Após um requerimento do BE e do PCP, aprovado no passado dia 8 de junho, a comissão parlamentar conjunto de Cultura e Trabalho ouviu esta manhã o Conselho de Administração da Fundação da Casa da Música, presidido por José Pena do Amaral, sobre a situação que se vive na instituição. “Não estamos perante falsos recibos verdes”, começou por dizer o responsável, sublinhando que a instituição do Porto “aceita a lei” e cumpre-a.

“Entendemos que não existe uma situação de falsos recibos verdes, pelo menos, generalizada. Temos opiniões jurídicas que sustentam isso. Nós não somos a lei, mas estamos sujeitos àquilo que a lei nos imponha. Existe um inquérito da ACT [Autoridade para as Condições de Trabalho] que vai dizer se existem ou não essas situações de falso recibo verde e no caso de existir, evidentemente que a Casa da Música terá de corrigir e fá-lo-á sem qualquer problema”, disse José Pena do Amaral.

Em resposta a perguntas dos deputados José Soeiro (Bloco de Esquerda) e Ana Mesquita (PCP), José Pena do Amaral disse hoje que “existem situações muito diferentes umas das outras”, repetindo que em causa não está uma situação generalizada de falsos recibos verdes. “Isso é claro para nós. Temos essa sustentação, temos essa convicção e corrigiremos o que tivermos a corrigir“, disse o presidente da Casa da Música, acrescentando que este equipamento cultural “tratou bem as pessoas” durante o período de pandemia porque, disse, “na generalidade, cumpriu a lei acima do que a lei determinava”.

“Não pudemos satisfazer as condições, em situações que não eram passíveis de saber (…) quais eram os momentos [em que alguns profissionais]”, referindo-se a técnicos, guias e assistentes de sala, por exemplo, “iriam prestar trabalho”. “Pagar sem ligação a uma contrapartida seria um ato absolutamente irresponsável de quem tem de administrar dinheiros de terceiros, neste caso dinheiro dos contribuintes e dinheiro de mecenas”, referiu.

O presidente admitiu que existem 213 prestadores de serviço na Casa da Música (CdM) e acrescenta “não ser possível” uma instituição não ter prestadores de serviços “pela natureza do trabalho que é pedido”, uma vez que “parte dos trabalhadores inevitavelmente não pode ter uma contribuição a tempo inteiro”. Pena do Amaral defende que “existe uma política adequada a uma sala que tem estas funções”.

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Um abaixo-assinado

A pandemia da Covid-19 obrigou a Casa da Música (CdM) a fechar portas no dia 16 de março, mas a 28 de abril, 92 trabalhadores — 28 com contrato e 64 prestadores de serviços a recibo verde — pediram, através de um abaixo-assinado, à fundação que gere este equipamento cultural na cidade que “cumpra compromissos” e “assuma” a sua “responsabilidade social”, considerando que as “soluções” propostas são “indignas”. Em pleno estado de emergência nacional, tornava-se assim público um conflito laboral naquela instituição e apelava-se para que fosse revertida a decisão de deixar sem apoio vários profissionais com vínculo precário que ficaram sem trabalho nos meses em que a Casa esteve encerrada.

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Perante estas acusações, a CdM enviou um esclarecimento ao Observador onde afirma que “todos os trabalhadores estão a receber integramente as suas remunerações, incluindo complementos, sem qualquer alteração ou interrupção”. Quanto aos prestadores de serviço, a instituição garante que “estão a ser remunerados em função da frequência e da regularidade da sua colaboração, respeitando em todos os casos a legislação aplicável”.

A 18 de maio, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) confirmou ter recebido cinco pedidos de intervenção na Fundação Casa da Música, desde o dia 26 de abril. Em resposta à agência Lusa, a ACT confirmou a entrada de cinco pedidos, tendo sido “desenvolvida intervenção inspetiva tendo em conta as solicitações recebidas, bem como a matriz de prioridades estabelecida pela Direção da Autoridade para as Condições do Trabalho”.

Em entrevista ao Observador, José António Pacheco, diretor artístico da CdM, confirmou que o inquérito está a decorrer. “Não quero falar deste assunto, acho que temos de estar de consciência tranquila em relação aquilo que foi feito. É público que há uma inspeção da Autoridade para as Condições de Trabalho, fornecemos todos os documentos necessários.

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Diálogo ou pressões?

Esta manhã, o presidente do Conselho de Administração confirmou no Parlamento não ter existido uma resposta ao abaixo assinado. “Foi entregue no sábado à noite ao diretor geral com a indicação que seria distribuído publicamente se não houvesse uma resposta, um dia depois era distribuído publicamente. A resposta é esta.” Um cenário que o deputado do BE José Soeiro recusou, afirmando que só após 10 dias do abaixo assinado ser entregue à CdM é que foi distribuído pelos órgãos de comunicação social.

Confrontado sobre os relatos de que alguns trabalhadores tiveram reuniões individuais onde foram pressionados para retirarem o seu nome do abaixo assinado, Pena do Amaral rejeita tais acusações. “Não tenho conhecimento de atitudes de pressão”, afirmou, acrescentando serem mesmo “contraditórias” as queixas dos trabalhadores, que ora defendem que não há diálogo, ora garantem que foram pressionados. “Perguntar a um trabalhador a razão de ter assinado um documento não é só por si uma pressão”, considerou.

O presidente do Conselho de Administração sublinha que não existiu iniciativa por parte dos 92 signatários do abaixo assinado para “qualquer tipo de diálogo”, porque se houvesse, garante, o pedido seria atendido. “O único pedido que recebemos foi na semana passada e aconteceu esta segunda-feira (…) Nenhuma pessoa que assinou o abaixo pediu uma reunião.”

