Vasco Pulido Valente, um dos mais conceituados comentadores portugueses, morreu esta sexta-feira, na sua casa em Lisboa. A notícia, avançada pelo Público, foi confirmada pelo Observador. O escritor e cronista tinha 78 anos.
Pulido Valente foi cronista do Observador de outubro de 2016 a junho de 2017. Colaborou, ao longo de mais de cinco décadas, com muitos outros jornais nacionais, como o Público, Expresso, Diário de Notícias e o já desaparecido O Independente, afirmando-se como um dos mais conceituados comentadores portugueses e também como um dos mais polémicos. Foi ainda comentador da TSF, rádio Comercial e TVI.
Na nota de pesar divulgada esta sexta-feira, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, referindo-se ao seu trabalho de colunista, descreveu-o como andando sempre “‘às avessas’, para citar o título de um dos seus livros”. “Estrangeirado, pessimista, desalinhado, cáustico, era admirado como estilista mesmo por quem não partilhava das suas opiniões e humores. Tentou perceber Portugal, ‘país das maravilhas’ ao qual dedicou muitos sarcasmos mas também o trabalho, a atenção e o empenho de toda uma vida, à vista de todos.”
Também a ministra da Cultura apontou o “crítico polémico e radical, até de si mesmo”. “Nas suas palavras, que fizeram da exigência uma forma de nunca ceder, projeta-se uma forma de ver e entender Portugal que será memória perene do que somos, com o fio de pensamento e a argúcia de quem soube que a História era e será sempre maior do que os homens que a viveram”, disse Graça Fonseca em comunicado.
Foi de uma crónica sua, publicada no verão de 2014 no jornal Público, que surgiu a expressão “geringonça”, usada para descrever os acordos entre PS, Bloco de Esquerda e PCP que sustentaram o XXI Governo Constitucional.
Marcelo lembra Pulido Valente como um “génio” que não “poupava ninguém”, nem mesmo ele
Escritor e cronista, Vasco Pulido Valente nasceu Vasco Valente Correia Guedes, em Lisboa, a 21 de novembro de 1941, no seio de uma família de comunistas ligados à oposição ao salazarismo. Os seus pais, Júlio Correia Guedes e Maria Helena Pulido Valente, pertenciam ao PCP.
Por não gostar do seu nome, optou por outro, quando tinha cerca de 17 anos, como admitiu em diversas entrevistas. Licenciou-se em Filosofia pela Faculdade de Letras de Lisboa, onde se envolveu nas lutas académicas contra a ditadura e integrou o Movimento de Ação Revolucionária (MAR), liderado por Jorge Sampaio, então estudante da Faculdade de Direito de Lisboa. Acabou, contudo, por se aproximar do grupo da revista portuguesa O Tempo e o Modo, a que pertenciam Alçada Baptista e João Bénard da Costa.
No final da década de 60, uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian permitiu-lhe estudar em Inglaterra, onde se doutorou em História, pela Universidade de Oxford, com a tese O Poder e o Povo: a revolução de 1910, “obra revisionista e ainda hoje polémica”, referiu o Presidente na nota de pesar divulgada esta sexta-feira. Da sua carreira académica, destaca-se ainda o cargo de investigador-coordenador que ocupou no Instituto de Ciências Sociais. Foi professor no Instituto Superior de Economia, no ISCTE, na Faculdade de Direito de Lisboa e na Universidade Católica.
Autor de duas dezenas livros e artigos sobre história e política, nomeadamente Os Militares e a Política: 1820-1856, A República Velha: 1910-1917, e Marcelo Caetano: As Desventuras da Razão, publicou a última obra, O Fundo da Gaveta — Contra-Revolução e Radicalismo no Portugal Moderno, em junho de 2018. “Também escreveu estudos e ensaios biográficos acerca de figuras oitocentistas e novecentistas, privilegiando uma História narrativa, essencialmente política, que acentuava certos eternos retornos que seriam uma sina portuguesa”, apontou o Presidente da República no mesmo comunicado.
Foi Secretário de Estado da Cultura em 1980, durante o Governo de Francisco Sá Carneiro. Cinco anos depois, integrou a direção do Movimento de Apoio de Soares à Presidência (MASP), que dirigiu a campanha de Mário Soares, depois eleito como Presidente. Eleito como deputado independente nas listas do PSD, liderado por Fernando Nogueira, em 1995, abandonou o cargo apenas quatro meses depois, desiludido com a vida parlamentar. Durante esse período, fez parte da Comissão de Defesa Nacional da Assembleia da República.
Vasco Pulido Valente foi casado várias vezes, com a atriz Maria Cabral, protagonista do filme “O Cerco”, que escreveu com António da Cunha Telles, com Maria Rita de Almeida Ribeiro, com a jornalista Constança Cunha e Sá e, desde 2011, com a arquiteta Margarida Bentes Penedo.
Além de “O Cerco” (1970), foi ainda co-argumentista do filme “Aqui d’El Rei!” (1992), de António Pedro Vasconcelos, e autor do argumento de “O Delfim”, de Fernando Lopes (2002).
O cronista estará em câmara ardente este domingo, 23 de fevereiro, a partir das 19h, no Centro Funerário de Cascais, em Alcabideche. A cremação acontecerá na segunda-feira, às 14h, no mesmo local, informou a Servilusa.