Luís Filipe Vieira não tem por hábito falar após os jogos do Benfica, acabem os mesmos com vitórias ou derrotas. Quando o faz, e os exemplos no passado são muitos, é porque quer deixar uma mensagem. De confiança, de força, de desagrado (por normal, neste caso, com arbitragens). Esta noite, marcada não só pelo desaire com o Marítimo mas também pelo pedido de saída de Bruno Lage que foi aceite, o presidente dos encarnados quis também deixar uma ideia no ar: chegado a Lisboa, e no decorrer dos próximos dias, vai fazer uma reflexão sobre o atual momento do clube e admitiu mesmo abandonar o cargo que ocupa desde 2003. No entanto, a hipótese não se coloca.
De acordo com as informações recolhidas pelo Observador, a perda do título (que foi assumida por outras palavras pelo próprio após a derrota na Madeira) foi um rude golpe na estratégia dos encarnados, que apostavam forte na conquista do Campeonato não só pela garantia da entrada na Liga dos Campeões e consequente encaixe financeiro de mais de 40 milhões de euros apenas pela presença na fase de grupos. E, em paralelo, o aumento das críticas de alguns contestatários e o recente chumbo do Orçamento para o clube na temporada 2020/21 desagradou ao líder das águias. Ainda assim, assumindo tratar-se de um momento complicado, Vieira recusa deixar o clube ainda com objetivos de várias áreas por cumprir e perante os protestos do que considera ser uma “minoria ruidosa”.
Outra fonte contactada admitiu até, no limite, uma antecipação do sufrágio marcado para outubro para que os sócios possam dizer, em urna, o que querem para o futuro do Benfica, algo que choca com os timings da próxima época: com cinco jogos do Campeonato por disputar e a final da Taça de Portugal com o FC Porto a 1 de agosto, o que deve colocar o início da Primeira Liga a meio de setembro, na semana seguinte aos dois primeiros jogos da Seleção na Liga das Nações (Croácia em casa no dia 5, Suécia fora no dia 8), a terceira pré-eliminatória da Champions joga-se a 15/16 de setembro, seguindo-se nas semanas seguintes o playoff para a fase de grupos.
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Por tudo isso, um dos principais dossiers para Vieira nos próximos tempos passa pela contratação do técnico para a próxima temporada, seja ele um português como Marco Silva ou um estrangeiro como Mauricio Pochettino ou Unai Emery (Jorge Jesus deixou de ser hipótese a não ser que as competições parem mais uma vez na América do Sul pela pandemia). Mas existem outros temas que o atual presidente não quer deixar cair, da parte financeira com a continuidade do projeto que permitiu reduzir em cerca de 250 milhões o endividamento apenas nos últimos seis anos às infraestruturas, com a expansão do Benfica Campus e com a remodelação de algumas zonas do Estádio da Luz, passando ainda pela vertente desportiva com a aposta na formação e na conquista mais regular de Campeonatos como aconteceu por cinco vezes nas últimas seis temporadas (sem contar com a presente).
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“Como devem imaginar, a família benfiquista neste momento está demasiado… Mas devemos dizer que tudo fizemos e demos para na realidade sermos felizes este ano. Não fomos e é importante dizer algo que tenho sentido e que não vale a pena esconder: o único culpado sou eu e não vale a pena esconder. Mas quero dizer outras duas coisas importantes: só foi possível chegarmos aqui porque tivemos estabilidade, que para conquistarmos um bi estivemos 31 anos, para conquistarmos um tri estivemos 39 anos e conquistámos um tetra que nunca tínhamos conquistado”, começou por dizer Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, em conferência na Madeira.
