A viagem tinha terminado há instantes. O ‘piloto’ António Costa tinha acabado de sair da sala, quando o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, assume as rédeas do cockpit: pega no telefone que faz ligações internas aos deputados no plenário e liga ao vice-presidente do PSD Adão Silva. Olhos nos olhos, mas com o telefone no ouvido, os dois ficam longos minutos a discutir e a gesticular. O tema? O novo aeroporto complementar à Portela, que ambos até concordam que seja no Montijo, mas que muita tinta tem feito correr. O debate quinzenal desta quarta-feira foi mais um palco para discutir o tema, mas o primeiro-ministro está irredutível: a decisão está tomada, só falta parecer técnico da ANAC. A aterragem, por isso, será no Montijo.

O voo, contudo, foi turbulento e não passou ao lado da emergência nacional: Costa deu detalhes sobre o plano de contingência que está previsto para o novo coronavírus e garantiu que não é preciso mexer na lei para obrigar ao isolamento dos doentes infetados. Não haverá controlo de temperatura no aeroporto, nem será preciso mais camas nos hospitais porque, em caso de propagação do vírus, a quarentena é feita em casa. Nem vai mudar, pelo menos não para já, a diretora-geral de Saúde porque “não se mudam generais a meio da batalha”. No ar, uma nuvem negra: a economia pode ressentir-se com o vírus e pode ser preciso rever os números.

A emergência: o vírus

Os instrumentos de voo do comandante Costa

O debate começou com a emergência: o Covid-19. E, aí, o comandante Costa — que chamou a si a coordenação da crise — disse aos portugueses que podiam confiar nas autoridades de saúde. Garantiu a Rui Rio que, nesta questão, não é “otimista”, mas “factual”. E que também não tem excesso de confiança, prometendo a humildade de perguntar a quem sabe, dando um conselho ao presidente do PSD: “Siga o que o seu médico lhe diz”.

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Na parte política, Costa preferiu mostrar músculo enumerando as várias medidas tomadas para conter e mitigar os efeitos da epidemia: mais 100 enfermeiros na linha SNS, três hospitais de referência, 4 hospitais de segunda linha e 6 hospitais em estado de prontidão, duas mil camas de isolamento, oito laboratórios habilitados a fazer testes de coronavírus, 2 milhões de máscaras e stock de medicamentos do SNS reforçado em 20%.

António Costa garantiu ainda que o Governo irá  “salvaguardar os direitos laborais daqueles que, por razões de saúde pública, não possam ou não devam comparecer nos respetivos locais de trabalho, por decisão de uma autoridade de saúde pública, continuando a receber o seu salário por inteiro, tanto no setor público, como no setor privado”. Após ser questionado por Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda, sobre os precários, Costa garantiu que “os trabalhadores independentes os trabalhadores independentes também são abrangidos.”

Rio demonstrou as suas preocupações (com controlo de voos vindos de Itália e falta de material), mas após Costa lhe dar explicações já não insistiu mais no assunto: “Espero que seja como diz. Esta não é matéria para fazer oposição a sério. É uma questão séria. O PSD está disponível para ajudar no que for preciso”. Já o Bloco de Esquerda e PCP exigiram que Costa lhes garantisse que não vai haver restrições orçamentais à contratação de profissionais e à compra de material necessário para combater o vírus. Catarina Martins lembrou que são precisos “mais meios e mais profissionais” e “já”, mas também a contratação desses meios “dependem da autorização do ministro das Finanças”. Ora, para a líder bloquista, a “resposta ao Covid-19 não pode ficar nos atrasos do gabinete de Mário Centeno.” Apesar de uma ou outra preocupação, a oposição e os parceiros de esquerda deram tréguas a Costa neste caso.

Não é preciso mudar o que está nos manuais

O primeiro-ministro respondeu também à ideia de André Ventura alterar a Constituição, neste caso para que passe a ser permitido o internamento obrigatório de um cidadão infetado. Para Costa já há instrumentos legais na Lei de Bases da Saúde para “separação de pessoas que não estejam doentes (…) de forma a evitar a eventual disseminação da infeção ou contaminação.” O primeiro-ministro considera fundamental que as medidas respeitem o “princípio da proporcionalidade, sendo adotadas de forma gradual e apenas em caso de necessidade”, até porque “o pior vírus é mesmo o do alarme social”.

