também António que geria o espaço no Rossio quando foi realizada uma grande obra de remodelação (“para pior, na ambiência geral”, garantia O Século) e encomendada uma pintura a José de Almada Negreiros. António nunca disse a Almada exatamente o que pretendia. “Não me encomendaram o assunto, só me encomendaram um quadro”, admitiu o artista no dia em a pintura foi a leilão. “Fiz duas tentativas, mas excediam o orçamento. Por fim, ficou o Fernando Pessoa”, disse ao Século.

Almada pintou o retrato no verão de 1954, na casa de Bicesse, no Estoril. José, o filho mais velho, preparava-se para entrar na Escola das Belas-Artes. “O José pintou-o no quintal, num sítio onde a luz coada pela ramagem era linda”, contou Sarah Affonso, mulher do artista, ao Notícias Ilustrado, comentando que a “iluminação” dos Irmãos Unidos era “horrível, não acha?”. Em troca, recebeu 30 contos, pagos em três prestações de 10 — um valor muito inferior ao que foi atingido durante o leilão de 14 de janeiro de 1970.

A obra foi pendurada numa das paredes do restaurante, junto a uma placa de mármore cinzento que assinalava o local onde os membros do Orpheu se costumavam reunir. Esta dizia:

“Aqui com: Fernando Pessoa, José Pacheco, Luís de Montalvor, Mário de Sá-Carneiro, Alfredo Guisado, Armando Côrtes-Rodrigues, José de Almada Negreiros. Estando ausentes: Eduardo Guimaraens e Ronald de Carvalho. Surgiu para a publicidade a luz de Orpheu iluminando os novos caminhos da Poesia, em março de 1915”.

António Guilherme Guisado era irmão de Alfredo Pedro Guisado (que tinha nascido ali mesmo, no prédio dos Irmãos Unidos), um dos membros fundadores da revista modernista que, com os seus dois únicos números, conseguiu abalar profundamente a vida da pacata capital portuguesa. Apesar de frequentarem outros cafés da Baixa lisboeta, como a Brasileira do Rossio ou o Montana, tantas vezes referidos por Mário de Sá-Carneiro nas cartas para Pessoa, os Irmãos Unidos eram o principal local de reunião do grupo. Isto porque Guisado, que não tinha ainda entrado para a faculdade (licenciou-se em Direito), trabalhava lá. O próprio assim o admitiu numa entrevista concedida à revista da Sociedade de Escritores e Compositores anos mais tarde.

A afirmação de Guisado de que era no restaurante da sua família que o Orpheu se costumavam encontrar é sustentada por correspondência e pelo testemunho de outros membros do grupo. Num bilhete-postal enviado a Fernando Pessoa a 29 de janeiro de 1915, antes do lançamento do número 1 da revista, Sá-Carneiro apelou ao amigo que aparecesse na noite do dia seguinte, um sábado, “no restaurante dos Irmãos Unidos” porque precisava urgentemente de lhe falar. A missiva é assinada por si e por Guisado, que acrescentou por baixo da assinatura do autor de Indícios de Oiro as palavras “não se esqueça”. Pessoa era famoso por faltar aos compromissos e por desaparecer durante vários dias.

“Pedia-lhe muito meu querido Fernando (e o Alfredo Guisado também muito lhe roga) para aparecer amanhã sábado à noite no restaurante dos Irmãos Unidos. Eu tinha muito que lhe falar. Pedia-lhe pois intensamente para que aparecesse sem falta. É claro, excetuando o caso de ser pesado sacrifício. Por mim conto aparecer às 10 ½. Até amanhã então, não é verdade?”, apelou Mário de Sá-Carneiro.

Os membros do Orpheu deixaram de se encontrar nos Irmãos Unidos pouco antes da saída do número 2 da revista, em finais de junho de 1915, depois de um grupo de atacantes ter invadido o restaurante do Rossio com a intenção de agredir os modernistas. O primeiro número da publicação foi recebido com grande escândalo, com muitos jornais lisboetas a criticarem abertamente os seus autores, acusando-os de serem “maluquinhos” e de a sua poesia ser “literatura do manicómio”. O golpe, contudo, saiu falhado — os agressores só encontraram Alfredo Guisado e decidiram optar por uma retirada pacífica. 

