“Uma das figuras mais marcantes do espaço público português em democracia”. É assim que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recorda o escritor Vasco Pulido Valente que morreu esta sexta-feira e quem considera ser um “génio analítico, que não poupava ninguém” — nem mesmo o próprio Presidente.

Como colunista, esteve quase sempre ‘às avessas’, para citar o título de um dos seus livros. Estrangeirado, pessimista, desalinhado, cáustico, era admirado como estilista mesmo por quem não partilhava das suas opiniões e humores. Tentou perceber Portugal, ‘país das maravilhas’ ao qual dedicou muitos sarcasmos mas também o trabalho, a atenção e o empenho de toda uma vida, à vista de todos. A tudo isso juntava um génio analítico, que não poupava ninguém“, lê-se na nota publicada no site da Presidência.

Marcelo lembra ainda que ele próprio “inúmeras vezes foi, ao longo da sua vida, objeto dessa impiedosa independência crítica, e que sempre admirou muito”. No final da nota, o presidente apresenta à família de Vasco Pulido Valente “as suas sentidas condolências”.

Morreu o escritor e cronista Vasco Pulido Valente, criador da “geringonça”

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Já António Costa reagiu ao final do dia na sua conta oficial de Twitter. “Portugal perdeu hoje um dos seus maiores cronistas da atualidade. Todos sentiremos falta da acutilância, da argúcia, até da irónica rispidez de Vasco Pulido Valente”, afirmou. Na sua mensagem, o primeiro-ministro referiu-se também à obra literária de Vasco Pulido Valente. “Sempre marcantes as suas palavras, desde o incontornável ‘O Poder e o Povo’, passando pelo pujante ‘Às Avessas’ e à força inteligente das suas crónicas e comentários. Os meus sinceros sentimentos à família”.

Também a ministra da Cultura, Graça Fonseca, lamentou a morte do escritor que considera ser “um dos intelectuais mais marcantes da vida pública portuguesa dos últimos cinquenta anos”. Num comunicado, a ministra lembra Vasco Pulido Valente também como um “historiador rigoroso, sem os excessos do academismo canónico” que “foi uma voz dissonante e um olhar lúcido e crítico da política e da sociedade portuguesa, que nunca procurou nem pediu consensos”.

Com uma escrita exemplar e limpa, os textos de Vasco Pulido Valente são um testemunho único sobre a nossa história, do período oitocentista e da Primeira República, do 25 de abril e da vida em democracia, fruto de um conhecimento muito profundo e sistematizado da realidade portuguesa”, lê-se.

Graça Fonseca recorda-o como “um crítico polémico e radical, até de si mesmo”, no seu trabalho enquanto cronista. “Mas nas suas palavras, que fizeram da exigência uma forma de nunca ceder, projeta-se uma forma de ver e entender Portugal que será memória perene do que somos, com o fio de pensamento e a argúcia de quem soube que a História era e será sempre maior do que os homens que a viveram”, lê-se no comunicado. Já na vida política, a ministra lembra que Vasco Pulido Valente, enquanto secretário de estado adjunto do Primeiro-Ministro do VI Governo Constitucional, com responsabilidade na área da cultura, contribuiu para a “formação dos alicerces da nossa democracia”.

O histórico socialista Vítor Ramalho recorda a “irreverência” de Pulido Valente e um homem que “nunca abdicou da sua própria liberdade”, tendo marcado, na sua perspetiva, o “período subsequente ao 25 de abril”. “A própria denominação com que ficou conhecido o primeiro Governo presidido por António Costa — geringonça — é da autoria dele, que depois entrou na gíria popular”, recorda à Rádio Observador.

Vítor Ramalho lembra a relação entre Vasco Pulido Valente e Mário Soares

Vítor Ramalho diz que o escritor “foi sobretudo um homem muito insubmisso, crítico do poder, mas de uma forma sempre efémera e nunca abdicando da sua própria liberdade e da sua posição crítica relativamente à própria sociedade”.

