Há pouco tempo, o site desportivo Bleacher Report convidava os leitores a colocarem-se no lugar de Harry Kane, avançado do Tottenham. As opções eram simples, ainda que difíceis de escolher: ou ficar no Tottenham, tornando-se um autêntico símbolo do clube londrino e um capitão ainda mais respeitado; ou sair agora, optando pelo Real Madrid ou pelo Manchester United, procurando a glória europeia que ainda não conseguiu alcançar com os spurs. Tudo isto porque Kane, de 26 anos, havia aberto a porta a uma saída de Londres pela primeira vez.
“Adoro os spurs e vou gostar deles para sempre, mas sinto que não estamos a ir na direção certa. Não sou uma pessoa que vai só ficar porque sim. Sou um jogador ambicioso que quer ser um dos melhores do mundo”, disse o avançado durante uma interação com os seguidores do Instagram. Problemas para José Mourinho, é certo — até porque o Kane foi o jogador eleito pelo treinador português para ser a sua grande estrela assim que aterrou em Londres –, mas não é totalmente líquido que o avançado inglês tenha vida fácil com esta decisão.
Avaliado nesta altura em 150 milhões de euros, dificilmente Harry Kane sairá por menos de 120 do Tottenham. O Real Madrid será o principal interessado, tendo em conta o fraco encaixe de Jovic, as lesões recorrentes de Hazard e a inexperiência de Rodrygo e Vinícius, deixando Benzema como única referência ofensiva, mas o Manchester United também tem uma palavra a dizer, já que contratou Ighalo a título de empréstimo em janeiro e tem utilizado Martial como falso ‘9’. E depois surge a “questão Manchester City”. Um City que tem Agüero e Gabriel Jesus: mas onde Agüero tem já 31 anos e Jesus está longe de ser opção inicial e primordial para Pep Guardiola. Harry Kane, como avançado-centro destacado, encaixaria perfeitamente.
O problema é que não vivemos tempos normais. Estamos, aliás, longe de viver tempos normais. Vivemos tempos em que os clubes estão a perder muito dinheiro, estão a precisar de cortar linhas da folha orçamental ao invés de as acrescentar e estão reunidos por vídeoconferência a desenhar planos para cortar custos nos próximos meses e não a planear enormes investimentos. Quer isto dizer, portanto, que jogadores com uma etiqueta de preço mais elevada dificilmente vão mudar de ares na próxima janela de mercado.
“O Kane cai nessa categoria. Só um número limitado de clubes é que tem dinheiro para o comprar e não tenho a certeza de que qualquer um deles tenha apetite para entrar numa negociação com Daniel Levy, o presidente do Tottenham, no contexto atual”, escreveu esta sexta-feira Jamie Carragher, antigo jogador do Liverpool, no Telegraph. O ex-internacional inglês coloca ainda ainda a idade do avançado como outros dos problemas para um investimento que, tendo em conta a conjuntura financeira atual e futura, teria de ser certo.
“O Kane faz 27 anos em julho. Não fazemos ideia de quando é que a próxima janela de transferências vai abrir ou de quando é que a próxima temporada vai começar. Se o Kane não sair em breve, a situação fica mais difícil para ele. Quando os jogadores fazem 28 anos, psicologicamente faz uma grande diferença para os clubes. Vêem que está a aproximar-se dos 30, acham que não há hipótese de lucro numa segunda venda e recuam. Mas mesmo se ele tivesse 21 ou 22, seria difícil que um negócio fosse acordado em breve”, acrescentou Carragher.
Perdas “muito elevadas para a indústria do futebol”, dizem especialistas
Um problema que é de Harry Kane mas que também é, nesta altura, de jogadores como Paul Pogba, que há muito quer trocar o Manchester United pelo Real Madrid, ou até Lautaro Martínez, que até a chegada da pandemia à Europa era o eleito do Barcelona para fazer companhia a Messi, Suárez e Griezmann no ataque catalão. E depois existem casos como o de Luka Jovic.
O antigo avançado do Benfica, contratado no verão passado pelo Real Madrid ao Eintracht Frankfurt por 60 milhões de euros — num negócio onde os encarnados ainda lucraram mais de 16 milhões –, está longe de ser opção para Zidane e não foi além de dois golos em 15 jogos na liga espanhola esta temporada. Ainda assim, Jovic não deixa de ser um internacional sérvio que na época passada se destacou enquanto um dos melhores marcadores da Premier League: e o Arsenal, em risco de perder Aubameyang e com opções limitadas na frente de ataque, olha para o jogador de 22 anos como uma solução à altura dos gunners.
Mas voltamos ao mesmo problema: estamos a viver tempos totalmente fora do normal. Logo à partida, Jovic desvalorizou desde o passado verão, já que a notícia do The Sun desta sexta-feira indicava que o Arsenal está a guardar 55 milhões de euros para contratar o sérvio. A questão é que Jovic, precisamente pela desvalorização, pela falta de rendimento no Real Madrid e pelo total desaparecimento da ribalta do futebol europeu, está longe de ser um investimento certo. E um investimento certo é tudo o que os clubes podem nesta altura realizar.
“Se pode encaixar no sistema do jogo do Arsenal? Acho que não. Vejo muito futebol espanhol, vi o Jovic e não acho que possa encaixar no nosso clube. Nem o Zidane gosta dele”, comentou Sol Campbell, central que foi capitão do Arsenal durante várias temporadas, há alguns dias. Além disso, Luka Jovic tem ainda a reputação recentemente manchada, depois de ter viajado para a Sérvia e quebrado a quarentena obrigatória do Real Madrid e da própria Espanha.
Harry Kane quer sair, Luka Jovic pode ter uma boa oportunidade, Pogba podia finalmente vestir de branco e Lautaro deixaria de fazer dupla com Lukaku no Inter Milão: tudo isto, porém, está dependente de contas, de folhas de Excel, de reuniões que vão determinar o real impacto de uma pandemia mundial no futebol internacional. E, tal como tem sido dito e repetido por quase todos nas últimas semanas, dificilmente o futebol voltará a ser o mesmo.