As pessoas negras continuam a sofrer “numerosas discriminações” em França, sendo necessário a “descolonização dos espíritos”, indica esta quinta-feira um relatório oficial, divulgado numa altura em que decorrem manifestações e protestos em todo o mundo contra o racismo.

As conclusões constam do Relatório Anual da Comissão Nacional Consultiva dos Direitos Humanos (CNCDH), entregue esta quinta-feira ao primeiro-ministro francês, Edouard Philippe, onde os autores apontam que “é necessário descolonizar os espíritos”.

No documento, de 350 páginas, é também referida a atualidade das últimas semanas e as manifestações contra o racismo e a violência policial.

Sábado passado, por exemplo, milhares de pessoas desfilaram nas ruas francesas a pedido da família de Adama Traoré, um jovem negro morto em julho de 2016 após ter sido interpelado pela polícia gaulesa.

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“É um tema de atualidade imediata”, sublinhou esta quinta-feira o presidente da CNCDH, Jean-Marie Burguburu, relevando o paradoxo de que as minorias negra e judaica estão entre as que têm melhor imagem no país, segundo o barómetro sobre a tolerância dos franceses.

É uma tarefa diária combater os numerosos preconceitos, ofensas e discriminações. Nas redes sociais ou nos estádios [de futebol] existe um racismo anti-negros extremamente cru, animalesco e violento, construído em oposição à norma dos brancos”, lê-se no documento.

Segundo a Comissão, “na raiz do racismo anti-negros está uma História, uma cultura e um conjunto de preconceitos”.

“Tal como a luta pela igualdade entre homens e mulheres, o combate ao racismo contra a minoria negra necessita de uma tomada de consciência do fenómeno pela sociedade no seu conjunto, uma descolonização dos espíritos”, defendeu.

A Comissão aponta também a “sub-representação de negros em empregos pouco qualificados, como domésticas, amas ou cuidados paliativos, para as mulheres, e homens do lixo, vigilantes e tarefas muito físicas para os do sexo masculino”.

A Comissão recorda uma outra investigação do Defensor dos Direitos, publicada em 2016, que salienta que, num local de controlo de identidade, os negros são “vítimas preferenciais de comportamentos que não estão em conformidade com a deontologia policial, correndo o risco de serem tratados por tu, insultados e até mesmo brutalizados”.

No relatório, a Comissão pressiona os poderes públicos para desenvolverem inquéritos que permitam conhecer melhor as discriminações, de criar ferramentas para as evitar nos serviços públicos, nos comissariados da polícia e nas gendarmerias, uma vez que as estatísticas étnicas em França são interditas.

O Presidente francês, Emmanuel Macron, não se tem mostrado favorável a aplicação destas recomendações, apesar de existir um debate sobre a questão entre diversos membros do governo.

Edouard Philippe, primeiro-ministro francês, afirmou esta quinta-feira que as constatações da Comissão “obrigam a uma tomada de consciência coletiva”.

No relatório, a Comissão aconselha também o lançamento de “campanhas de comunicação contra os estereótipos contra a população negra, nomeadamente demonstrando a diversidade social, económica e profissional”, preconizando ainda a criação de programas escolares sobre as “raças multiculturais da França e apoios à cultura nacional”.