O bilhete-postal de 29 de janeiro de 1915 em que Sá-Carneiro pedia a Pessoa que aparecesse nos Irmãos Unidos, onde o aguardava com Alfredo Guisado. A carta foi enviada para um dos escritórios em que o poeta trabalhava (Fonte; BNP/Espólio 3)

A partir dessa altura, as reuniões dos “autores de Rilhafoles” começaram a fazer-se no café Montana, que ficava nos números 74 a 80 da antiga Rua do Arco do Bandeira (atual Rua dos Sapateiros). Diz a lenda que foi neste café que Pessoa, Sá-Carneiro e Montalvor começaram a discutir a possibilidade de publicarem uma revista trimestral. O espaço encerrou em 1952.

O retrato que devia ser comprado, a instituição que não o comprou e a réplica que é afinal um espelho

Em 1964, cinco anos antes de o restaurante Irmãos Unidos do Rossio fechar as portas, Almada Negreiros executou um segundo retrato de Fernando Pessoa a pedido da Fundação Calouste Gulbenkian. A pintura, que ainda hoje faz parte da coleção do museu da instituição, não é uma cópia exata, mas um espelho da original. As duas estiveram expostas no mesmo espaço em 2017, quando a Gulbenkian organizou uma grande exposição dedicada às diferentes facetas do artista.

O retrato da Fundação Gulbenkian foi executado numa altura em que “alguns dos principais colecionadores de arte” se teriam mostrado interessados em adquirir a pintura dos Irmãos Unidos. Segundo noticiou o suplemento de artes e letras do Diário de Notícias de 25 de junho de 1964, existiria uma preocupação relativamente à conservação da obra: “Se pensarmos no que sucedeu aos painéis da ‘Brasileira do Chiado’, presentemente inutilizados por se encontrarem sem devido resguardo, o retrato de Fernando Pessoa, uma das obras decisivas da pintura portuguesa contemporânea, hoje com proteção internacional, deverá ali permanecer ou deverá recolher a um recinto em que esteja devidamente protegido?”, questionava o jornal lisboeta.

O segundo retrato de Fernando Pessoa foi pintado por Almada Negreiros para a Fundação Calouste Gulbenkian. Aqui surge durante a montagem da exposição dedicada ao artista, em 2017 (HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR)

O Diário de Notícias não revelava quem seriam os “principais colecionadores de arte” interessados na pintura de Almada Negreiros mas, por altura do leilão dos Irmãos Unidos, um outro jornal, O Século, adiantava, ao dar conta da não comparência da Gulbenkian no evento, que a fundação tinha tentado adquirir o retrato de Fernando Pessoa de 1954 e que o negócio não se tinha concretizado por esta “não concordar com os 400 contos que os proprietários do restaurante então teriam pedido”. O que se sabe é que a encomenda do segundo retrato foi feita depois de Almada ter ganho o prémio extra do concurso da I Exposição de Artes Plásticas, em 1957, com quatro pinturas abstratas que fazem parte da coleção do museu da Gulbenkian. Pelo espelho do Pessoa do restaurante do Rossio, o artista recebeu 200 contos, um valor inferior ao que teria sido pedido pelos proprietários dos Irmãos Unidos, segundo O Século.

14 de janeiro de 1970, o dia de “um dos mais emocionantes leilões do nosso tempo”

Almada Negreiros foi um dos muitos curiosos que se reuniram nos Irmão Unidos para assistir ao leilão, descrito pelos jornais da época como um evento único. O Diário de Notícias chamou-lhe “um dos mais emocionantes” do “nosso tempo. Comovente, porque em causa não estava uma jóia rara ou o valor material desejado por meia dúzia de endinheirados. O objeto em leilão era de natureza fortemente espiritual. Uma obra de arte”.

Para chamar a atenção do público (se é que isso era mesmo necessário), o evento tinha sido anunciado nos jornais: nesse mesmo dia, no Diário de Notícias, foi publicado um anúncio do “leilão de toda a existência de móveis, utensílios e quadros a óleo, destacando-se o famoso retrato de Fernando Pessoa da autoria do mestre Almada Negreiros, que fazem parte do recheio do antigo e conhecido restaurante Irmãos Unidos sito no Rossio, n.º 112”. Além da pintura mostrando Pessoa sentado a uma mesa com papel e caneta, um café, um cigarro numa das mãos e um exemplar do número 2 do Orpheu, com a sua característica capa negra, iam ser leiloadas três telas, de Júlio Teixeira Bastos e António Francisco Baeta.

