Os partidos da esquerda parlamentar avisam que António Costa bem pode querer retomar, como fez saber no debate do Orçamento Suplementar, a trajetória dos últimos quatro anos “com renovada estabilidade no horizonte da legislatura“, mas por ali ninguém vai em declarações abstratas. Nada sabem de concreto de qualquer negociação que, apurou o Observador, vai ser conduzida pelo próprio António Costa mais adiante. Por agora, os partidos já se reuniram com o novo ministro das Finanças, mas exclusivamente sobre o Orçamento Suplementar.
“Palavras leva-as o vento”, comenta um deputado de um dos parceiros do PS nos últimos anos quando confrontado com as declarações de António Costa no debate do Orçamento Suplementar e com as do presidente do PS Carlos César à saída da reunião com o Presidente da República. “É uma nova oportunidade para um novo começo“, considera ao Observador um membro do Governo apontando a necessidade de a atual crise e o plano de recuperação da economia — cujo esboço está nas mãos do empresário António Costa e Silva — colocarem, de novo, os parceiros da geringonça de acordo.
Mas no PCP e no Bloco há muitas dúvidas sobre a ideia que António Costa proclamou no Parlamento há uma semana. “São apenas intenções”, diz-se do lado comunista, “os acordos fazem-se de opções concretas”, avisa-se. No Bloco de Esquerda, a perceção é que o PS está a “fingir que faz acordos à esquerda”, mas garante-se que o que “conta” são as “medidas concretas que aprovam”. E nesta altura não existe absolutamente nada, até porque o Governo ainda aguarda pelo plano que está a ser desenhado para aproveitar a injeção de Bruxelas e levá-la à prática em medidas económicas a partir de 2021. Ainda assim, nos últimos dias, o ministro das Finanças João Leão já sondou estes partidos sobre a disponibilidade para manterem contacto no futuro e o Governo garante ter havido “recetividade” (ver mais abaixo neste texto).
Marcelo não acredita que PSD volte a estender a mão ao Governo
A desconfiança dos parceiros dos últimos quatro anos face a estas novas intenções socialistas existe. A postura é de ver para crer. Um dirigente socialista explica ao Observador que a ideia é “trabalhar medidas, projetos e ações com repercussão plurianual nos Orçamentos da legislatura a começar por 2021”. Geringonça II? Ninguém quer chamá-la por esse nome no PS, até porque a última tentativa para reeditar o acordo parlamentar 2015-2019 saiu frustrada, logo no início desta legislatura. E deu água pela barba ainda no início deste ano, num passa-culpas sobre quem foi o responsável por ela ter falhado. A exigência de mais estabilidade começava a pairar no ar — com Belém a liderar essa claque — e ainda nem o país sonhava com estados de emergência, situações de calamidades e confinamentos a paralisar a economia devido a uma pandemia.
Mas entretanto tudo isso aconteceu mesmo e a postura do líder do PSD e restante oposição nos tempos de exceção foi amplamente reconhecida e elogiada pelo Governo. O que faz Costa ter agora de aumentar o número de cadeiras à mesa para a negociação do plano de recuperação da economia, que se estende para lá da atual legislatura. Se para os Orçamentos em concreto conta só com a esquerda, para esse plano mais alargado, a ideia é ouvir todos. E parte já com expectativas diferentes.
Conta “obviamente” com a esquerda, os que com o PS “viraram a página da austeridade e, connosco, têm construido uma trajetória de mais crescimento, maior emprego e maior igualdade com contas certas, trajetória que não pode retroceder ou ficar a marcar passo, mas que, pelo contrário, deve ser retomada com renovada estabilidade no horizonte da legislatura”. Mas também conta “desejavelmente” com a oposição que “não deve confundir a afirmação saudável de alternativa com a falta de sentido de compromisso democrático”. E ainda conta “necessariamente com os parceiros sociais na sua pluralidade”.
Há, portanto, três planos, a julgar por estas palavras de António Costa há uma semana no Parlamento. Os que “obviamente” estarão à mesa (esquerda), os que “desejavelmente” se juntarão (direita), e os que “necessariamente” se incluem na discussão (parceiros sociais). Costa mostrou logo à partida que não tem grandes ilusões quanto à direita, mas a julgar pelos contactos feitos pelo Observador junto da esquerda parlamentar, há mais otimismo do que contacto com a realidade do PCP e do BE, que mantêm pé atrás sobre renovação de compromissos para lá do que existe hoje: um trabalho pontual e sem um guião prévio escrito.
