À porta do restaurante D’ Bacalhau, onde ia almoçar com a direção da AHRESP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal) em mais uma tentativa de embalar os portugueses no meio desconfinamento do setor, António Costa começou por ver no acordo franco-alemão para um plano de recuperação da economia europeia “uma excelente proposta”, mas um minuto depois já avisava que “há vários se’s por esclarecer”. Nomeadamente se se trata de um empréstimo ou de uma transferência como acontece com os fundos comunitários.
O primeiro-ministro anda esta semana num périplo de desconfinamento, ora pelo comércio ora pela restauração — já na segunda-feira tinha almoçado com o presidente da Assembleia da República no Bairro Alto –, mas sem promessas. Nem sobre aquilo que o setor mais reclama: a isenção da TSU este ano, a descida do IVA para 6% no próximo ou uma data para a reabertura total, ou seja, voltarem a ter a capacidade do tempo pré-Covid.
500 mil milhões a “fundo perdido”. Alemanha e França chegam a acordo para fundo de recuperação
Mas ali, à porta de mais um restaurante e ainda antes do almoço, o primeiro-ministro não deu a garantia que isso aconteça rapidamente ao vice-presidente da Associação, Carlos Moura, que estava mesmo atrás. Tem o “desejo” de que possa acontecer no próximo mês, mas sem garantias. Quanto às outras propostas, dos partidos e parceiros, diz apenas que serão analisadas nos próximos dias. Fintando a pergunta direta que chegou dos jornalistas sobre se estaria disponível para reduzir o IVA da restauração.
Teve o mesmo destino a pergunta sobre as declarações no Parlamento do seu ministro das Infraestrutras, Pedro Nuno Santos, que não excluiu o cenário de insolvência quando questionado sobre o futuro da TAP. “Não comento declarações que não conheço”. Há as mil maneiras de confeccionar bacalhau, as mil maneiras de António Costa fugir às perguntas que mais o incomodam e ainda há as mil maneiras de chegarem dinheiros europeus. Mas nesse prato, o primeiro-ministro já mete a colher.
Considera que o plano franco-alemão para a recuperação da União Europeia é “uma excelente proposta” para procurar “mecanismos robustos” e que permite “aumentar autonomia estratégica” dos estados membros. Mas Costa também diz que “há vários se’s por esclarecer”. “Falta saber como é que este dinheiro se distribui pelos diferentes estados membros, nos termos dos fundos comunitários, com transferências, ou se vai ser por empréstimo” e avisa que modelo de empréstimo “dificultaria muito” o acesso por parte de alguns países “em condições de igualdade.” Além disso, este fundo de recuperação “tem de ser uma ambição acrescida sobre o quadro normal de financiamento plurianual por isso não pode significar corte na coesão ou no investimento para a competitividade”.
Durante o almoço, no seu Twitter oficial dizia ter tido uma “conversa com Macron”, o presidente francês classificando este acordo como “um bom contributo para a resposta europeia à crise” e em como esse Fundo “tem de reforçar a ambição do próximo orçamento da União”.
O novo Fundo de Recuperação tem de reforçar a ambição do próximo orçamento da União, sem sacrificar a Política de Coesão e o Instrumento Orçamental para a Convergência e a Competitividade, enquanto embrião de uma futura capacidade orçamental da Zona Euro.
— António Costa (@antoniocostapm) May 19, 2020
As suas linhas vermelhas estão fixadas e também a sua opinião sobre os países como Holanda, Áustria, Dinamarca e Suécia, que já vieram falar sobre o novo plano exigindo que se trate de um empréstimo e não de uma transferência fundo perdido. “A 28 [Costa continua a escorregar no Brexit que já reduziu este número] não se pode viver da irredutibilidade e se fôssemos irredutíveis diríamos já que 500 mil milhões não chegam”, os quatro países devem “seguir o exemplo dos restantes 23”, “espírito construtivo e abertura para o diálogo” para compatibilizar uma posição.
Até porque, afinal, a proposta não é assim tão “excelente”: “Não sendo a proposta ideal é um bom sinal de que capacidade de compromisso e vontade de avançar, não há irredutibilidade nem linhas vermelhas”. O primeiro-ministro “adorava que o compromisso fosse já alcançado amanhã” e que se for a 20 de junho, data do próximo Conselho Europeu, também serviria. “Se for depois de 20 de junho, pior. Era o que faltava que fosse o Conselho que não soubesse estar à altura do desafio”, rematou antes de entrar no restaurante, de esplanada bem composta, para almoçar.