A venda começou às 15h como anunciado nos jornais pela agência Soares & Mendonça, com sede no Bairro Alto, e à medida que a hora do leilão do quadro de Pessoa se aproximava, o espaço ia-se enchendo. À entrada do restaurante, tinha sido colocado um cartaz e uma bandeira. “Mas isto está a tornar-se numa sensação!”, comentava Sarah Affonso. Ao Notícias Ilustrado, Almada, que tinha estado doente e que tinha muito trabalho em mãos, admitiu que só se tinha deslocado até ao Rossio para acompanhar a mulher. “Isto emociona-me muito. Se houvesse um café para tomar…” Mas não havia — o leilão também incluía a máquina de café dos Irmãos Unidos, da marca Pavoni.

O interior dos Irmãos Unidos no final de 1938 (ARQUIVO DN)

Às 17h em ponto, Hermínio Mendonça, o pregoeiro e um dos proprietários da Soares & Mendonça, colocou-se ao lado do quadro com as câmaras da RTP apontadas à sua cara. Parecia pequeno junto de Pessoa (a obra mede dois metros de altura por dois de largura), que olhava para o outro lado enquanto tomava a bica. Antes de dar voz aos interessados, o sr. Mendonça leu em voz alta uma carta do Ministério da Educação Nacional, em que se explicava que o retrato de Pessoa tinha sido inventariado e que, por essa razão, não poria ser vendido “sem autorização prévia” ou levado para fora de Portugal:

“Excelentíssimos senhores,

Para os devidos efeitos, comunico a vossas senhorias que nos termos no N.º 112 do parágrafo 1.º do artigo 119 do decreto 16399, de 22 de maio de 1965, foi por despacho ministerial mandado inventariar o retrato do poeta Fernando Pessoa da autoria de Almada Negreiros que se encontra nesse restaurante. Nessas circunstâncias, a devida peça não poderá ser negociada sem prévia autorização deste ministério nem levada para fora do país”.

“Isto está avaliado em mil contos, agora ofereçam!”, anunciou. “Mil contos?!”, exclamou incrédula da audiência uma senhora, obrigando o pregoeiro a explicar que se tratava apenas de uma avaliação, que podiam oferecer o que bem entendessem. E se se começasse por quinhentos contos? Era ainda excessivo. Ficou combinado que se começaria por 30 contos — o valor que Almada recebeu quando pintou o retrato. Apesar da resistência inicial, em menos de três minutos, a pintura atingiu os 610 contos, com os lances sucederam-se em ofertas de 30 e de 50 contos, tão rapidamente que o sr. Mendonça mal os conseguia acompanhar. “700 contos! 800 contos! 1.000 contos!” Do lado de fora do café-restaurante, Almada, de sobretudo escuro e boina preta, ia sabendo dos montantes envolvidos por um amigo que, do lado de dentro, lhe transmitia os números por gestos. “Mas o gesticular do amigo não cessava. E em breve não chegariam todos os dedos das mãos para informar devidamente o autor do retrato de Fernando Pessoa”, comentou o Diário de Notícias.

Depois da saída de Madame Ortega (que, segundo O Século, se dizia representar “um determinado museu português”) que abandonou a disputa quando o quadro atingiu os 1.000 contos, o leilão passou a envolver apenas três concorrentes — o antiquário Pereira Coutinho, o engenheiro Duarte Silva (que o queria para a sua coleção privada e que aguentou até aos 1.250 contos) e o também antiquário e comerciante de arte Joaquim Mitnitsky. Os restantes acabaram por se retirar. O Retrato de Fernando Pessoa acabou por ser arrematado por Mitnitsky por 1.350 contos, um valor recorde para uma obra de um pintor português vivo. Vinte anos antes, O Grupo do Leão, a famosa pintura de Columbano Bordalo Pinheiro que retrata figuras do mundo artístico lisboeta do final do século XIX, tinha sido vendida por 400 contos ao Ministério da Educação, por altura do encerramento do Leão d’Ouro, para onde tinha sido pintado. Desta vez, contudo, o Estado não mostrou qualquer interesse em adquirir “uma obra fundamental da moderna pintura portuguesa, até pelo que tem de evocativa de um movimento de profunda renovação no quadro da pintura portuguesa”, apontou o Diário de Notícias — nenhum representante se deslocou até ao Rossio.

