António Costa optou por destacar o que correu bem e aquilo que foi unânime no Conselho Europeu, mas com reservas de tal ordem que a conferência de imprensa acabou com o copo mais vazio. Literalmente. O primeiro-ministro português começou por dizer que o Conselho Europeu foi unânime a determinar que os apoios de 500 mil milhões de euros propostos pelo Eurogrupo entrem em vigor até 1 de junho e também a mandatar a Comissão Europeia a fazer uma nova proposta de orçamento da União Europeia e de um Fundo de Recuperação da economia que poderá chegar aos 1,5 ou 1,6 biliões de euros. Mas ficou em aberto aquilo que para Costa vai definir se o apoio europeu é mesmo uma “bazuca” ou apenas uma “pressão de ar”: perceber se os países vão aceder a esse dinheiro por via de subvenções (o que Costa defende, de dinheiro a fundo perdido), empréstimos (que aumenta a dívida dos países) ou um modelo misto (que Costa até admite).

O primeiro-ministro português congratulou-se com o facto de todos estarem de acordo em mandatar a Comissão Europeia a apresentar “uma proposta no próximo dia 6 de maio do novo orçamento comunitário“. A criação do Fundo de Recuperação da economia europeia também foi unânime, tal como a forma de financiamento: “Através da emissão de dívida por parte da Comissão Europeia”. Ultrapassa-se assim, para já, que o centro da discussão seja a escolha entre recovery bonds, corona bonds, euro bonds ou qualquer-coisa-bonds.

Continuando no que correu bem em mais um conselho europeu por videoconferência, Costa revelou que foi unânime que o Fundo de Recuperação “deve ter horizonte de dois/três anos” (recorde-se que o Quadro Financeiro, que o vai sustentar é para sete anos). Houve também acordo quanto ao “bolo” total deste fundo, já que ficou estabelecido que o fundo deve ter capacidade para “responder à quebra muito acentuada que se prevê para os PIBs do conjunto da UE, estimada pela presidente do BCE em até 15% do PIB europeu e que, portanto, tem de ter dimensão grande”. Esses 15% correspondem a 1,6 biliões. Emmanuel Macron, por exemplo, entende que o valor só chegará entre 5 a 10% do PIB europeu, valor inferior ao esperado por Costa.

Sobre quais devem ser as linhas orientadoras do fundo não há grandes dúvidas: “Tem de ser coerente com aquilo que é a estratégia da União Europeia: transição para a sociedade digital, combate às alterações climáticas, e aumentar a autonomia estratégica da UE no que diz respeito à capacidade de produzir na Europa um conjunto de bens essenciais e estar menos dependente de cadeias de valor muito extensas e com grandes dependências de outras regiões”.

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A “grande questão” para Costa não está resolvida

Se é certo que, como disse Costa, “ao contrário de outros Conselhos Europeus”, há uma “grande coincidência de pontos de vista”, o primeiro-ministro admite que ainda falta decidir a “grande questão” que pode definir se o apoio de Bruxelas é uma arma a sério para a recuperação ou apenas uma pressão de ar. E aqui, Costa acentuou as divisões: “A grande maioria defendeu que este fundo deve financiar os Estados-membros através de subvenções. Alguns Estados-membros admitiram que pudesse haver uma combinação justa entre o financiamento com base em subvenções e com base em empréstimos aos Estados-membros. E houve uma pequena minoria que defendeu que este apoio se devia cingir à modalidade de empréstimos”. Estes são detalhes que Costa considera “essenciais“.

Ao mesmo tempo que Costa falava, o presidente francês Emmanuel Macron dizia que não houve acordo. Questionado sobre se estava a ver o copo meio cheio enquanto Paris está a ver o copo meio vazio, o primeiro-ministro fez uma graça antes de prosseguir e bebeu uns goles de água: “Vou esvaziar aqui o copo primeiro um bocadinho”. E respondeu que não escondia que “houve desacordo” relativamente à forma como serão feitas as transferências, se por “subvenções, empréstimos ou um misto de ambos”. É verdade que não há acordo porque para isso é preciso “unanimidade”, mas destaca que “apesar de tudo é mais difícil chegar a acordo quando estamos divididos 14-13 do que quando estamos divididos 19-4”.

Os quatro são a tal “minoria” que Costa diz só querer os empréstimos (onde estarão a Holanda, a Finlândia e a Áustria), mas onde o primeiro-ministro garante que não está Berlim. “A Alemanha não faz parte dos 4”, garantiu Costa que voltou a destacar a “postura aberta e construtiva” da chanceler Angela Merkel na reunião. A Alemanha, explica Costa, defende a tal solução mista de subvenções e empréstimos. Não faz parte dos 19 que defendem as subvenções, mas faz parte dos que defendem uma solução mista. A França de Macron está entre os que defendem subvenções, bem como a Itália de Giuseppe Conte, que registou que houve “grandes progressos”, que eram “impensáveis há umas semanas”.

Grandi progressi, impensabili fino a poche settimane fa, all’esito del Consiglio Europeo appena terminato. Un lungo…

Posted by Giuseppe Conte on Thursday, April 23, 2020

Quanto aos empréstimos, que Costa admite numa solução mista de subvenções e crédito, o primeiro-ministro diz que é preciso ainda perceber quais serão os “juros” e a “maturidade” destes empréstimos para perceber se são atrativos.

António Costa diz que “ninguém pode garantir” que não haverá “um diabo” nos detalhes da estratégia de recuperação da União Europeia. Mesmo sendo “otimista”, o primeiro-ministro não acredita que já no dia 6 de maio  — dia em que a Comissão apresenta a proposta — haja uma posição fechada sobre isto. No entanto, espera que “até ao verão haja um acordo” sobre o orçamento comunitário e o novo fundo de recuperação.

Portugal insistiu na solução comum de fronteiras a pensar no Turismo

Logo a seguir aos esforços comuns para uma vacina, António Costa iniciou a sua intervenção após o Conselho Europeu a registar a “coordenação da estratégia de abertura das fronteiras da União Europeia, em particular das fronteiras internas, mas também das externas, tendo em conta que nos aproximamos do período de férias e tendo em conta também a importância do turismo para a economia europeia”. Portugal, confessou Costa, insistiu bastante neste ponto sublinhando que o setor é essencial para a economia portuguesa. Apesar de haver um acordo para uma abertura comum, Costa diz que “ainda não há data” para essa abertura de fronteiras.

O Conselho Europeu concordou também em preparar uma estratégia para combater uma eventual “segunda vaga” da pandemia.