O primeiro-ministro, António Costa, garantiu em entrevista ao Expresso que a preparação do Orçamento do Estado para 2021, o primeiro a ser elaborado totalmente no contexto da pandemia, inclui a possibilidade de um aumento do salário mínimo, novas contratações para a função pública e uma descida no IVA da eletricidade.
Para fazer aprovar estas medidas, António Costa continua a contar com os mesmos parceiros de negociação à esquerda. Isto é, o BE, PCP, PAN e o PEV. “Se queremos dar uma resposta que se afaste dos rumos da austeridade, os parceiros para isso são aqueles que viraram connosco a página da austeridade”, assegurou.
“Agora vamos entrar num novo ciclo de diálogo com os parceiros sociais e com os partidos políticos, para aprovar o orçamento para 2021. E o ponto de partida não prevê qualquer corte de rendimentos”, disse António Costa. “Desejamos, por exemplo, que o salário mínimo nacional possa continuar a subir.”
Sobre a dimensão dessa subida, o primeiro-ministro não se comprometeu — mas referiu porém que “não vamos poder ter um aumento com a dimensão que tivemos no ano passado”. De 2019 para 2020, o salário mínimo nacional passou dos 600 para os 635 euros — um aumento de 35 euros brutos, equivalente a um crescimento de 5,8%.
O primeiro-ministro garantiu ainda que o objetivo do Governo é de baixar o IVA da eletricidade ainda este ano — isto é, não está nos planos de António Costa esperar pelo Orçamento do Estado de 2021 para dar esse passo. “Iremos usar ainda este ano a autorização legislativa que nos foi concedida para a redução do IVA”, assegurou António Costa, referindo-se à luz verde que o Governo recebeu de Bruxelas a 12 de junho para tomar essa medida.
De resto, esta é uma medida que já tem sido discutida nos últimos tempos mas que até aqui tem contado com a oposição do PS e do Governo. Foi assim na negociação do Orçamento do Estado de 2020 (onde a descida no IVA da eletricidade acabou por não figurar) e também no final de junho, quando o PS se opôs às propostas do Bloco de Esquerda e do Chega para uma descida daquele imposto.
Ainda numa perspetiva de aumento da despesa pública, António Costa acrescentou que também está preparado para aumentar a contratação na função pública. “Para o ano vamos ter de reforçar o número de contratados, não só no SNS como noutros serviços do Estado”, disse. De resto, o primeiro-ministro deixa claro que a sua prioridade é a de aumentar o número de contratações no Estado — deixando o aumento de salários da função pública para outra altura.
“Tendo de fazer opções, vamos investir mais no aumento de número de trabalhadores do que em aumentos salariais”, disse, em relação ao setor do Estado.
E embora tivesse fechado uma porta à criação de um programa de Rendimento Universal Garantido, como acontece em casos específicos em Espanha e também na Alemanha, António Costa abriu uma janela: a de ser criado um programa de apoio da Segurança Social paralelo ao Rendimento Social de Inserção (RSI) enquanto durar a pandemia.
“Não faz sentido alterar estruturalmente uma medida para uma situação excecional. Faz mais sentido criar uma medida temporária que alargue neste período a elegibilidade”, disse António Costa. Este programa será desenhado para “aquelas situações excecionais que passámos a ter, que a Covid introduziu e que não têm resposta em nenhuma das prestações sociais tradicionais”.
“Como no caso da cultura, dos eventos, em sectores da atividade turística, que se viram confrontadas com uma situação de absoluta quebra de rendimentos”, referiu Costa, como possíveis beneficiários desta medida.
Alterações nos escalões do IRS em 2021 é “muito improvável”
Algo em que o primeiro-ministro não parece estar disposto a mexer é nos escalões do IRS. Apesar de esta ter sido anteriormente fixada como uma meta do Governo, António Costa refere que não está no horizonte próximo. “Acho que é muito improvável que seja no orçamento de 2021 que vamos fazer essa revisão”, disse. “Seguramente os orçamento de 2022 e 2023 são outras oportunidades.”
“Também não leio todos os relatórios que chegam ao meu escritório”
Questionado sobre se as coisas falharam no lar de Reguengos de Monsaraz, António Costa foi perentório: “Se falharam? Mas qual é a dúvida que falharam?”. Em entrevista ao Expresso, o primeiro-ministro lembrou que o “lar não é do Estado” e que, quando foi alertado, “o Estado reagiu imediatamente”.
Sobre a polémica em torno da ministra da Segurança Social, Ana Mendes Godinho, que em entrevista admitiu que não leu o relatório da Ordem dos Médicos sobre o surto no lar de Reguengos, Costa afirmou que a ministra “não desvalorizou” a situação e que o Governo não “acordou” para o caso com um relatório “de uma entidade que não tem competência legal para fazer esse estudo”. As ordens profissionais, disse, “existem para regular o exercício da atividade dos seus profissionais” e não para “fiscalizar o Estado”. O primeiro-ministro afirmou ainda que há relatórios de outras entidades que dizem “exatamente o contrário”, incluindo o inquérito da Segurança Social.
António Costa assegurou ainda que em julho a ministra Ana Mendes Godinho “mandou abrir um inquérito e comunicou esse inquérito ao Ministério Público” — assunto que o primeiro-ministro ficou a conhecer “esta semana”. De recordar que, também em entrevista ao Expresso, Ana Mendes Godinho referiu apenas a abertura de uma “avaliação”.
Costa assegurou que também ele não lê “todos os relatórios que chegam aqui ao meu gabinete, porque são umas largas dezenas por dia”. Questionado sobre se leu o relatório da Ordem dos Médicos antes ou depois da polémica, o primeiro-ministro respondeu: “Só o li depois da polémica com a entrevista, para ver se efetivamente se justificava a polémica (…) Li esse e os outros relatórios e concluí que o que valia a pena mesmo era apurar toda a verdade”.