A meio da batalha não se mudam generais

O comandante Costa mantém também confiança na sua equipa. O deputado do Chega, André Ventura, perguntou a Costa como “pode manter confiança nesta sua diretora-geral de Saúde” já que esta desvalorizou os efeitos do coronavírus quando o problema surgiu. Na resposta, o primeiro-ministro manteve a confiança em Graça Freitas, mas também quis sublinhar que este não é o tempo certo para fazer mudanças: “Não se trata da minha diretora-geral de saúde, mas a diretora-geral de saúde da República Portuguesa. Em segundo lugar, estamos num situação risco, numa epidemia, quase pandemia. No meio da batalha não se mudam os generais, travam-se as batalhas.” Ventura ainda retorquiu que “se as coisas correm mal, têm de se mudar os generais.”

A nuvem negra: a economia

É uma espécie de aviso de quem vê ao longe, pela janela do avião, uma nuvem negra a chegar. São já vários os especialistas que alertam para uma crise financeira mundial provocada pelo coronavírus à qual Portugal está longe de estar imune. “Estamos conscientes do impacto negativo que a epidemia em curso poderá também vir a ter no comportamento da economia mundial, em particular no setor do turismo”, disse o primeiro-ministro.

Mas destacou o apoio do Eurogrupo, em particular de Mário Centeno, para mitigar os efeitos negativos do vírus na saúde financeira dos países do euro. Segundo Costa, o Eurogrupo reuniu por teleconferência e está a “monitorizar atentamente os desenvolvimentos económicos e financeiros, em conjunto com a Comissão Europeia e o BCE, havendo disponibilidade para utilizar toda a flexibilidade do Pacto de Estabilidade e Crescimento no sentido de haver uma resposta coordenada”. Mais tarde, até diria a Catarina Martins: “Pensei que iria elogiar Mário Centeno por demonstrar esta disponibilidade”.

Mas a nuvem negra não demora a chegar. Costa diz que serão divulgadas “até 15 de abril as novas estimativas de crescimento para 2020 e anos seguintes” e que o governo não deixará “de refletir este risco na projeção a apresentar”. O governo, que previa ter contas públicas excedentárias já este ano, está agora mais cauteloso. Ainda assim, tem sempre a veia otimista: “Importa lembrar que a economia portuguesa foi a que melhor resistiu à desaceleração económica de 2019, tendo mesmo sido a economia cujo crescimento mais acelerou na pana parte final do ano, o que nos permite encarar a situação atual com serenidade”.

Sobre os efeitos que já está a ter na economia portuguesa, António Costa revelou que ministro da economia já reuniu com as principais associações empresariais para fazer um ponto da situação e concluiu que “até ao momento, o impacto económico para as empresas tem sido moderado ou reduzido.” A quebra tem-se verificado apenas no setor do “turismo, viagens e eventos” tem havido alguma quebra de procura. Ainda assim, para prevenir problemas caso seja necessário apertar os cintos, o Governo está em condições de “lançar uma linha de crédito de apoio de tesouraria às empresas no valor inicial de 100 milhões de euros”.

A aterragem: Montijo

A discussão é longa, já vai para lá de 60 anos, e ao longo desses 60 anos, foram equacionadas 17 localizações diferentes para o novo aeroporto de Lisboa, complementar à Portela. Enquanto o país discute e não discute, a Portela “rebenta pelas costuras”. Não dá para discutir mais, é tempo de aterrar. Foi esta a mensagem que António Costa quis deixar aos partidos no debate quinzenal desta quarta-feira, onde o tema da construção do novo aeroporto foi transversal a quase todos os partidos.

Não há mais discussão, Costa recusou-se a “reabrir o debate” sobre a localização do aeroporto, lembrando que quando chegou ao governo, em 2015, a decisão já tinha sido tomada pelo governo anterior e ele limitou-se a ter a “humildade” de a acatar. Agora, depois de o estudo de impacto ambiental estar aprovado, com condicionantes, Costa diz que o tempo da política acabou. Montijo é mesmo para avançar, e só falta a decisão técnica da ANAC, que se irá pronunciar sobre questões como a localização e a dimensão da pista, ou sobre questões de segurança que incluem até as aves do estuário do Tejo. Só um parecer negativo da ANAC do ponto de vista da segurança e das questões técnicas é que fará travar a construção.

Enquanto isso, é tempo de negociar com os autarcas da Moita e do Seixal — autarquias comunistas — que se opõem ao projeto. Esse processo começou esta manhã, com reuniões em São Bento e vai prosseguir nos próximos dias 16 e 17 de março, garantiu o primeiro-ministro. “É indiscutível que há populações afetadas com esta operação”, disse, reconhecendo que têm de ser encontradas medidas para “eliminar ou mitigar os efeitos negativos da solução e potenciar a operação do ponto de vista económico”.

