Se Nova Iorque é o epicentro do surto de coronavírus que está a matar milhares de pessoas nos EUA, pode-se dizer que a prisão de Rikers Island, a maior prisão do estado de Nova Iorque, é mesmo o epicentro da catástrofe humanitária. A taxa de infeção entre os reclusos e os funcionários daquela prisão isolada é sete vezes superior à taxa da cidade de Nova Iorque, que por sua vez tem a taxa mais elevada de todo o país em relação a número de casos infetados.

De acordo com relatos de prisioneiros recolhidos pela New York Megazine, o medo reina entre os muros da prisão. O sentimento é de “bomba relógio”: a prisão está sobrelotada e os reclusos não conseguem manter as distâncias recomendadas uns dos outros. Uns tossem, outros não têm sintomas, mas todos temem já estar infetados. “Vamos todos começar a cair”, afirmou uma reclusa aquela revista, com medo.

O consenso entre advogados e médicos é de que a única forma de aquela bomba relógio não explodir, e manter os reclusos e os funcionários a salvo, é tirar uma grande parte deles do complexo prisional. É o que muitos países têm feito: o Irão libertou 80 mil prisioneiros, e na Polónia, por exemplo, alguns deles estão a ser levados para casa, com pulseira eletrónica, para cumprirem o resto da pena. Em Portugal, também já se começa a equacionar essa ideia, com o decreto presidencial conhecido ontem a abrir a porta a que o Governo tome “medidas excecionais para proteger reclusos”. O próprio primeiro-ministro já admitiu estarem a ser estudadas essas medidas, que podem passar por indultos ou alterações ao regime de execução de penas. Mas não parece que o mesmo vá acontecer com Rickers Island.

Antes pelo contrário. Os cinco procuradores do distrito de Nova Iorque escreveram entretanto uma carta ao presidente da câmara Bill de Blasio a declarar-se manifestamente contra qualquer libertação de larga escala por motivos sanitários. Mais: a câmara municipal de Nova Iorque está inclusive a oferecer seis dólares por hora (um valor considerado alto) e materiais de proteção individual aos prisioneiros de Rikers Island que aceitem ajudar a cavar valar comuns na ilha. A informação é avançada pelo The Intercept, que cita fontes anónimas, mas é confirmada pelo porta-voz do autarca Bill de Blasio, que garante no entanto que essa proposta faz parte de um plano mais vasto e não tem especificamente a ver com o surto de Covid-19.

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Segundo o porta-voz do mayor, a oferta é apenas feita aos prisioneiros condenados, e não aqueles que aguardam julgamento. Segundo a revista Time, a ideia de pôr os presos a construir valas comuns no cemitério público de Hart Island já é antiga e faz parte de um plano desenhado em 2008 como preparação para uma outra epidemia de gripe. O plano previa que a cidade de Nova Iorque fizesse contratos com cemitérios que pudessem acomodar valas comuns temporárias, especificando mesmo que as valas seria compostas por “10 caixões dispostos longitudinalmente numa secção estreita aberta no chão”, com a cabeça de um a tocar nos pés do outro, para não serem empilhados.

A notícia sobre os presos de Rikers Island estarem a ser incentivados a construir valas comuns surge numa altura em que o surto da Covid-19 está a esmagar os EUA, em particular a cidade de Nova Iorque, que tem já mais de 38 mil infetados e quase mil mortos.

Segundo o The Intercept, que teve acesso ao relatório sobre a oferta de Nova Iorque aos prisioneiros de Rickers, nem o cemitério de Hart Island é considerado suficiente, por ter “espaço limitado para enterrar corpos” e poder “não ser suficiente para acomodar um grande fluxo de falecidos a necessitar de enterro”. Os números, contudo, são assustadores: o plano estimava já na altura a existência de entre 50 mil a 200 mil mortes num cenário de pandemia com uma taxa de mortalidade de 2%, na qual 25 a 35% da população estaria infetada.

Segundo aquele relatório, em 2008, os reclusos de Rikers chegaram a enterrar entre 20 a 25 corpos por semana naquele cemitério, usando equipamento de proteção individual, fornecido pela câmara. A verdade é que os prisioneiros podem estar mais seguros ao ar livre no cemitério de Hart Island do que no complexo prisional de Rikers, onde se desenrola uma autêntica catástrofe humanitária devido à Covid-19.