À direita é pouco provável que se estenda a mão de volta e em Belém, essa é mesmo a convicção que ficou depois das audiências com os maiores partidos, na terça feira. Ao Observador, uma fonte da equipa do presidente explica que Marcelo Rebelo de Sousa antevê que o Orçamento do Estado para 2021 já não tenha apoio do PSD (como terá o orçamento suplementar): “O PSD vai demarcar-se do PS”, até porque não quer “ceder espaço ao centro direita e à direita”.
Um posicionamento que, a confirmar-se, não será indiferente ao calendário eleitoral que se avizinha, com as autárquicas aí à porta, onde Rui Rio tem condições para melhorar o score do partido conquistado nas últimas eleições, ainda sob direção de Passos Coelho. Para isso, uma excessiva colagem ao primeiro-ministro e aos socialistas é prejudicial, e a expectativa em Belém é a de que o líder do PSD retome a partir de agora o separar das águas que se começava a desenhar na fase inicial da pandemia em Portugal.
Assim sendo, Marcelo antecipa que Costa não tem mesmo alternativa a estabelecer um novo compromisso com a esquerda para garantir os “rumos minimamente estáveis” que exigira em março deste ano. Isto apesar de se acreditar na Presidência que Costa preferiria manter esta “indecisão por mais algum tempo”.
Leão já se reuniu com parceiros do costume
Enquanto encontros maiores com os olhos postos “no horizonte da legislatura” não avançam, vão tomando lugar aqueles que estão a tratar do Orçamento Suplementar, que será votado a 3 de julho. Na sexta-feira passada, o ministro das Finanças João Leão reuniu-se com uma comitiva do PCP, e já esta semana, encontrou-se com Bloco de Esquerda, Verdes e PAN. Volta à esquerda para negociar um orçamento, desta vez suplementar e com pouca margem para negociações.
Nas reuniões, João Leão aproveitou para se apresentar aos partidos que negoceiam com o PS como o sucessor de Mário Centeno e “sinalizou”, segundo fonte do Governo, “que há interesse em reunir-se com eles no futuro, para o Orçamento de 2021 e o Plano de Recuperação”. Segundo a mesma fonte, o Governo “registou a disponibilidade” dos partidos com que se reuniu: “Estão recetivos a falar connosco nesses dois momentos”, adianta a mesma fonte.
No Governo não há intenção de marcar novos encontros do género sobre o Suplementar: “Estes são suficientes”, diz a mesma fonte que entende também que este orçamento “não tem margem que permita em cima disso aceitar todas as propostas de alteração dos partidos” e que “na proposta apresentada, os partidos já foram tidos em consideração”. Mais adiante, noutros orçamentos, como o de 2021, “haverá outro tipo de margem”. E aí, o Governo quer continuar a entender-se com os parceiros de sempre. Mas tanto no PCP como no BE o entendimento é que os acordos se fazem perante propostas e não sobre o abstrato, que foi como olharam para o desafio deixado por João Leão.
No entanto, o Governo sabe que, para lá deste Orçamento, os três que ainda tem de apresentar nesta legislatura (2021, 2022 e 2023, caso pelo meio não apareça um retificativo), vão “cruzar-se” com o plano de recuperação que vai orientar-se com vista a um calendário de médio longo prazo. “As conversas cruzam-se”, lembra-se no Executivo onde não se adianta, no entanto, os moldes de futuras conversas.
Com um acordo escrito? Como aconteceu entre 2015 e 2019, mas sem um papel assinado? Com a definição já de linhas gerais de entendimento sobre temas concretos? Isso só será possível tirar a limpo na conversa que António Costa pretende ter com os partidos no âmbito do plano de recuperação da economia. Por agora, se já é possível “pressupor a disponibilidade do Governo para o horizonte da legislatura”, o mesmo não se pode dizer do lado dos partidos parceiros, que não querem repetir a geringonça, sobretudo nos termos em que ela foi firmada em 2015.