O retrato de Fernando Pessoa pintado por Almada Negreiros encontra-se hoje na Casa Fernando Pessoa, atualmente fachada para obras (Fonte: Casa Fernando Pessoa)

Joaquim Mitnitsky, dono da firma Decorações Mitnitzky, “uma cara conhecida destes ambientes”, desapareceu assim que o negócio foi fechado (e nem no seu escritório foi possível encontrá-lo depois, garantiu o Notícias Ilustrado), deixando no ar a sensação de que não pretendia ficar com o quadro. Almada também desapareceu, refugiando-se num estabelecimento vizinho em busca de um café. Quando o abordavam sobre a sua obra, dizia não sentir orgulho nem vaidade, porque considerava o valor atingido “uma vitória de todos os portugueses. A mim, faz-me supor que, afinal, alguma coisa fiz pela cultura do nosso país. Gostaria de dizer ao comprador que julgo não conhecer quanto me comoveu este seu ato…”

Além de utensílios de cozinha, lâmpadas fluorescentes e balanças automáticas da marca “Romão”, foi ainda colocada à venda, por engano, a placa de mármore que assinalava o nascimento do Orpheu. Só se deu conta do erro quando já tinha atingido os 10 mil escudos, sendo imediatamente retirada pelos sócios do restaurante, que pretendiam doá-la à Câmara Municipal de Lisboa para que pudesse integrar o museu da cidade, o que acabou por acontecer. O objeto integra ainda a coleção do Museu de Lisboa e, quando a Casa Fernando Pessoa, onde está atualmente depositada, reabrir após a conclusão das obras de reabilitação, voltará a estar exposta, 50 anos depois.

O leilão dos Irmãos Unidos prosseguiu até por volta das 21h. Almada deixou o local pouco depois de a sua pintura ser vendida, caminhando Rossio abaixo.

O retrato volta a ser vendido e Almada recebe uma compensação

O leilão ainda era tema de conversa nos cafés da Baixa lisboeta quando o Retrato de Fernando Pessoa voltou a ser comercializado. Joaquim Mitnitsky levou-o ao Salão de Antiguidades de Lisboa e foi aí que o vendeu ao banqueiro e colecionador Jorge de Brito, que o ofereceu, juntamente com uma pintura de Camões da autoria de António Soares, à Câmara Municipal de Lisboa. A assinatura do ato de doação aconteceu durante uma sessão solene no Salão Nobre dos Paços do Concelho. O autarca, o engenheiro Fernando Augusto Santos e Castro, que tinha assumido o cargo há apenas quatro meses, fez um pequeno discurso, anunciando que as pinturas iriam figurar no futuro Museu Municipal de Arte Moderna. Até lá, ficariam expostas nos Paços do Concelho.

O Retrato de Fernando Pessoa permaneceu no Salão Nobre até à sua integração no Museu da Cidade. Em 1988, foi alvo de uma intervenção de conservação e restauro levado a cabo pelo Instituto José de Figueiredo e, em 1993, passou  a integrar a coleção da Casa Fernando Pessoa, adiantou ao Observador este organismo. A Casa Fernando Pessoa abriu nesse ano no número 16 da Rua Coelho da Rocha, onde o poeta passou os seus últimos anos de vida. O edifício tinha sido adquirido pela Câmara de Lisboa três anos antes. A pintura começou por ser exposta na biblioteca “e, nos anos mais recentes, diante do varandim do primeiro andar”.

A placa que assinala o local de nascimento de Alfredo Pedro Guisado, no Rossio, é a única lembrança do local que viu nascer o Orpheu (JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR)

Pela sua venda no leilão dos Irmãos Unidos, Almada recebeu, em fevereiro de 1970, uma compensação de 228 mil escudos de António Guilherme Guisado. O artista morreu alguns meses depois, a 15 de junho. Alfredo Guisado, irmão de António e o último do grupo do Orpheu, morreu passados cinco anos, no final de 1975. A Camisaria Moderna, que funcionava no número 110 da Praça D. Pedro IV e que se estendeu até ao número 112 dos Irmãos Unidos, sobreviveu a todos eles e a muitas lojas e cafés centenários da Baixa de Lisboa. Ainda tinha as portas abertas quando se celebrou o centenário da revista modernista, em 2015. Encerrou um ano depois.

O quarteirão onde funcionava o restaurante dos Guisado, a Camisaria Moderna ou a Pastelaria Suíça está hoje muito diferente. Desde que foi comprado em 2018 por uma empresa espanhola chamada Mabel Capital, praticamente todas as lojas que davam para a Praça D. Pedro IV ou para a Praça da Figueira fecharam. Apenas a Casa da Sorte continua a funcionar na esquina com a Rua da Betesga. No edifício dos Irmãos Unidos, apenas uma placa comemorativa faz recordar os tempos dourados do Rossio: “No 4.º andar deste prédio nasceu em 30 de outubro de 1891 o poeta do ‘Orpheu’ Alfredo Pedro Guisado”.