Durante anos a fio, com algumas exceções, a discussão política em torno de revisões orçamentais começou e acabou num “orçamento retificativo”. Mas agora, seja no Governo ou no Parlamento, é de um “orçamento suplementar” que se fala. Qual é a diferença? Tecnicamente pouco interessa o rótulo que se dá à revisão do Orçamento do Estado, porque reflete a mesma necessidade — quando a realidade ultrapassa as contas iniciais — mas, numa dimensão semântica ou política, estão em causa dois pontos de partida diferentes.

A distinção foi importada do jargão comunitário, que separava os dois tipos de revisão orçamental: retificativo, quando o valor global de despesas não sofre aumentos, nem há um crescimento do défice; ou suplementar, quando o teto da despesa tem de ser aumentado e, com ele, há degradação das contas públicas.

Em Portugal, este debate já tem décadas. No último mandato de Cavaco Silva como primeiro-ministro, há quase 30 anos, Jorge Braga de Macedo, então ministro das Finanças, fez uma retificação às contas de 1993, em simultâneo com a apresentação do orçamento para o ano seguinte. A lei acabou por se chamar “Orçamento suplementar ao Orçamento do Estado para 1993”.

O antigo ministro, em declarações ao Observador, lembra que o contexto era de “deterioração da conjuntura internacional”, num ano que acabaria com uma recessão de 0,69% — o único em que a produção da economia caiu na década de 90. Uma “recessão muito séria”, diz Braga de Macedo, apesar de reconhecer que “não é comparável” com as crises desta última década.

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Mas até que ponto importa essa distinção entre “suplementar” e “retificativo”? “É relevante politicamente” porque, “para quem quer defender a reputação, é sempre mais simpático apresentar um orçamento suplementar”, responde Braga de Macedo, investigador e professor na Nova SBE.

Quase uma década após o orçamento revisto por Braga de Macedo, haveria ainda um outro no início deste século, quando Guilherme d’Oliveira Martins era ministro das Finanças de António Guterres. O antigo ministro socialista reconhece, em declarações ao Dinheiro Vivo, que esta nomenclatura importada do orçamento comunitário “não é legal em Portugal”, e, ao mesmo jornal, o Conselho das Finanças Públicas acrescenta que até no direito orçamental europeu essa distinção já sofreu alterações. Apenas a “lei de revisão orçamental” tem enquadramento legal, sem fazer qualquer distinção entre ambos.

A originalidade do “orçamento redistributivo”

Também Teixeira dos Santos faria um “orçamento suplementar” no Governo de José Sócrates, embora o antigo ministro das Finanças, numa revisão posterior, em 2009, tenha acrescentado ainda uma terceira variante — o “orçamento redistributivo”, expressão rejeitada nessa altura por toda a oposição. Teixeira dos Santos defendeu-se, dizendo que o Governo estava a redistribuir ganhos com juros por outras rubricas, não aumentando — e reduzindo mesmo — as autorizações de endividamento previstas no orçamento anterior.

O Orçamento suplementar deste ano será apresentado por Mário Centeno em junho para fazer face à crise provocada pela pandemia. O Governo tem sido obrigado a gastos adicionais que vão fazer disparar o défice. Além da quebra de impostos, provocada pelo travão brusco da economia, o executivo está também a suportar aumentos de despesa para fazer face aos problemas de saúde pública, para apoiar as famílias e a atividade económica.

No total, o Governo inscreveu no Programa de Estabilidade 1.342 milhões de euros de despesa mensal, embora a evolução desta verba dependa muito do andamento da pandemia e das necessidades para fazer face à crise em cada momento.

Além desta despesa, o executivo tem prevista também uma despesa única de 568 milhões de euros, dos quais 508 milhões para o apoio extraordinário à retoma da atividade empresarial e 60 milhões para compra de equipamentos para as Unidades de Cuidados Intensivos, como ventiladores.