“Isto só se faz com muito amor, paixão, profissionalismo e determinação. Era importante dizer mais uma coisa: quem acabou em 2000 com aquilo no clube foram os benfiquistas. Se há aqueles que hoje estão a festejar a derrota do Benfica, quero dizer que na minha vida nunca verguei a nada e quando tomar a decisão não vou vergar. Vou falar com a minha família e espero tomar uma decisão quando chegar a Lisboa. É com profundo sentimento benfiquista que digo: não deixem voltar o passado porque fomos nós todos que demos cabo do Benfica mas é muito difícil fazer depois o que fizemos em 20 anos em termos desportivos, de infraestruturas e financeiros. Sou o único culpado, não há mais culpados. Fui eu. No final do jogo, o nosso treinador, com elevação, colocou o lugar à disposição. Disse que não achava que não tivesse qualidade ou capacidade para dar a volta mas que sabia que que toda a gente queria que fosse embora. Atenção: uma derrota não é o desespero de ninguém”, acrescentou.
Manual de como não gerir, jardim infantil e a mensagem de um jovem da formação
Após o encontro frente ao Marítimo, Luís Filipe Vieira foi à sala de conferência de imprensa, esteve depois alguns minutos à conversa ao telefone na zona do relvado dos Barreiros e saiu com Bruno Lage rumo ao aeroporto, onde a comitiva encarnada apanhou o voo charter de regresso a Lisboa via Figo Maduro. À chegada ao Benfica Campus, no Seixal, onde o aparato policial era bem maior do que os cerca de 15 a 20 adeptos com dois cartazes que diziam “Vieira rua” e “Lage rua” e que manifestaram o seu desagrado também aos jogadores, tudo decorreu de forma calma. Esta terça-feira à tarde deverá haver treino orientado por Veríssimo, adjunto de Bruno Lage. Entretanto, vários críticos assumidos do atual presidente dos encarnados reagiram ao momento desportivo das águias.
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“”Não vale a pena esconder, o único culpado sou eu’ – Luís Filipe Vieira. E que ilações vai retirar disto tudo? Tenho equipa, programa e projeto. Temos competência, rigor e credibilidade. Quer ir a eleições? Então vamos a isso!”, escreveu nas redes sociais Rui Gomes da Silva, antigo vice do Benfica e candidato no próximo sufrágio de outubro. “Impensável, inadmissível e totalmente inacreditável”, disse também outro candidato às eleições dos encarnados, Bruno Costa Carvalho, numa mensagem colocada nas redes sociais após a derrota na Madeira.
“Os culpados são os jogadores, primeiro, o treinador, porque errou nas substituições, mas, acima de tudo, quem tomou as decisões. E esta semana houve uma catadupa de asneiras. Se houvesse um manual sobre como não gerir um clube desportivo, como não ser um líder, não ser presidente, bastava tomar nota do que foi esta semana. A tal famosa estrutura mete todos os dias notícias nos jornais do que anda a fazer para salvar a própria pele. Não há ninguém com qualidade para ser treinador do Benfica que vá assumir a equipa nesta parte final do Campeonato, que será um passear penoso pelos campos do país. Ele [Vieira] é sempre o responsável, mas ele nunca sai. O problema é esse, não andamos a perder contra super equipas, andamos a perder contra o FC Porto, o pior FC Porto dos últimos anos, falido e sem condições económicas para nos contrariar”, disse Gomes da Silva à TVI24.
Outros antigos dirigentes, como Gaspar Ramos ou Ribeiro Castro, também reagiram ao atual momento que o Benfica atravessa, à semelhança do antigo jogador sueco Stefan Schwarz: “Tudo passa pelo balneário, mais nada. Quando há unidade é tudo possível e quando não há é mais provável que não haja estabilidade. Dói-nos a todos mas desistir nem pensar. Chega o comportamento de jardim infantil! Voltamos mais fortes no próximo ano. Parabéns ao Marítimo”, considerou o ex-internacional escandinavo. Ainda assim, houve uma mensagem que se tornou viral e que chegou de um dos jovens jogadores da formação que têm estado a trabalhar com a equipa principal, Tiago Araújo: “Agora é que se vê onde andam os verdadeiros, Benfica sempre”.
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