O eurodeputado do PSD, Paulo Rangel, fala em “enorme perda para a análise política portuguesa, para a historiografia portuguesa — especialmente do século XIX — , mas é também uma grande perda para a língua portuguesa”. “Talvez um dos melhores escritores, não no sentido novelista, mas de manuseamento, de domínio, de elegância no português são as crónicas e são os escritos — especialmente dos ensaios — de Vasco Pulido Valente”, diz à Rádio Observador, admitindo mesmo que não conhece “ninguém na esfera pública portuguesa que escrevesse um português tão perfeito, tão conciso, tão sintético e o mesmo tempo tão bem trabalhado”.

Paulo Rangel: “Uma enorme perda para a análise política”

Mudando de tema para a política, Paulo Rangel conta que “Vasco Pulido Valente ligou-se a duas pessoas em particular: uma foi Sá Carneiro — de quem foi aliás secretário de estado da Cultura — e outra foi Mário Soares — de quem foi conselheiro”. O eurodeputado explica depois que acredita que a “proximidade” que o escritor tinha com estas “duas grandes figuras” estava relacionada com o facto de eles “compreenderem que o seu juízo crítico” era “muito realista”. 

Paulo Rangel termina ainda recordando “um ou outro caso em que Vasco Pulido Valente usou a sua ironia corrosiva” consigo. “Recordo-me de um artigo em que ele faz um elogio a uma intervenção minha — a intervenção da claustrofobia democrática no 25 de abril de 2007”, lembra.

“Das pessoas mais geniais”, “tremendamente culto” e “aparentemente amargo”

Diretor de Vasco Pulido Valente no jornal O Independente, Henrique Burnay considera que o escritor e cronista que morreu esta sexta-feira “deve ter sido das pessoas mais geniais” com quem trabalhou. E justifica:

Era muito inteligente e muito livre. Era um homem que escrevia e dizia o que pensava, provocava não pelo gosto de provocar, mas pelo gosto talvez intelectual de provocar e de nos obrigar a pensar de maneira diferentes”.

Em declarações à Rádio Observador, Burnay lembrou ainda que “muitas vezes era comentado o facto de Vasco Pulido Valente não ser uma pessoa que estava sempre no mesmo sítio — mudou de opiniões”. Mas, para Burnay, isso “era nele, claramente, um sinal de inteligência“. “Ele era muito mais analítico do que um defensor de causas”, considera, acrescentando que isso o “obrigava a olhar as coisas dos vários ângulos”. “É daquelas pessoas que faz mesmo falta”, remata.

Duarte Bárbara, editor de Vasco Pulido Valente no mesmo jornal, diz mesmo que o escritor “era uma pessoa com quem era fácil de publicar porque era um autor no verdadeiro sentido da palavra”. E explica:

Não era uma pessoa que escrevia livros de vez em quando: era um historiador, era um cronista, era um profissional que gostava do contacto e de conversar com os editores, no sentido de melhorar o seu trabalho”.

Duarte Bárbara considera Pulido Valente “uma pessoa que cuidava bastante daquilo que escrevia”. “Era muito exigente com os outros, mas sobretudo consigo próprio e com o seu trabalho. É uma grande perda, para a historiografia portuguesa e também enquanto grande cronista”, lamenta.

Pedro Boucherie Mendes, também trabalhou com Pulido Valente no Independente e recorda-o como “um homem tremendamente culto, aparentemente amargo e crítico e até cruel às vezes, mas que tinha sempre disponibilidade para que as coisas fossem melhores”.

“Era um homem sempre disponível. Alguém que estava na redação de facto. Também nós todos e muitos de nós — suponho que posso usar este plural —, um pouco cobardemente, achávamos muito engraçado que alguém escrevesse aquilo que nós pensávamos, mas não tínhamos coragem de escrever. Ele, pelos vistos tinha. E tinha mesmo”, disse ainda à Rádio Observador.

