Marta Temido assume uma “enorme dificuldade” para o SNS na gestão e recomeço do normal funcionamento, depois de um período de exceção e foco no combate à pandemia da Covid-19. Em entrevista ao podcast do Partido Socialista, Política com Palavra, divulgado esta quinta-feira, a ministra da Saúde recorda as novas exigências que se colocarão também nos serviços de saúde de distanciamento social.

“Por hipótese, se amanhã tivéssemos zero casos de Covid-19, o Sistema de Saúde, para voltar a funcionar, tem de ter uma série de cautelas”, diz acrescentando ainda que o Governo tem intenção de recorrer aos privados considerando a falta de capacidade do SNS para responder ao período pós-Covid. As listas de espera são grandes e Marta Temido assume que o SNS por si só não será capaz de dar resposta a todos os doentes: “Daquilo que foram as análises que já fizemos, essa intenção [de recorrer aos privados] existe, é clara e vamos acioná-la”.

“As listas de espera já voltaram. Não vamos dizer que não há uma enorme dificuldade. Há, e ela está à vista. Ainda por cima com uma agravante, em crises anteriores como por exemplo a greve cirúrgica, tivemos uma circunstância em que acabou a greve e quase que tudo recuperava a normalidade habitual. Aqui não é por desaparecer o último caso de Covid que tudo regressa à normalidade habitual”, disse a ministra.

Sobre o plano de levantamento das medidas restritivas e reativação da economia, a ministra da Saúde diz que “não pode deixar a economia à porta”, na equação da saúde da população. “Para mim a saúde não é só a ausência de doença, é um conjunto de fatores que condicionam o nosso bem-estar integral. Estou inteiramente alinhada com as perspetiva da saúde pública que entendem que a economia não fica à porta daquilo que são os estados de saúde individuais e os estados de saúde da população”, afirmou Marta temido acrescentando que a “médio prazo” o desemprego, a desigualdade social e os maiores índices de pobreza podem conduzir a “estados de saúde da população que vão ser altamente nocivos”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ao contrário daquilo que tem sido dito, a ministra da Saúde afastou ainda a hipótese de regras diferentes em várias regiões do país para o desconfinamento. A responsável pela tutela da Saúde assume que ainda que essa hipótese possa “ser ponderada”, é importante não esquecer  “Portugal é um país muito pequeno” e que as pessoas que não estão nessas regiões se possam deslocar até elas. “Se optarmos por uma situação mais regional vai fazer que quem não está nessa região tenha uma apetência muito significativa por se deslocar. A nossa diferença não é assim tão grande, temos diferenças, mas não são assim tão significativas”, afirmou Marta Temido acrescentando que as regiões com mais casos têm as causas bem identificadas.

“No norte temos muito o efeito dos lares e em Lisboa e Vale do Tejo muito o efeito de determinadas circunstâncias de pessoas institucionalizadas e é neste equilíbrio que vai ter que ser decidido”, disse acrescentando em seguida que, apesar de não conseguir responder ‘sim’ ou ‘não’ sobre se o país está preparado para uma segunda onda da pandemia, continua a “trabalhar para estar sempre preparado” e que está a existir “muito esforço” para que haja essa capacidade de resposta.

Sobre o cansaço dos profissionais de saúde, uma das preocupações que os médicos já levantaram publicamente, Marta Temido diz não poder mandar “jogadores para o descanso”.

O SNS não vai poder fechar, vai pelo contrário ter que responder a tudo o que deixou de fazer durante este período. Não vamos poder ter aqui uma estratégia de agora descanso que permitiria poupar meios para uma segunda época. Os jogadores não vão poder ir descansar, têm de continuar a treinar e a jogar e isso deixa-nos a todos numa situação de apreensão, naturalmente”.

A ministra recusou ainda a ideia de que a “manta do SNS” tenha sido curta para responder à pandemia da Covid-19. “Não acho que a manta do SNS foi curta. Foi a única que os portugueses tiveram disponível. O SNS recebeu a denúncia de várias convenções. Não acho que a manta seja curta. Não é suficiente, mas nunca será”, disse.

