A abordagem era feita por email. Pelo menos mil milhões foram enviados, desde fevereiro, para promover a SafeMask — uma máscara mais cara, mas alegadamente mais avançada e mais resistente. Tal não passava de um esquema fraudulento levado a cabo por uma empresa. O dono é um milionário português, Ricardo Jorge Pereira de Sousa Coelho, segundo revela o site BuzzFeed News, numa investigação publicada esta terça-feira.

O preço de duas máscaras era de 39,99 dólares (cerca de 37 euros) e, para as obter, bastava uma encomenda online, no site da SafeMask. O consumidor tinha ainda a possibilidade de fazer um pagamento extra de 9,99 dólares (cerca de 9,20 euros) em troca de uma garantia de três anos. Apesar dos valores elevados, a investigação do BuzzFeed News estima que a empresa terá conseguido ganhar milhões de dólares. Isto porque o respirador utilizado na máscara é normalmente vendido por 0,79 dólares (cerca de 73 cêntimos). Mas a promessa de uma máscara mais resistente ao novo coronavírus seduziu milhares de pessoas assustadas com a pandemia.

Alguns deles ouvidos pelo BuzzFeed News disseram que foram levados a acreditar que a máscara era reutilizável, uma vez que a empresa dava a opção de se fazer um pagamento para ter uma garantia de três anos. Mais: os emails enviados promoviam também respiradores FFP2 de fabricação europeia antes mesmo de serem aprovados para comercialização nos Estados Unidos.

De acordo com a investigação, a empresa na origem deste esquema fraudulento tem sede em Malta e pertence ao português Ricardo Jorge Pereira de Sousa Coelho, “um milionário com uma coleção de supercarros, empresas e residências em Malta, Seychelles, Hong Kong, Emirados Árabes Unidos e Estónia”, segundo se lê na investigação.

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Abordado pelo BuzzFeed News, o empresário forneceu um alegado certificado de venda. No entanto, a Apave, a empresa francesa de testes mencionada nesse certificado, disse que o documento parece ter sido falsificado. “Comparámos este certificado com os nossos registos internos e encontrámos várias diferenças que nos levam a acreditar que esse certificado não foi emitido pelos nossos serviços e que é provavelmente um documento falsificado”, revelou a empresa ao BuzzFeed News.

Novamente questionado, o empresário português acabaria por dizer que esquema da SafeMask tinha sido levado a cabo por comerciantes desonestos que trabalhavam de forma independente para a sua empresa. Sobre os preço das máscaras, Ricardo Coelho garantiu que a empresa não estava “a obter grandes lucros com elas”, recusando no entanto dizer quantas máscaras vendeu e a que preço as comprava.

O empresário disse ainda que não havia razão para os clientes pensarem que as máscaras eram reutilizáveis. “As fotografias mostram que são claramente descartáveis. Ninguém disse que as máscaras duravam para sempre. Ninguém podia esperar isso”, apontou. Reconhecendo que a possibilidade de uma garantia de três anos podia levar os consumidores a pensar que o produto era reutilizável, Ricardo Coelho assegurou que esses pagamentos iriam ser devolvidos.

Farmacêutica fez encomenda de seis milhões a fornecedor, mas material nunca chegou. Europol conseguiu travar transferência

O aumento de crimes relacionados com o novo coronavírus é um problema para o qual a Europol tem vindo a alertar desde o início da pandemia. O medo e a elevada procura de determinados bens, como equipamentos de proteção, abriu “oportunidades de negócio” para os criminosos, alertou a Europol num relatório publicado no final de março que adiantava que, entre 3 e 10 de março, tinham sido apreendidas 34 mil máscaras cirúrgicas contrafeitas numa operação mundial em que esta polícia europeia participou.

No final de março, um homem de 39 anos foi detido em Singapura “por suspeita de envolvimento em crimes de lavagem de dinheiro através de esquemas comerciais por e-mail relacionados com a Covid-19”, anunciou a Europol. Em comunicado emitido a 6 de abril, a polícia detalha que o suspeito “usurpava a identidade de uma empresa legítima e anunciava a rápida entrega de máscaras de proteção FFP2 e de desinfetantes para as mãos”.