Negociar com os autarcas tinha sido precisamente o que Rui Rio tinha recomendado que Costa fizesse, quando o PS acusou o PSD de bloquear a solução ‘Montijo’ que, ainda por cima tinha sido defendida pelo governo PSD/CDS. Confuso? Foi o que voltou a acontecer esta quarta-feira no Parlamento, com o deputado socialista Carlos Pereira a chamar a atenção para as mudanças de opinião que o PSD já teve sobre a localização do aeroporto, lembrando inclusive que Rio defendeu no programa eleitoral que se “repensasse” a opção Alcochete, para no fim acusar o PSD de “irresponsabilidade” e de não se importar com o país mas apenas querer desgastar o governo. Rui Rio já não estava na sala, mas o vice-presidente Adão Silva pediu a defesa da honra: não se trata de discordar da localização, mas sim de discordar que se vá alterar a lei porque o governo não consegue dialogar com os autarcas. “Foi uma intervenção de maldicência, a roçar a arruaça e numa palavra foi miserável”, disse. Mas, no final, os dois concordam: Montijo seja.

A turbulência no meio do voo

É MEN-TI-RA!. André Ventura só fala um minuto e meio nos quinzenais, mas, como faz intervenções curtas, entra sempre em despique direto com o primeiro-ministro. O deputado do Chega perguntou a António Costa se “ligou para redações” ou para “a redação da TVI” para exigir o despedimento da jornalista Ana Leal, como a própria denunciou numa entrevista recente. Costa respondeu em poucos segundos, soletrando a resposta e fazendo lembrar o célebre momento de Joacine Katar Moreira no congresso do Livre: “É MEN-TI-RA!” A bancada do PS aplaudiu.

Fim da viagem Costa a Costa. A relação entre o governo e o governador do Banco de Portugal tem sido turbulenta e, mesmo estando Carlos Costa em final de mandato, António Costa fez questão de dizer que será substituído. É uma evidência e uma inevitabilidade, mas dita por Costa tem sempre peso. O primeiro-ministro lembrou até que Passos Coelho lhe ligou um dia às 7h da manhã a informar da recondução do governador, e pediu respeito pelas instituições para garantir o normal funcionamento e a solidariedade institucional. Foi aí que resumiu a questão em termos simples: “No final do mandato do governador, o governo exercerá a sua competência e designará um novo governador“.

Um elogio inesperado. Não é bem turbulência, mas também causou um grande alarido no hemiciclo. André Silva, do PAN, estava apostado em criticar o apoio que o CDS agora veio dar ao PS na questão do aeroporto do Montijo — e respetiva mudança da lei para contornar veto das autarquias, se necessário –, e pelo caminho não lhe custou fazer um elogio rasgado ao PSD de Rui Rio, que estava sentado apenas dois lugares afastados do seu e que não conteve o riso. “Pode ser que em abril, quando o líder do CDS for visitar a Ovibeja, volte a mudar de ideias. Este é o retrato: PS e CDS juntos contra o poder local, na venezuelização do estado português”, disse André Silva, elogiando o PSD por ser “um partido mais responsável e à altura do papel que se lhe exige”. Os aplausos da bancada do PSD foram muitos, e os risos também

Ferro põe os passageiros e tripulação em ordem. António Costa estava a falar, em resposta à bancada do PS, mas o ruído na sala era muito. Ferro Rodrigues pôs ordem: primeiro, avisou os jovens que estavam de pé nas galerias para se sentarem ou saírem. E nem os deputados que estavam a conversar, de pé e de costas para a Mesa, no hemiciclo escaparam ao raspanete: ou se calam ou saem. Paulo Leitão, do PSD, era um dos que estava de pé, de costas, junto à saída, e o aviso caiu-lhe direitinho em cima. Não gostou, claro. E saiu.

Incompatibilidades do secretário de Estado do cinema? “Não está a ver bem o filme”. Outro momento turbulento: Rui Rio questionou António Costa sobre a “manifesta incompatibilidade” de Nuno Artur Silva, que “vendeu a sua participação nas Produções Fictícias, mas o lucro da empresa está indexado a negócios com a RTP, que esse mesmo secretário de Estado tutela”. No entender de Rio, há uma “manifesta incompatibilidade” na medida em que o governante “vai obter dividendo se o negócio com a RTP correr bem”. Mas Costa não lhe deu saída: disse que Nuno Artur Silva “não interfere em qualquer contrato que a RTP celebra; a RTP tem toda a autonomia”. E Rio acusou-o de “não estar a ver bem o filme”. Costa, contudo, assegurou que não precisa de ir ao oftalmologista.