“Não temos a ideia de que o SNS seja uma resposta ilimitada, completa, sem fragilidades, sem dificuldades. Estamos completamente empenhados em que ele continue a ser uma manta que tapa todos os portugueses. É a lógica do guarda-chuva que protege todos independentemente da sua capacidade de pagar”, acrescentou a ministra.

“Não foi a escassez [de máscaras] que determinou a decisão da DGS”

Relativamente à polémica sobre as indicações e recomendações para utilização de máscara comunitária, a ministra da Saúde afasta que tenham sido dadas por haver poucas máscaras no mercado. “Não foi a escassez que determinou a decisão da DGS, foi mesmo a questão de haver várias posições relativamente à utilização mais generalizada das máscaras”, justificou Marta Temido repetindo que as decisões em Portugal seguiram as do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC).

Sobre uma eventual obrigatoriedade do uso de máscaras, Marta Temido diz que “está a ser equacionada”, por exemplo, no caso dos transportes públicos. Recorde-se que atualmente há apenas uma “recomendação” para que quem se desloque a espaços fechados com “uma afluência significativa” de pessoas utilize máscaras.

Mas a ministra admite que caso “soubesse do fim do filme” teria “antecipado” a sugestão de utilização de máscaras comunitárias. “Se soubesse que a posição final do ECDC era a que foi em relação à possibilidade de utilização de máscaras comunitárias, que era uma coisa que nem sequer existia em termos de nomenclatura, teria antecipado essa solução. Mas esse exercício de ver o fim é só para os mágicos”, afirmou.

Baixo nível da imunidade na população pode contribuir para que “um recrudescimento da doença possa ser mais negativo do que foi primeira onda”

Ainda que não haja dados concretos sobre o nível de imunidade da população, Marta Temido aponta a estimativa de 2% atribuída a Portugal — longe dos 9 ou 10% de Espanha ou Itália, por exemplo — e diz que esta tem sido utilizada por várias pessoas para justificar a hipótese de uma nova onda da pandemia que atinja mais Portugal do que a primeira: pode contribuir para que “um recrudescimento da doença no nosso país possa ser mais negativo do que foi esta primeira onda”. No dia em que o Governo anuncia o calendário da retoma da economia e das atividades, este é mais um alerta a somar ao da revisão quinzenal do impacto das medidas nos números da pandemia. Já foi estabelecido um número para funcionar como “travão de emergência”, já se conhecem algumas datas para a abertura de espaços comerciais, escolas e espaços públicos, mas o aviso é constante: há poucas pessoas imunes ao novo coronavírus em Portugal. E a razão é só uma: com o isolamento recomendado desde cedo — e que permitiu controlar a curva de contágio no país — houve poucas pessoas expostas ao vírus.

Os testes que permitem perceber o nível de imunidade — serológicos — vão começar em maio a ser realizados também pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e vão permitir ter uma ideia mais concreta do nível de imunização dos portugueses, mas Marta Temido defende que testar os profissionais de saúde seria a melhor forma de ter um quadro melhor sobre a imunidade, uma vez que foram o grupo mais exposto até aqui.

“Não deixo de considerar interessantes outras estratégias [de testagem] que estão a ser utilizadas em grupos de profissionais de saúde porque estão a ser mais expostos”, disse acrescentando ainda que os decisores políticos nem sempre podem esperar por “todos os dados que possam ser trazidos pela comunidade científica para tomar decisões”.

Mortes com Covid e por Covid poderão ser revistas

Depois da divulgação dos números de mortos, acima das médias dos anos anteriores, não atribuídos à Covid-19, a ministra da Saúde diz que é “relevante” que os estudos já apresentados sejam “aprofundados”. “No Ministério da Saúde temos em curso uma avaliação relativamente ao excesso de mortalidade e dos mortos com Covid”, disse.

A ministra admite que possa “haver necessidade de depuração maior daquilo que são os números” relativos aos mortos com Covid e por Covid — os mortos por Covid são os que entram no boletim divulgado diariamente pela DGS. “Esse trabalho está a ser feito pela DGS e leva algum tempo. Só depois de se concluir poderemos ter informações mais específicas”, disse acrescentando que farão estudos sobre o “excesso de mortalidade” ainda que tenha notado que “na última semana” já não se registou um excesso de mortes quando comparados com os números dos últimos anos.