Polícia europeia detém homem por fraude de milhões com máscaras e desinfetantes

De acordo com a investigação, este esquema terá lesado uma farmacêutica europeia em mais de 6,64 milhões de euros que contactou este alegado fornecedor e fez uma encomenda. Assim que a empresa fez a transferência para um banco em Singapura para pagar o material, “o fornecedor mostrou-se incontactável” e os materiais nunca apareceram. Embora a Europol não revele a que estado-membro pertence a empresa lesada, acrescenta que entrou em contacto com as autoridades de Singapura para bloquear a transferência. O suspeito acabaria por ser detido no final de março.

Site clonado por criminosos. Europol deteta burla de milhões em venda de máscaras para a Alemanha

A Europol desfez, juntamente com a Interpol e polícias de outros países europeus, uma burla de milhões de euros ligada à venda de máscaras de proteção para autoridades de saúde alemã, informou no passado dia 14 de abril, este serviço europeu de polícia. Uma nota da Europol refere que, em meados de março, já em plena pandemia de Covid-19, as autoridades sanitárias alemãs, através de duas empresas em Zurique (Suíça) e Hamburgo (Alemanha), tentaram adquirir 15 milhões de euros em máscaras de proteção, num negócio fora dos canais comerciais comuns e habituais, por forma a suprir a escassez global de suprimentos de proteção médica.

Europol deteta burla de milhões em venda de máscaras para a Alemanha

Assim, entraram em contacto com o que parecia ser um site legítimo em Espanha, que dizia vender máscaras faciais. Contudo, sem o conhecimento dos compradores, esse site era falso, apesar de ter endereços de e-mail legítimos. Por meio de correspondência por e-mail, a empresa declarou inicialmente ter 10 milhões de máscaras, tendo encaminhado os compradores para um revendedor supostamente confiável na Irlanda, tendo, por sua vez, o intermediário irlandês prometido colocá-los em contacto com um outro fornecedor na Holanda.

Alegando ter uma estreita relação comercial com a empresa holandesa, o intermediário garantiu que a firma a holandesa seria capaz de fornecer os 10 milhões de máscaras de proteção, tendo sido feito um acordo para uma entrega inicial de 1,5 milhões de máscaras, em troca de um pagamento adiantado de 1,5 milhões de euros.

Os compradores alemães iniciaram uma transferência bancária para a Irlanda e prepararam-se para o ato de entrega das máscaras, que envolvia 52 camiões e uma escolta policial para transportar as máscaras de um armazém na Holanda para o destino final na Alemanha. Porém, pouco antes da data de entrega, os compradores alemães foram informados de que os fundos não tinham sido recebidos e que era preciso uma transferência de emergência de 880 mil euros diretamente para o fornecedor holandês, por forma a garantir a mercadoria.

Segundo relata agora a Europol, os compradores realizaram a transferência bancária, mas as máscaras de proteção nunca chegaram, e, embora a empresa holandesa existisse de facto, o seu site tinha sido clonado pelos burlões, não havendo qualquer registo oficial da ordem de compra. Ao perceberem que tinham sido enganados, os lesados contactaram imediatamente o Banco na Alemanha, dando início a uma operação internacional para intercetar os fundos financeiros e seguir o rasto do dinheiro transferido para os burlões.

A Europol foi assim chamada a intervir no caso, tendo sido ainda mobilizados os membros da Rede Interinstitucional de Camden Asset Recovery (CARIN) e alertados os parceiros da Parceria Público-Privada Europol de Inteligência Financeira (EFIPPP). O rápido alerta destes investigadores permitiu que o banco do Reino Unido conseguisse recuperar o valor total do dinheiro, tendo os fundos sido devolvidos à Holanda e confiscados pelas autoridades.

Paralelamente, a Interpol contactou as autoridades judiciárias em Dublin, bem como o banco da Irlanda, o que possibilitou a intervenção imediata do departamento de crimes económicos daquele país “congelasse” 1,5 milhões euros de uma conta e identificasse a empresa irlandesa envolvida. Por seu lado, o serviço holandês de Informação e Investigação Fiscal localizou os 880 mil euros transferidos pelos alemães, muito embora quase 500 mil euros desses fundos tivessem já sido enviados para o Reino Unido, todos destinados a uma conta na Nigéria.

Esta operação Europol levou já a duas detenções na Holanda, continuando os investigadores a trabalhar em outras pistas, com o “apoio contínuo” dos seus parceiros, incluindo a Interpol.