“Regresso a casa”, o mais recente livro de José Luís Peixoto, marca o seu retorno à poesia 12 anos depois, e é um mergulho na intimidade e no sentimentalismo, em tempos de confinamento.

São poemas que procuram uma dimensão pessoal. Entre os seus temas fundamentais está a família (um tema que tem estado presente em todos os meus livros, muito especialmente na poesia), a própria literatura (tanto as interrogações da escrita, como as da leitura), o mundo (as viagens) e a pertença a um espaço, a origem, a identidade”, explicou à Lusa o autor.

Nas suas palavras, “Regresso a casa” — editado pela Quetzal — é um livro onde os sentimentos evocados “têm muita importância”, propondo mesmo “uma reflexão” sobre esse tema, num poema intitulado “Sentimentalismo”. Segundo o autor, “a melancolia, a saudade e outros sentimentos que nascem do confronto entre o passado e o presente” são “propícios nesta leitura”.

Trata-se de uma obra escrita durante o período de confinamento imposto pela pandemia de Covid-19, circunstância que o empurrou para a poesia, um território a que não voltava desde 2008, quando publicou “Gaveta de papéis”.

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“Fui-me afastando da publicação de poesia por motivos práticos, tinha várias colaborações e compromissos na área da prosa que me tiravam essa disponibilidade. Por outro lado, a partir de certa altura, achei que tinha de fazer uma poesia que cortasse com o que havia publicado antes“, contou, esclarecendo que só quando se libertou dessa ideia e percebeu que “existe um tom adolescente” na sua poesia é que avançou na escrita deste livro. E como é que se deu essa viragem literária? “Quando se generalizou a quarentena, estava a trabalhar num romance. No entanto, as condições desse período não foram para mim as melhores e decidi fazer uma pausa nesse projeto”.

Por um lado, a claustrofobia da quarentena, a falta de liberdade; por outro lado, uma certa preocupação em relação ao futuro, tanto ao nível da saúde, como ao nível da sobrevivência económica; e também as próprias condições numa casa repentinamente sobrepovoada. Nesse contexto, sem que o planeasse, escrevi um poema”, continuou.

Esse poema, partilhado nas redes sociais, teve uma repercussão motivadora, o que, aliado à perceção de que “escrever poemas era também uma forma de reagir ao que se estava a passar”, funcionou como rampa de lançamento.

“A partir de certa altura, fui escrevendo sobre outros temas e comecei a estruturar o livro em torno da ideia de regresso a casa, algo que estava a acontecer literalmente no meu caso, uma vez que tinha muitíssimos planos e compromissos para este ano de 2020 e foram todos (mesmo todos) por água abaixo”. Essa ideia de regresso a casa, que dá título ao livro, é “absolutamente estrutural em toda a sua construção, porque “são muitas casas onde se regressa através dele”.

Há a própria poesia, a paz e a alegria que reencontro nesta forma de escrita; há o balanço pessoal, com as várias casas que possuo na minha vida; há a família, essa casa do afeto; há alguns questionamentos que nasceram da situação de quarentena que vivemos e que nos fez parar e, de uma forma ou de outra, ‘regressar a casa’ e, espero, há a casa construída pelo olhar de quem o ler”, explicou o escritor.

O título é também “fundamental” na forma como o livro está estruturado, porque foi dividido em partes, a primeira das quais chama-se “Odisseia” e “toma esse texto, que é o grande paradigma da viagem na história da literatura”, para falar justamente da ideia de “regresso a casa” de uma forma genérica.

Depois, há uma parte chamada “Quarentena”, que integra os primeiros poemas escritos para este livro e que são os únicos que têm a indicação da data em que foram escritos, porque, em certos detalhes, prendem-se com a atualidade do tempo em que todos estiveram em casa. A terceira parte chama-se “Diário” e inclui poemas de vária ordem, introduzindo uma dimensão pessoal e familiar que, depois, é desenvolvida.

A seguir, surgem alternadamente partes com nomes de lugares remotos, com as quais o escritor tem “uma relação especial”, e partes com as suas “casas”.

No que se refere aos lugares distantes e à relação que o autor tem com esses lugares, encontram-se poemas dedicados à China, à Coreia do Norte e à Tailândia. Estes dois últimos países já foram, inclusivamente, tema de livros de viagens do escritor: “Dentro do Segredo – Uma viagem na Coreia do Norte” e “O Caminho Imperfeito”. Quanto ao segmento dedicado às suas “casas”, engloba “Galveias”, que foi a casa da infância, e “Oeiras”, o lugar onde vive há 12 anos.

O livro termina com “Tradutores” e “Bibliografia”, capítulos compostos por poemas dedicados aos seus tradutores, com quem tem uma relação pessoal e que estabelecem a ponte entre o que escreve e o mundo, e poemas cujos títulos coincidem com títulos de livros seus, constituindo “uma espécie de nota pessoal sobre esses livros”.

“Estas duas partes, assim como outros poemas, mencionam a literatura com a intenção de dar a entender que essa também é uma forma de regressar a casa”, explicou.

Falando sobre a vida em confinamento, José Luís Peixoto admite que a experiência o marcou muito, embora ainda não saiba dizer exatamente como, mas reconhece que a escrita do livro o orientou um pouco no seu caminho e devolveu-lhe algum otimismo.

“Ainda assim, por caminhos enviesados, surgem boas notícias, como é o caso deste livro que, acredito, vai levar-me a escrever mais poesia. Além disso, já retomei o romance que havia interrompido”.