O Lar do Comércio, uma Instituição Particular de Solidariedade Social com 160 utentes em Matosinhos, nas últimas semanas tem estado envolta em polémica, sendo acusada de má gestão em época de pandemia. “Não fui ao Lar do Comércio, mas pelos relatos que temos recebido podemos falar de negligência”, sublinha Luísa Salgueiro, presidente da Câmara Municipal de Matosinhos.
Desde que o novo coronavírus entrou neste lar, já matou 22 idosos e foram vários os familiares de utentes que denunciaram a falta de informação que recebem por parte da administração. “Estamos a falar de uma instituição autónoma, com uma administração própria que é soberana nas decisões que toma. Fomos tentando vários cenários, desde que fizemos a primeira vistoria e demos as indicações que deviam ser cumpridas e não foram acatadas pela direção do lar”, recorda a autarca, reforçando que a câmara “respondeu sempre a todas as solicitações” do lar.
Existiram vários cenários possíveis em cima da mesa e a solução ideal passaria pela gestão do interior do edifício, uma vez que a evacuação “não é muito confortável” para os utentes e respetivas famílias, mas o agravar da situação exigiu uma “atitude mais musculada” por parte do município.
Câmara de Matosinhos vai mobilizar 59 utentes do Lar do Comércio para outras instituições
Depois de a instituição separar os doentes dentro do próprio edifício, recorrendo ao espaço da creche, pediu um reforço “de mais de 30 profissionais”, o que não foi possível. “Verificou-se, então, que não havia condições para dar garantias dos melhores cuidados ao utentes”, refere Luísa Salgueiro, avançando com “uma solução mais drástica”. Assim, a Comissão Municipal de Proteção Civil de Matosinhos realizou esta quarta e quinta-feira a transferência de 59 utentes do Lar do Comércio para outras instituições por um prazo máximo de 8 dias.
“Esta decisão, sempre considerada como último recurso, vem na sequência de dificuldades que o lar continua a apresentar nos recursos humanos necessários para garantir aos utentes, positivos ou negativos, cuidados básicos”, referiu a autarca, acrescentando que 48 utentes dependentes, não infetados com a Covid-19, foram para o Centro de Neuro intervenção da Cruz Vermelha, em Vila Nova de Gaia, e para o Hospital das Forças Armadas do Porto. Também 11 utentes infetados com o novo coronavírus foram transferidos para Centro de Apoio Comunitário de Matosinhos, onde permanecerão até recuperarem da infeção.
Luísa Salgueiro adianta que ainda esta tarde o Exército Português irá proceder à desinfeção das instalações, “para resolver definitivamente o que está a acontecer”. Enquanto a ação de limpeza estiver a decorrer, os 70 utentes autónomos que testaram negativo à Covid-19 irão permanecer na zona da creche, que reabrirá no próximo dia 1 de junho
Lar do Comércio em Matosinhos testa 160 utentes dos quais 13 dão positivo
A presidente da câmara deixa claro que a câmara que dirige não gere o lar em causa, sendo apenas parceira, uma vez que essa responsabilidade fica a cargo da Segurança Social. “Trata-se de uma instituição de referência no concelho de Matosinhos, tenho muito respeito pelas pessoas do Lar do Comércio, pelos utentes e pelas suas famílias, mas neste momento temos de ter serenidade porque o que está em causa, em primeiro lugar, é acautelar a saúde e o bem estar dos utentes.”
Sobre os relatos que têm surgido por parte de familiares de utentes e até antigos funcionários, Luísa Salgueiro afirma que “são situações participadas ao Ministério Público, que depois fará o desenrolar do processo”, ao qual a autarquia “não fugirá” de se pronunciar.
Ministério Público abre inquérito à atuação do lar. Direção defende-se e nega negligência
O Ministério Público instaurou um inquérito à atuação do Lar do Comércio, em Matosinhos, onde foram contabilizadas 21 mortes por Covid-19, revelou esta sexta-feira a Procuradoria-Geral da República (PGR). Em resposta à Lusa, a PGR confirma que “foi instaurado um inquérito” que corre “termos no DIAP [Departamento de Investigação e Ação Penal] do Porto”.
Em comunicado, a direção do Lar do Comércio defende-se das acusações de que é alvo. “Não houve qualquer negligência no Lar do Comércio. Houve crise. E houve quem lutasse, e muito, contra ela. Fizemos, fazemos muito mais do que nos competia.”
No mesmo documento, o lar fala em mentiras e numa história que ainda não foi contada. “Ainda não ganhámos tudo. Foram ditas e escritas muitas mentiras. A história da pandemia em O Lar do Comércio ainda não foi contada. Mas ainda não chegou o momento de fazer balanços.”
O Lar do Comércio confirma que pediu à Comissão Municipal de Proteção Civil um reforço de 33 pessoas para a instituição. “Pedimos uma ajuda de 11 pessoas por turno de 8 horas. Esse pedido, que aliás nem sequer foi respondido, serviu de pretexto para uma autoproclamada ‘intervenção’ n’O Lar do Comércio”, queixa-se a instituição, acrescentando que o pedido de auxílio apresentado à autarquia de Matosinhos “não foi atendido”.
Ainda na mesma nota, a direção do lar adianta que as visitas dos familiares do utentes não deverão começar antes do dia 25 de maio, uma vez que a descontaminação realizada pelo Exército se irá prolongar até à próxima quarta-feira.