Alívio e sonho são duas das expressões que melhor representam a sensação de algumas mulheres quando, entre quatro paredes, abdicam do seu uso diário e rotineiro. “É a mesma sensação que estar com umas calças de fato de treino ou de pijama”, explica uma acérrima defensora da dispensa do soutien durante os dias de isolamento via chat.

As redes sociais têm sido, aliás, autênticos repositórios de gritos de libertação. “Há 27 dias sem lhes pôr a vista em cima and it feels so good [e sabe tão bem]”, lê-se numa publicação de Instagram. “Celebrando dez dias sem usar soutien”, assinala uma story na mesma rede social. “Uma das coisas que adoro na quarentena é o facto de poder andar sem soutien, mesmo quando visto camisolas finas”, comenta uma jovem norte-americana no Twitter, a provar que o fenómeno é universal. E depois, há mesmo quem faça arte.

No Instagram, uma utilizadora assinalou 27 dias sem soutien, no dia 7 de abril

A edição norte-americana da revista Harper’s Bazzar partilhou, há menos de uma semana, uma visão extrema dos dias de confinamento. A publicação fala num “acessório esquecido” e numa “relíquia de uma vida anterior”, ou seja, de uma era pré-pandemia. Se algumas mulheres parecem estar prestes a apagar da memória esta sensação de um abraço apertado por colchetes, outras, pela natural volumetria do peito, não dispensam o suporte. No final, para umas e para outras, é tudo uma questão de conforto.

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Uma fuga à rotina ou ao soutien errado?

“Lembro-me, desde sempre, de ver muitas mulheres mudarem de roupa quando chegam a casa — de tirarem os sapatos, as calças de ganga, as peças mais justas e muitas, claro, tiram o soutien”, afirma Inês Basek ao Observador. A realidade alterou-se substancialmente para a maioria das mulheres. Deixaram de sair de casa para trabalhar e se regrarem pelas exigências de representação dos vários meios e funções profissionais. Contudo, para esta especialista em bra fitting, há uma normalidade a ser mantida e, mesmo sem sair de casa, o soutien faz parte dela.

“Durante uma ou duas horas, sem grandes movimentos, não vejo problema”, refere. “Agora, para desempenhar tarefas domésticas, deslocar-se, até mesmo para subir e descer escadas, não acredito que seja confortável”, conclui. A necessidade de quase tirar férias do soutien pode ser justificada, segundo Inês Basek, pelo uso de modelos desadequados. O desconforto acentua, por sua vez, a sensação de alívio.

Em várias línguas, as celebrações de uma quarentena sem soutien chegam ao Instagram

“A maioria das mulheres anda com o soutien errado — os aros magoam, as copas são pequenas, as alças vincam os ombros. Quando uma mulher começa a usar o tamanho e o modelo adequados, deixa de ter essa necessidade de tirar o soutien em casa para ficar mais confortável”, resume a proprietária da Dama de Copas. Durante a última década, a loja tornou-se conhecida pela consultoria que presta às mulheres. Por estes dias, de portas fechadas, as encomendas online são residuais. O aconselhamento presencial continua a ser o grande pilar do negócio, o que tem impossibilitado o atendimento à distância, à exceção das fiéis clientes, já com ficha e que sabem bem o que querem.

O tamanho dita o conforto

A cirurgiã plástica Luísa Magalhães Ramos admite que a dispensa do soutien possa ser agradável para algumas mulheres. “Se uma mulher tiver mamas com pouco volume ou com hipoplasia [falta de glândula mamária ou tecido mamário], não acho que seja preocupante o facto de não utilizar soutien”, explica. Neste caso, o soutien, peça que tem como principal missão ajudar a pele a suportar a glândula mamária, não é indispensável. “Se o volume da mama for pequeno, haverá pouco beneficio em usar”, reforça a especialista.

Contudo, Luísa acredita não ser esta a opção da maioria das mulheres. “Provavelmente, mulheres com mais volume sentir-se-ão mais confortáveis com soutien do que sem ele”, resume. Mais uma vez, o desconforto é atribuído à falta de sensibilidade para escolher o modelo mais indicado à “estrutura e ao volume”. “No caso de mulheres com um volume maior da mama, ou mamas mais descaídas, sem dúvida que é importante manter a sua utilização”, reitera.

Soutien em algodão e sem aro Intimissimi

Compensar os efeitos da gravidade parece ser a lógica predominante, mas não é a única em cima da mesa. Em abril de 2013, Jean-Denis Rouillon, professor da universidade francesa de Besançon, concluiu que a ação do soutien poderá ser, na verdade, inversa. Segundo o estudo que conduziu ao longo de 16 anos, ao passarem a maior parte do tempo sustidos, os seios acabariam por ficar mais flácidos devido ao enfraquecimento muscular. Uma degradação do sistema de suspensão dos seis, como referiu o próprio professor, numa entrevista dada à Reuters.

No decorrer do estudo, 330 voluntárias entre os 18 e os 35 anos foram periodicamente examinadas no Centro Hospitalar Universitário de Besançon. Embora sem pretensões de que a amostra fosse representativa da população mundial, Rouillon concluiu que as mulheres que não usavam soutien tinham, em média, os mamilos sete milímetros mais elevados, em relação aos ombros, do que as que vestiam soutien regularmente.

“Os soutiens são uma necessidade, independentemente dos estudos”

A tese não é unânime, sobretudo quando o próprio autor reconheceu que a amostra não é representativa. “Não há estudos fiáveis que comprovem que o peito descaia mais com o uso de soutien”, declara Inês Basek. Com mais de uma década a medir corpos e seios e a aconselhar qual o melhor modelo para cada perfil, a consultora não tem dúvidas: as mulheres precisam de soutiens e a necessidade surge cada vez mais cedo. “As jovens têm peito cada vez mais cedo e o peito é cada vez maior. A pele estica e ganha estrias, o peito parte. E isto acontece mesmo em raparigas novas, quando a pele cede muito depressa. Dizer-lhes que podem não usar soutien é irreal”, completa.

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Mesmo entre mulheres com mamas mais pequenas, Basek ressalva que as características do peito podem ser distintas e, por isso, exigir suportes diferentes. Um tamanho reduzido não é sinónimo de firmeza — “umas têm mais pele, outras têm mais glândula mamária, e é sempre a pele que perde elasticidade”.

“Não há nada de errado em não usar soutien caso se tenha uma mama pequena e que não seja descaída”, conclui Luísa Magalhães Ramos. Sem aros, mas com sustentação conferida por elásticos e tecidos mais fortes, os soutiens desportivos ou “de conforto”, como introduz Inês Basek, podem ser uma boa solução para usar em casa e ainda combinar com o loungewear, tão popular por estes dias. Tirar as medidas de forma correta é, para ambas, o primeiro passo para escolher um modelo confortável. Depois, estenda os critérios de seleção a cores, materiais, texturas, cortes e forma das alças. Afinal, por mais confinados que estejamos, não vamos ficar a falar de conforto para sempre, pois não?