A jornalista Manuela Moura Guedes lembra Pulido Valente como um “homem cultivado”. “Tive a sorte de entrar na esfera pessoal, de ser amiga do Vasco”, diz a jornalista que trabalhou com Vasco Pulido Valente na TVI. E recorda o episódio em que contou ao cronista quando o Jornal da Noite foi cancelado em setembro de 2019: “Eu telefonei ao Vasco a dizer isso mesmo. Ele ouvi, cinco segundos e disse: ‘Eu já te ligo’. E telefonou de imediato para a TVI onde ele tinha uma colaboração no jornal e tinha também outra colaboração. Terminou com as duas, logo. E depois explicou-me: ‘Eu não podia de maneira nenhuma continuar numa estação em que se faz este tipo de coisas'”.

Manuela Moura Guedes: o “amigo” Vasco Pulido Valente

Manuela Moura Guedes reconhece que Vasco Pulido Valente “podia ter se ficado ou podia continuar, como fez muita gente, com a colaboração ou continuar com a outra colaboração que nada tinha a ver com o jornal”. “Mas não: o Vasco era uma pessoa de princípios, era intransigente com os princípios que o regiam e ao longo da vida, por causa desses princípios foi deixando muita gente para trás”, diz, acrescentando que o escrito “desiludia-se porque as pessoas que não os seguiam como ele”.

Para a jornalista, Pulido Valente “foi das pessoas que mais” admirou “em toda a sua vida”. “Costumava ir a casa dele simplesmente para conversarmos. Já ele não estava muito bom de saúde, ficávamos à conversa”, lembra.

Jaime Nogueira Pinto: não se importava de ser “desagradável quando era preciso”

Para Jaime Nogueira Pinto, a “grande qualidade” de Vasco Pulido Valente era o facto de “não se importar de ser desagradável com praticamente toda a gente quando era preciso”. “Tinha essa independência de juízo que às vezes dava-lhe para ser brutal. Também acho que é capaz de ser uma qualidade”, acrescentou à Rádio Observador.

Jaime Nogueira Pinto: Pulido Valente tinha a qualidade “de não se importar de ser desagradável”

Na sua escrita, Nogueira Pinto considera que também aqui o colunista “não se importava nada de ser politicamente incorreto” e que “tinha crónicas muitas independência e praticamente atacava tudo e todos“.

“O Vasco tem uma obra histórica importante sobretudo sobre a minha área que é a que ele mais estudou que foi essencialmente o século XIX”, disse à Rádio Observador.

Nogueira Pinto reconhece que, ideologicamente, ele e Pulido Valente não eram “propriamente correligionários”, embora tivessem “algumas inimizades e algumas antipatias comuns”. “Aliás, nessa época que me dei com ele, houve um dia que ele estava lá em minha casa e ele disse uma coisa qualquer e eu disse ao Vasco: ‘Não te esqueças que és a pessoa mais à esquerda que já entrou nestas portas’. E naquele tempo era verdade. Depois disso, entraram outros talvez ainda mais à esquerda”, contou.

CDS lembra “homem livre” que “agitou com humor as conceções dominantes”

Em comunicado, a direção do CDS lembrou o “homem livre”, que “ficará gravado na nossa memória coletiva como um pensador notável e um embaixador ímpar da língua portuguesa”.

“Historiador, ensaísta, professor, jornalista e analista político, Vasco Pulido Valente era, sobretudo, um homem livre. Livre das convenções do politicamente correto, livre da necessidade geral de agradar a quem o ouvia, livre das amarras de quem espera reconhecimento, desafiou com liberdade a classe política e agitou com humor as conceções dominantes”, afirmou a direção do partido, que descreveu Pulido Valente como “brilhante, de pensamento lúcido e de uma argúcia desconcertante”.

“Vasco Pulido Valente marcou profundamente o seu tempo, e a sua partida representa uma perda irreparável na vida política e cultural portuguesas”, disse ainda o CDS, lamentando “profundamente a sua morte” e associando-se “à família na sua dor, em especial à sua mulher Margarida, a quem apresenta as mais sentidas condolências”.