No último fim-de-semana, quase um mês depois dos primeiros pedidos públicos de dados por equipas de investigação e cientistas que querem estudar o surto da Covid-19 em Portugal, a Direção Geral de Saúde anunciou um novo formulário que uniformiza os pedidos.
Questionada agora sobre os pedidos de dados que chegaram desde o início do surto em Portugal e as equipas de investigação a quem estes foram concedidos, a DGS avança pela primeira vez alguns números:
Foram fornecidos dados a 5 grupos de investigadores (bem como posteriores atualizações) e estão cerca de 320 pedidos em apreciação desde que foi publicitado o formulário na internet. De notar que não havia dados COVID-19 se não depois de 3 de março”, refere a Direção Geral de Saúde, em resposta enviada ao Observador esta quarta-feira à noite.
Os primeiros pedidos públicos de dados à DGS de equipas de investigação científica que pretendem estudar a evolução e resposta à propagação da pandemia em Portugal começaram há praticamente um mês.
Numa “carta pública” assinada por investigadores da Universidade do Porto e da Universidade do Minho, divulgada pelo jornal Público a 17 de março, os investigadores em causa solicitavam à Direção Geral de Saúde que “com a maior brevidade”, que passava por “horas e não dias”, fossem disponibilizados pelas autoridades à comunidade científica nacional “todos os microdados pseudo-anonimizados existentes sobre doentes suspeitos (confirmados ou não) de covid-19 em Portugal”.
Urge a decisão política de disponibilização imediata desses dados. Dado esse passo, conseguiremos encontrar recursos para que, em poucos dias, os mesmos sejam disponibilizados para benefício de todos. Cenários de emergência como o que vivemos atualmente requerem respostas imediatas que não se coadunam com atrasos na disponibilização de dados para a comunidade científica. A evidência é necessária agora; os dados para a sustentar eram necessários ontem”, lia-se na carta.
O documento tornado público a 17 de março tinha como alguns dos signatários Nuno Sousa (presidente da Escola de Medicina da Universidade do Minho), Altamiro da Costa Pereira (diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto), Carlos Oliveira (conselheiro do Conselho Europeu de Inovação) e Pedro M. Teixeira (investigador em saúde das populações da Escola de Medicina da Universidade do Minho).
No documento, lia-se ainda: “Existe em Portugal uma comunidade científica de grande qualidade que está disponível para ajudar a encontrar as respostas que o país necessita para fazer frente a esta pandemia e urgência de saúde pública no imediato, mas também a médio e longo prazo”.
Ministra tinha dito que já tinha havido antes envio de dados “a quem os solicitava”
Apesar de ter sido questionada relativamente ao número de pedidos de dados recebidos “desde o início do surto” em Portugal e sobre o número de equipas de investigação que os receberam nesse período, a Direção Geral de Saúde aponta para valores referentes ao momento a partir do qual “foi publicado o formulário na internet”.
O Observador está a tentar apurar se os valores incluem pedidos de acesso a dados e fornecimento de dados também ao longo das últimas semanas e não apenas dos últimos dias, através do formulário recentemente publicado pela entidade de saúde. Assim que a informação for clarificada, este texto será atualizado.
Quando apresentou o novo documento que centraliza e uniformiza o pedido de acesso a dados por equipas de investigação, a ministra da Saúde, Marta Temido, referiu que este novo formulário era lançado “independentemente de, até ontem [sexta-feira, 10 de abril], estes dados já serem distribuídos a quem os solicitava“.
Esta terça-feira, o investigador Jorge Félix Cardoso, que trabalha com o Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS) e com a Faculdade de Medicina do Porto, contou ao Observador que preencheu o novo formulário, que prometia resposta em 72 horas. Volvidas 55 horas, recebeu um novo formulário requerendo mais informações para que os dados fossem fornecidos.
Os pedidos de informação, contudo, tinham começado muito antes: Félix Cardoso explicou que a sua equipa começou a tentar aceder aos dados “de várias maneiras” desde 12 de março, primeiro junto do ministério da Economia e posteriormente junto da Direção Geral de Saúde. “Fizemos os contactos e nunca nos foram facultados dados. Inclusive, colocámos a hipótese de que todo o resultado de qualquer investigação feita fosse para as autoridades e para mais ninguém, abdicando nós até da publicação dessa investigação. Tal nunca foi acolhido e aceite. Nunca nos chegou nada”, apontou.
Parecer de Comissão de Ética é independente de dados serem anónimos, diz DGS
O segundo formulário que o investigador do CINTESIS recebeu da Direção Geral de Saúde já depois de ter preenchido e enviado o primeiro documento, anunciado pelas autoridades no passado sábado, “requer a identificação do investigador, do projeto de investigação, de instituição de acolhimento [do projeto] e menciona até pareceres da Comissão de Ética e da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD)”, explicou Félix Cardoso.
Problema: Félix Cardoso teme que o tempo necessário para obter um parecer favorável de uma Comissão de Ética para aceder a dados pode comprometer o contributo que uma investigação poderá ter para a resposta à pandemia.
O impacto que a morosidade do processo pode ter para a dificuldade de cientistas e investigadores contribuírem para a resposta à pandemia não foi expressa apenas por este investigador. À TSF, o presidente da Escola de Medicina da Universidade do Minho, Nuno Sousa, referiu temer que a demora no acesso a dados possa atrasar investigações que seriam um importante contributo da ciência às autoridades de saúde para lidar com a pandemia.
Questionada pelo Observador se a necessidade de um parecer positivo de uma Comissão de Ética se mantém mediante a instalação do estado de emergência no país e a garantia de que os dados enviados serão anonimizados — ou seja, sem referência explícita e clara à identidade de cada doente com Covid-19 —, a Direção Geral de Saúde responde: “A DGS tem desde sempre fornecido dados produzidos nos seus sistemas de informação a investigadores, mediante um processo de apresentação de sinopse de estudo e respetiva aprovação pela Comissão de Ética. Não se mudaram as definições e os pressupostos especificamente para os dados da infeção por SARS-CoV-2. O parecer da Comissão de Ética não se relaciona, só ou de todo, com a proteção de dados pessoais, mas com o mérito e a ética do estudo”.