O responsável pela instituição fala ainda de um “problema de representação”.”Há um problema de representação. Não há diálogo porque não foi pedido. Ontem [segunda-feira] realizou-se uma reunião com um grupo que a solicitou (…). Se outros coletivos solicitarem, haverá com certeza reuniões (…) Não cabe ao Conselho de Administração organizar os representantes dos trabalhadores”, disse José Pena do Amaral, rejeitando também as acusações de que na sequência desse abaixo-assinado e de uma vigília que, entretanto, ocorreu a 1 de junho tenham acontecido represálias.

Pena do Amaral considera que não houve “uma atitude dialogante” em todo o processo, mas um situação de “ultimato”,  “partiu-se para fora da Casa com reivindicações”, concluindo que o relacionamento com o trabalhadores é feito através da comissão de trabalhadores, que neste momento não existe. “Há 90 trabalhadores que assinaram e 300 que não assinaram. Há pessoas que têm essa opinião e pessoas que não têm.”

Uma vigília com consequências

Depois do abaixo-assinado ter sido divulgado à comunicação social, após não terem recebido uma resposta por parte da administração, o grupo de trabalhadores deu mais um passo na sua contestação e organizou uma vigília silenciosa junto ao edifício na Boavista. No dia 1 de junho, mais de duas dezenas de trabalhadores dispensados da CdM e da Fundação de Serralves juntaram-se à mesma hora em que na Sala Suggia decorria o concerto da Orquestra Barroca, que assinalava a reabertura da Casa. Pediram diálogo para combater a precariedade.

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No dia seguinte, o Grupo de trabalhadores da Casa da Música garantiu em comunicado ter “sofrido represálias”, descrevendo um episódio que prova que a instituição teria contratado um operador de câmara para filmar os manifestantes.

“Às 18h de segunda-feira, quando se concentravam junto ao edifício Península antes de se dirigirem para a Casa da Música para uma vigília silenciosa ordeira e legalmente autorizada, os manifestantes foram surpreendidos por um operador de câmara profissional que se preparava para os filmar ali mesmo, fora do local da vigília. Perguntaram para quem trabalhava: para a Casa da Música. Ali não foi autorizado a filmar, mas fê-lo durante a vigília, onde se demorou a registar cada um dos participantes num vídeo a entregar depois aos responsáveis da instituição.”

Sobre este alegado episódio, o presidente da Câmara Municipal do Porto recebeu uma informação contraditória. “Garantem-me que isso não foi verdade”, declarou o autarca em reunião de executivo, acrescentando que a versão foi assegurada pelo presidente do Conselho de Administradores, José Pena do Amaral e pela comandante do comando metropolitano do Porto da PSP, “que a presença das forças policiais não se deveu a nenhum contacto efetuado pelo conselho ou pela Casa da Música”, tendo partido da própria PSP.

Ao Observador, Hugo Veludo, um dos assistentes de sala da instituição, revelou ainda que meia hora após a vigília 13 assistentes de sala foram informados pela CdM que estariam dispensados dos concertos que tinham sido alocados para o mês de junho. Veludo acrescenta que todos os trabalhadores em causa subscreveram o abaixo-assinado de 28 de abril, sendo que, desses, oito marcaram presença na vigília silenciosa.

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Quatro dias depois, a administração da Casa mudou de ideias e enviou um e-mail a estes mesmo trabalhadores que contrariava o anterior. “Nesse e-mail, perguntaram-nos se estaríamos disponíveis para as mesmas datas”, conta Hugo Veludo. Na resposta do coletivo à CdM, que foi reduzido para seis elementos, foi pedida uma reunião presencial com o Conselho da Administração da Casa, exigindo esclarecimentos relativos à dispensa de atividades desde março e o silêncio sobre o abaixo assinado entregue em abril.

Segundo o presidente do Conselho de Administração, a informação contraditória tratou-se de “um erro”. “Houve um erro e esse erro foi corrigido”, diz, realçando que a definição das escalas não é uma matéria tratada no conselho, embora este tenha revertido a decisão da direção. “Havendo um compromisso, achamos que devemos ser cumprido.” José Pena do Amaral rejeita discriminações e garante “não ser verdade” a rejeição de pessoas que participaram no abaixo assinado, dando exemplos como os músicos da Orquestra Barroca, que aturam na reabertura da Casa, ou de uma assistente de sala que foi escalada para trabalhar nesse dia, mas recusou.

Uma reunião “inconclusiva”

O encontro entre três assistentes de sala, o diretor-geral Paulo Sarmento e Cunha, e o administrador Luís Osório, representante da Câmara Municipal do Porto, aconteceu esta segunda-feira.

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No final, Hugo Veludo disse ao Observador que a reunião foi “pacífica”, mas “inconclusiva”. “Fomos ouvidos pela primeira vez e há abertura para próximas reuniões”, afirma, acrescentando que em cima da mesa ficou a promessa de que a administração iria discutir esta sexta-feira o eventual pagamento dos serviços que estavam agendados para março, não havendo qualquer garantia de remuneração relativamente aos meses de abril e maio, uma vez que não tinham qualquer trabalho previsto.

“Sugerimos que fizessem uma estimativa sobre o que ganhámos no ano passado e foi recursado. Pedimos também uma manual de procedimentos para tornar a nossa atividade mais uniforme, falamos de contratos e do valor por hora, mas foi-nos dito que com o orçamento deste ano seria impossível rever esta situações.”

Esta quarta-feira, decorrerá no Parlamento a audição de representantes dos trabalhadores precários da Casa.